Direitos humanos e ambiente levam mulheres indígenas aos protestos, no Brasil

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[Fotografia: Evaristo Sa / AFP]

Milhares de mulheres indígenas de vários cantos do mundo marcham esta quarta-feira, 13 de setembro, em Brasília pela preservação do ambiente, modo de vida e direitos humanos e contra expropriação e exploração das suas terras, disseram à Lusa lideranças indígenas.

“As mulheres estão na vanguarda da proteção da nossa terra, as mulheres estão na vanguarda do combate às alterações climáticas, as mulheres estão na vanguarda da proteção das nossas famílias, das nossas crianças, contra a violência que é sempre perpetuada por discriminação contra o nosso povo, e estamos na vanguarda da sobrevivência da nossa cultura, da nossa espiritualidade e das nossas línguas”, contou à Lusa a co-porta-voz da Maya Leaders Aliance, da Toledo Mayors Association e coordenadora de defesa do Indigenous Peoples Rights International, Cristina Coc.

A ativista maia, dedicada à conservação ambiental e aos direitos dos povos indígenas no sul do Belize, enfatizou ainda que estas mulheres indígenas, “de todas as sete regiões geográficas”, estão em Brasília para se posicionarem “coletivamente e fazer um apelo para acabar com a violência e a criminalização contra as mulheres indígenas em todo o mundo”.

Na mesma linha, a deputada da Guatemala e líder da bancada Winaq no Congresso, Sonia Gutiérrez Raguay, afirmou à Lusa que esta reunião na capital brasileira permite unir alianças para enfrentar estes problemas que se sentem nos mais variados países.

A marcha, acrescentou Gutiérrez Raguay, tem “como bandeira a defesa dos direitos humanos das mulheres indígenas”.

Desde segunda-feira, milhares de mulheres indígenas, na maioria do Brasil, mas também da Malásia, Bangladesh, Indonésia, Guatemala, Peru, México, Uganda, Quénia, África do Sul, Finlândia, Rússia, Nova Zelândia e Estados Unidos da América, estão reunidas e acampadas em Brasília sob o lema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade através das raízes ancestrais”.

Estas mulheres lutam por valores comuns, nomeadamente contra a mineração ilegal, pela demarcação de terras e pela representação indígena nos espaços de poder.

Ao longo dos primeiros dois dias do evento na capital brasileira, foram realizadas várias palestras com temas que vão desde a emergência climática, biodiversidade, saúde mental, acessibilidade indígena e violência de género até à apresentação dos biomas brasileiros do Cerrado, Mata Atlântica, Amazónia, Pantanal, Caatinga e Pampa.

Este evento, que cumpre também o objetivo de solidariedade com as mulheres indígenas do Brasil na defesa da sua autodeterminação, culmina hoje com a 3.ª Marcha das Mulheres Indígenas.

“Somos confrontadas com detenções, acusações forjadas, até mesmo com a morte, assassinatos e violações das nossas mulheres em todo o mundo, quando defendem as suas terras, quando defendem a sua biodiversidade, quando defendem os seus territórios coletivos”, recordou Cristina Coc.

Nesta ocasião, as cerca de quatro mil mulheres indígenas, segundo dados da organização facultados à Lusa, vão encetar contactos e entregar uma carta a responsáveis do poder executivo, legislativo e judicial do Brasil.

A marcha coincide com a análise do Supremo Tribunal Federal dos direitos dos indígenas às terras ancestrais, uma questão controversa que coloca estes povos contra o poderoso setor agrícola.

Os juízes da mais alta instância discutem a constitucionalidade da tese jurídica conhecida como “marco temporal”, segundo a qual os povos indígenas só têm direito às terras que ocupavam em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição brasileira.

A tese, muito criticada pelos povos indígenas, impediria a demarcação de terras que tradicionalmente pertenciam aos povos nativos, mas que em 1988 já haviam sido ocupadas por agricultores, por vezes à força.

Até agora, dos onze juízes que compõem o tribunal, quatro votaram contra o “marco temporal” e dois a favor.

“Uma ameaça muito forte neste momento no Brasil”, resumiu assim a congressista da Guatemala, acrescentando que esta tese “põe em risco a propriedade ancestral dos povos indígenas”.

“Há uma batalha forte a travar e esperamos que com este encontro saia uma conclusão”, frisou Sonia Gutiérrez Raguay.

A luta das comunidades indígenas provêm das “ganâncias económicas dos países através do sistema neoliberal nesta região” e de projetos com empresas multinacionais de hidroelétrica, exploração de petróleo, mineradoras, entre outros fatores, denunciou a congressista

“Exploram os recursos naturais” provocando contaminação, dano e “impacto ambiental nas zonas onde vivem os indígenas”, disse.

Por outro lado, a ativista maia considerou que, quando estes projetos querem entrar nas terras indígenas, “quando os recursos estão a ser explorados, é importante que o mundo comece a compreender e a normalizar que os povos indígenas têm o direito de dar ou recusar o seu consentimento”.

LUSA