“Há muito preconceito de que a família é o melhor para a criança. Nem sempre”, diz Dulce Rocha

Dulce Rocha
Dulce Rocha, magistrada do Ministério publico e com uma atividade intensa sobre problemas dos direitos das crianças é desde setembro de 2007, Presidente Executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC) [Fotografia: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens]

Com uma vida profissional inteira dedicada aos menores e à frente dos destinos do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Dulce Rocha lembra em entrevista que a denúncia de maus-tratos de menores é uma obrigação de todos como comunidade. Mas aponta também falhas ao sistema e pede mais planos de proteção a crianças em risco.

“Ainda há muito preconceito de que a família é o melhor para a criança. Nem sempre”, afirma em entrevista ao JN/TSF, exibida este domingo, 3 de julho, e no seguimento da trágica morte de Jessica, a menina de três anos que foi perdeu violentamente a vida em Setúbal e em circunstância de maus-tratos que está ainda sob investigação.

“A nossa lei diz que a criança deve ser entregue preferencialmente à família. Claro que tudo isto tem tempos. Agora, quando não há uma família alargada que queira a criança, ela está num centro de acolhimento e a mãe não se decide a encontrar trabalho e continua com o alcoolismo ou a toxicodependência, nesses casos, em que vemos o tempo a passar, sou da opinião que somos demasiado complacentes. Às vezes, parece que estamos à espera de uma mãe que não está à espera da criança”, alerta.

“Há essa visão de que quem denuncia é bufo. Temos de largar isso”

Sobre as denúncias, a magistrada vinca que, “quando sabemos de violação de direitos humanos devemos intervir. Temos esse dever de reportar para proteger. Em Portugal, temos essa ideia de não denunciar, que ainda se associa muito à PIDE. Há um preconceito de nos metermos na vida dos outros”. E acrescenta: “O próprio processo penal está imbuído dessa visão de que quem denuncia é bufo. Temos de largar isso. Já temos mais democracia do que fascismo.”

Dulce Rocha considera que existem duas medidas em vigor em Portugal que deveriam ser alargadas a menores. “Deveria haver em Portugal um plano nacional de prevenção e combate à violência sobre as crianças, com múltiplos aspetos” e “a comissão de análise retrospetiva para estudar o homicídio conjugal devia ser reproduzido relativamente à criança. Ainda por cima num país com tão poucas crianças e onde estamos sempre a dizer que precisamos de mais crianças, não as cuidamos”, pede a magistrada.

“Não podemos ficar com a noção de que elas [meninas] são menos batidas. Não. É porque elas reportam menos”

Sobre as vítimas, a presidente do IAC revela que “há mais rapazes porque estes se expõem mais. Faltam mais às aulas. Abandonam a escola. As meninas são muito vítimas de abuso sexual, um fenómeno muito mais oculto, que está escondido. Há um muro de silêncio, devido ao medo”. Dulce Rocha sublinha mesmo que “não podemos ficar com a noção de que elas são menos batidas. Não. É porque elas reportam menos”.

Leia a entrevista na íntegra aqui.