Uma mulher doméstica chinesa vai receber 50 mil yuan (cerca de 6.300 euros) do ex-marido num processo de divórcio, por trabalhos domésticos, numa inédita decisão judicial ao abrigo do novo Código Civil da China.
Já em junho de 2019, um tribunal da Argentina tinha tomado decisão semelhante num processo conjugal.
O divórcio Wang-Chen tornou-se um dos principais tópicos de discussão nas redes sociais chinesas nos últimos dias, gerando cerca de 500 milhões de comentários, dividindo-se sobretudo entre os satisfeitos pelo reconhecimento judicial do valor do trabalho doméstico e os insatisfeitos pelo montante atribuído, considerado insuficiente, segundo a imprensa chinesa.
A mulher, de apelido Wang, afirmou no processo de divórcio no Tribunal de Pequim, citada pela Rádio Nacional da China (RNC), que o marido, de apelido Chen, “praticamente não se preocupou ou participou em qualquer tipo de tarefas domésticas” durante o casamento de 5 anos.
O juiz considerou válida a compensação a Wang por trabalhos domésticos ao longo do casamento, mas avaliou-os em montante inferior aos cerca de 160 mil yuan (20 mil euros), que a mulher exigia.
Além dos 50 mil yuan, Wang beneficiará da divisão da propriedade em partes iguais, da custódia do filho e ainda de cerca de 250 euros por mês em pensão de alimentos, de acordo com a RNC.
Feng Miao, o juiz que presidiu ao julgamento, afirmou à RNC que o montante atribuído se baseou no cálculo de fatores como o rendimento do marido e custo de vida na capital chinesa.
O trabalho doméstico “pode melhorar a capacidade do outro cônjuge alcançar crescimento pessoal, individual e académico e isto não está refletido na propriedade tangível” do casal, referiu Feng Miao.
A decisão, a primeira do género, é efeito direto de uma disposição do novo Código Civil chinês que determina que um cônjuge pode exigir compensação do outro, num processo de divórcio, por assumir maiores responsabilidades no cuidado de crianças ou idosos.
A compensação por trabalhos domésticos estava prevista nas convenções nupciais chinesas desde 2001, mas apenas em caso de casamento com separação de bens, o regime menos utilizado, tornando raros os pedidos de compensação.
Long Jun, professor de Direito da Tsinghua University, afirmou ao canal CCTV que “o cônjuge que trabalha fora de casa, depois do divórcio pode continuar a desfrutar dos recursos, relações e estatuto que tinha, mantendo ainda o mesmo nível de rendimento”, enquanto o que trabalhou “discretamente em casa terá de enfrentar o problema de voltar ao trabalho”.
“Isto significa que o doméstico tem que pagar custos imprevistos, além dos esforços desempenhados ao longo do casamento”, defendeu o académico.
O número de casamentos na China tem descido continuamente desde 2013, enquanto o número de divórcios tem aumentado.
Segundo estatísticas oficiais, as taxas de divórcio aumentaram cinco vezes nas últimas três décadas, de 0,69 divórcios por 1.000 pessoas, em 1990, para 3,36, em 2019.
Segundo o juiz Feng Miao, é necessário “acumular experiência sobre como calcular o montante da compensação”, sendo também de esperar que mais casos semelhantes ao de Wang e Chen sejam apresentados nos próximos tempos.