Diogo Faro vai lançar movimento feminista #nãoénormal

Três mil mensagens e e-mails, com duros desabafos de mulheres vítimas de abusos sexuais, agressões, violações e piropos. É este o resumo da caixa de e-mail e das mensagens privadas que Diogo Faro recebeu no Instagram, desde a passada terça-feira, dia em que lançou um apelo nas redes sociais. Na altura, tratava-se de um simples desafio para fazer um vídeo. “Pedi a mulheres que tivessem sido assediadas para me enviarem mensagens a dizer ‘Eu’, para poder compilá-las nesse tal vídeo, em que a ideia era desconstruir e falar do machismo num país que já teve 12 crimes de violência doméstica desde o início do ano”, começa por explicar ao Delas.pt.

Só na primeira hora, os stories no Instagram alcançaram 15 mil pessoas e em quatro horas já tinha recebido mais de 100 mensagens, que iam muito além de um simples “eu fui assediada”. “Comecei a receber outros relatos cada vez mais horríveis e percebi que todas as mulheres já passaram por este tipo de abusos, desde piropos a situações muito graves, como violações. Foi horrível perceber a dimensão disto”, conta.

Foi na sua página pessoal daquela rede social que começou a partilhar muitas das histórias que lhe foram chegando, em privado, sempre com a autorização de quem desabafava. E o número foi aumentando. “Nós como andamos aqui na nossa vidinha privilegiada de homens em que não precisamos de ter cuidado para sermos apalpados nem nos sentimos enojados porque nunca ouvimos piropos, nunca percebemos (ou nunca vimos) o que as mulheres passam todos os dias”, diz Faro, revelando ainda que chegou a receber relatos de amigas próximas, que nunca tinham tido coragem de falar sobre as relações abusivas em que estavam.

Entre os milhares de mensagens recebidas, Diogo Faro garante que 200 ou 300 são casos de violação. Está a tentar ler e responder a todos os e-mails, mas neste momento já ultrapassam os três mil. Os casos “gravíssimos” estão a ser encaminhados para a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) com Diogo a pedir às vítimas que partilhem a sua história.

“Muitas mulheres nunca tinham contado a ninguém, mas vendo outros testemunhos de quem passou por isto, estão a conseguir falar”, prossegue, acrescentando: “Há muitos casos desvalorizados pelas escolas, pelos familiares ou amigos e pela polícia, que tentam normalizar tentativas de violação. Já está tão normalizado, que as sociedades e as próprias desvalorizam. Mas isto tem de deixar de ser ‘normal’”.

#Nãoénormal

Quatro dias depois do desafio, Diogo Faro publicava um texto no seu Instagram intitulado Eu não sabia e por isso peço desculpa, uma mensagem dirigida a todas as mulheres “que andam com chaves de casa entre os dedos quando estão sozinhas”, que ouvem “repugnantes piropos na rua” e que são “agredidas física e psicologicamente, e até violadas”.

No mesmo post, o humorista garantia que não se voltava a calar e assim está a fazer. Conta com a ajuda de um grupo de amigos próximos que se juntaram para transformar o #nãoénormal (hashtag com que Diogo assinou a publicação) num movimento “a sério”. “Estamos a ter várias ideias, queremos fazer uma plataforma, campanhas de sensibilização e criar um Instagram próprio para este movimento”, começa por dizer, apelando: “Não podemos deixar isto cair, queremos agir rápido, e gostava que as figuras públicas se juntassem”.

“Eu acho que a pessoa mais famosa que partilhou o post foi a Catarina Furtado, mas não percebo muito bem como não há mais figuras públicas a falar sobre isto, como aconteceu com o caso #metoo. Acho impossível não haver mulheres com estas histórias na indústria do cinema e TV, em Portugal”, vinca ainda o humorista, também conhecido por Sensivelmente Idiota.

Assumido feminista, Faro, que já participou em vários movimentos pela igualdade de género, sublinha a importância de ter mais figuras públicas a falar sobre o assunto. “É possível que esta ação não tivesse tanto impacto se fosse uma mulher a falar sobre o tema. ‘Lá está uma mulher a queixar-se outra vez’, iam dizer. Mas como é um homem a falar no assunto, deve ser mesmo grave, se até um homem reparou”, ironiza. “Isto é um sintoma da sociedade machista que temos. Mas, talvez se fosse uma mulher muito conhecida que viesse a público contar um caso muito grave, pudesse ter um grande alcance”, vinca ainda.

Às três mil mensagens escritas por mulheres, encontram-se outras tantas, não só enviadas por homens a agradecer o “alerta” para esta realidade, mas também da realidade contrária. “Também já recebi histórias de homens que sofreram abusos, mas é uma minoria na minha caixa de mensagens. No entanto, não podemos esquecer que também existe e quando criarmos a plataforma vamos também falar para esses homens”.

 

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