De vítimas a agressoras no namoro. “Não estamos a transmitir a igualdade”

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[Fotografia: Pexels/Pixabay]

“Há uma justificação por parte das vítimas que fazem depois uso da violência e é a de que, como vítima, posso exercer a violência [de volta e como resposta] porque usufruo da igualdade. Isto deve fazer-nos preocupar e pensar qual a narrativa da igualdade de género que estamos a procurar transmitir”, alertou a presidente da Associação Plano I em audição com os deputados.

Sofia Neves foi ouvida, a par de Rita Paulos, diretora-executiva da Casa Qui, na Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação, esta terça-feira, 4 de abril, para analisar o aumento dos números da violência no namoro. A especialista lembrou que “não estamos a transmitir a igualdade tornando-as a elas, vítimas, também agressoras. Verificamos que a questão da reciprocidade na violência no namoro é diferente da violência na idade adulta”.

Rapazes e raparigas passam de vítimas em algum momento a agressores. “Muitas vezes, a violência é reivindicada por elas como um direito, se ele me bate eu também posso fazer o uso da violência”, sublinhou Sofia Neves aos parlamentares.

Casa Qui e Plano I pediram no Parlamento professores especializados e dedicados em cidadania e educação sexual em vez de diretores de turma, cadeiras em universidades para formar para os desafios da comunidade LGBTQI+. Associações recusaram, no parlamento, na terça-feira, 4 de abril, agravamento de penas, mas pugnaram justiça mais rápida e sem revitimização e clamaram mais atenção para saúde mental e estratégias concertadas e aplicadas mais cedo junto dos alunos.

Estas foram as principais reivindicações apresentadas aos deputados da Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação, e no âmbito das audições para auscultar as medidas necessárias para combater o aumento da violência no namoro e, em particular, as especificidades e a maior invisibilidade desta no plano das comunidades LGBTQI+. Uma realidade que, como alertaram as entidades citando investigações e inquéritos, nem sempre é percecionada como crime pelas novas gerações, que é até desculpabilizada, mas que encerra depois uma possível vitimização da violência doméstica no futuro, como alertaram as entidades.

“É necessário começar a ter uma pessoa docente para a Cidadania e não como está a ser feito com a disciplina a ser dada por diretores de turma”, pediu a fundadora e diretora executiva da Casa Qui, Rita Paulos, que lembrou que as campanhas de violência estão mais focadas nas pessoas adultas, devendo, por isso, ser alargadas aos mais novos e para o namoro”, saindo do espaço escolar.

“Não pode ser qualquer docente sem que tenha habilitações a estar na linha da frente e a trabalhar estes temas, tem de haver profissionalização, sobretudo na área da saúde”, acrescentou Sofia Neves, investigadora e presidente da Plano I. A especialista crê que estas matérias em torno da violência – no namoro, da intimidade e sexual – devem ser incluídas “nos currículos do ensino superior” para que se reflitam depois no exercício das profissões, agindo na antecipação

Sugestão, aliás, também apresentada por Rita Paulos aos deputados. “Devemos começar na formação superior inicial a abordagem destas temáticas, que devem ser incluídas em todos os setores chave: saúde, educação, segurança, introduzindo um módulo em alguma cadeira para população LGBTQI+”, pediu, vincando que, enquanto tal não feito, “está-se sempre a correr atrás do prejuízo”. Para a responsável, a Comissão para Igualdade e Cidadania “poderia e deveria ter referencial de formação de profissionais para a educação sexual, identidade de género e para agirem no terreno”.

Numa audição em que ambas associações trocam o possível agravamento de penas atualmente vigentes por campanhas mais eficazes e formação, quer Rita Paulos, quer Sofia Neves solicitaram uma justiça melhor e mais ágil. “Não considero que as penas devam ser endurecidas, têm é de ser aplicadas e a justiça deve ser célere e garantir que a vítima não pode ser ela própria vítima de revitimização, que é muitas vezes a experiência no contacto”, alerta a responsável da associação Plano I. “Não sei até que ponto agravar as penas é solução ou se antes comunicar de forma mais clara que é crime”, vinca Rita Paulos.

Numa realidade em que ambas associações ouvidas pelos deputados revelam que a “prevenção da violência no namoro não está a surtir efeito desejado”, como lembra Ariana Correia, da Plano I, as responsáveis pediram “estratégias concertadas” de avaliação de dados e de implementação para encontrar um eixo de atuação comum e, por isso, eficaz, e a entrar na vida dos jovens o mais cedo possível.