Diogo Miranda: “arrisco menos, mas já tenho a estrutura que me permite cometer umas loucuras”

Entrevista a Diogo Miranda
Porto, 24/03/2017 - Estilista Diogo Miranda, fotografado no hotel Vincci. (Artur Machado / Global Imagens)

Uma década de moda é o número redondo que Diogo Miranda comemora hoje na passerelle do Portugal Fashion. Para assinalar a data o criador desenhou uma coleção que é uma ode às mulheres fortes, feministas e sensuais.

Estivemos à conversa com o designer algumas horas antes do desfile para saber mais sobre estes dez anos e sobre ele, mas acabámos a falar de mulheres e de moda, dois assuntos que traduzem bem o seu trabalho e a sua estética.

Esta coleção é uma homenagem às mulheres que o acompanharam ao longo destes 10 anos. Que mulheres são essas?

São clientes, amigas, pessoas que já vesti, são basicamente as mulheres que me rodeiam e que me acompanharam ao longo destes dez anos. Apesar de ser o décimo aniversário da minha carreira não quis que a coleção ficasse pesada por esse título por isso, apesar de ser a celebração do aniversário, não é uma coleção que tenha ido revisitar a última década, mas peguei em algumas peças fortes que fizeram parte da minha carreira e reinterpretei-as. Isto aliou-se à exploração do trabalho do Guy Bourdin, que era algo que eu já queria trabalhar há algum tempo.

Como é que veste as mulheres?

Para mim uma mulher tem de ter sempre a cintura marcada.

Porquê?

Porque é super sensual.

Acha que todas as mulheres têm de ser sensuais?

Não têm que ser sensuais mas têm de ser femininas.

Esta coleção também fala de uma mulher feminista. Desenha para mulheres feministas ou femininas?

Ambas. Acho que as duas coisas se conseguem conciliar. As mulheres estão cada vez mais feministas e a lutar pelos seus direitos, que é algo que eu sou completamente a favor. Essa teoria de que uma mulher deve ganhar menos é um absurdo. Esta é uma coleção para uma mulher feminista, confiante, sensual. O facto de uma mulher se vestir de uma maneira mais sensual ou provocante, não quer dizer que se vista assim para voltar para casa com um homem, as mulheres também gostam de se sentir sensuais para elas, porque lhes apeteceu vestir-se assim. Visto mulheres que se querem agradar a elas próprias e não aos outros.

Essa dualidade entre a sensualidade e a confiança revê-se também na dualidade dos seus desenhos, quando ao mesmo tempo que apresenta folhos, alças finas, cinturas marcadas, utiliza ombros largos e materiais estruturados. É esta mensagem de duplicidade, fragilidade e força, que quer transmitir?

Sim… e também porque as roupas têm de ser versáteis. Acho que quando alguém compra uma peça de autor, tem de olhar para ela e perceber que é uma peça que pode ser usada em diversas situações, desde uma festa até a um jantar informal. Eu procuro muito isso na minha roupa, quero que cada peça da minha coleção fale por si mesma. As minhas clientes não precisam de comprar um look inteiro, se calhar podem comprar só uma saia que no desfile estava coordenada com uma camisa branca, a camisa podem comprar na Zara e usar com uma saia minha porque uma peça é suficientemente forte para sustentar o look.

Não o incomoda que façam essas misturas com a sua roupa?

Não, até porque enquanto criador, isso é o mais gratificante. O mais interessante é contarmos uma história e as pessoas quando compram as peças interpretarem a história à sua maneira. A principal mensagem é mesmo essa, é a reinterpretação das coleções, e as mulheres fazem-no de uma forma muito especial porque são únicas.

Como é que a roupa pode ajudar uma mulher a conseguir o que quer?

Se uma mulher estiver bem vestida consegue muito mais facilmente entrar em qualquer lugar, mesmo nos mais restritos, e consegue marcar presença, consegue que as pessoas reparem nela e deixar a sua marca. Mas também acho que, apesar de a roupa ser muito importante, a maior arma de uma mulher é o cabelo.

Cabelo comprido ou curto?

Médio e com ondas, sem ser demasiado encaracolado mas com personalidade, acho que uma mulher assim consegue fazer tudo.

Voltando à roupa, acha que quando uma mulher atinge o sucesso profissional a roupa ainda ganha mais importância?

Sim, sem dúvida.

Essa importância tem a ver com a qualidade ou com o estilo?

Pela qualidade, porque mesmo que alguém esteja vestida com muito estilo a qualidade e a falta de qualidade continua a ser muito percetível. E isso é importante porque a qualidade do que vestimos desperta respeito nos outros.

Hoje muitas vezes a qualidade perde importância perante preços baratos. Acha que as marcas de grande consumo são uma ameaça às marcas de autor, ou ajudam a que se comprem peças de autor já que se consegue ter um guarda-roupa barato na generalidade e ter algumas peças mais caras?

Este furacão das grandes marcas acaba por ser bom porque as pessoas têm muito mais acesso a moda a preços baixos, mas por outro lado também deixa os consumidores confusos. Isto porque numa loja de autor são capazes de ver um casaco de caxemira por mil euros e depois passam na Zara e veem um casaco parecido por sessenta, e não veem justificação para a diferença de preços, não percebem que a qualidade é um fator fundamental no preço.

Acha que falta essa educação e orientação do consumidor para a qualidade?

Sim. Nem tudo o que está nas lojas de grande consumo é bem feito. A maioria das pessoas não sabe que um casaco de trinta euros, provavelmente custou dois euros à marca e foi feito por pessoas em condições sociais que podem não ser as melhores. Mas o ser barato faz com que as pessoas nem pensem nisso, porque com pouco dinheiro podem comprar muitas coisas.

O mercado português é muito difícil para a moda de autor, justamente pelo fator preço, e o Diogo é um bom exemplo disso, já que comercializa sobretudo para fora do país. Faz sentido estar sediado em Portugal quando o seu mercado não é o nacional?

Faz porque eu nasci aqui e a minha marca foi fundada cá. Não é porque as coisas não funcionam aqui que posso pegar em toda a minha equipa e deslocalizá-la. Até porque se eu precisar de ir para Paris ou Nova Iorque, pego na coleção e vou lá. Além disso, em Portugal, há um contacto muito próximo com a indústria e isso ajuda muito. E por isso é que há muitas marcas estrangeiras a virem para cá, nós aqui em termos industriais e de produção temos tudo.

Acha que é esse o futuro de Portugal na moda: ser o país onde as marcas estão sediadas apesar de não ser forte comercialmente?

Eu espero que não, mas duvido. Acho que a economia portuguesa não ajuda a que Portugal se torne um bom mercado. Eu não sou um bom exemplo porque de facto não dependo do comércio nacional, e acho que o único caminho para os designers portugueses é, de facto, terem outros mercados.

Essa internacionalização é fácil?

Não, eu nunca pensei em ir para fora. Foi um processo que começou em 2014 quando uma loja no Médio Oriente nos contactou para comprar a coleção. Foi só aí que me caiu a ficha e que percebi que era esse o caminho.

É um percurso frustrante até chegar à internacionalização e ao retorno financeiro?

É, na medida em que faço um desfile, tenho sala cheia, imensas palmas, uma crítica excelente, mas depois não há vendas e isso é super desmotivante. A forma que eu encontrei para lidar com isso foi começar a fazer o que eu queria, percebi que nunca ia agradar a toda a gente, e por isso o que me começou a interessar foi fazer o que queria fazer e estar contente com isso. No final das contas o que é mais importante é deixar a nossa marca, mas é um caminho muito duro.

O que é que a sua roupa tem que conquista o mercado internacional?

O design e também é fundamental que uma coleção tenha peças para vários tipos de mercado e para vários tipos de clientes. Porque depois são essas vendas todas juntas que dão a faturação da coleção.

Hoje cria assim a pensar nos mercados e no fator comercial?

Sim. Eu neste momento já tenho esse chip comercial. Quando estamos a fazer as coleções já penso em tudo, das vendas ao desfile, às peças que funcionam em fotografia, às peças que sejam fáceis de vender, até ao preço final.

Sente por ter esse chip, arrisca menos hoje do que há dez anos?

Provavelmente, arrisco menos, mas já tenho a estrutura que me permite cometer umas loucuras, de vez em quando, com peças que sei que vão chegar a valores que nem são comercializáveis.

Nesta coleção cometeu alguma loucura?

Cometi uma, num casaco branco de plumas que esteve uma semana a ser feito.

Imagem de Destaque: Artur Machado/Global Imagens