Aos 27 anos, Edie Campbell escreveu uma carta a denunciar a existência de abuso sexual e de poder na indústria da moda, mostrando que ainda há um longo caminho a percorrer.
Mais do que um desabafo, a carta enviada pela modelo britânica ao jornal Women’s Wear Daily (WWD), propõe que se faça uma reflexão e apresenta ideias para pôr em prática.
“Temos um problema: operamos dentro de uma cultura que também aceita abusos, em todas as suas manifestações. E embora não tenhamos todos, como indivíduos, contribuído ativamente para isso, sempre que fazemos vista cega, o nosso silêncio perpetua essa cultura. A nossa inação torna-nos cúmplices”, escreveu Campbell.
Esta não é a primeira vez que a modelo toma uma posição relativamente aos abusos que existem na indústria da moda. Membro ativo da campanha online de Cameron Russell, que pretende aumentar a consciencialização quanto ao assédio de modelos por parte de fotógrafos e outros profissionais da área, Edie Campbell tem partilhado, na sua conta oficial de Instagram, histórias de modelos que passaram por situações abusivas, como se pode ver no post abaixo.
Uma publicação partilhada por Edie Campbell (@ediebcampbell) a
“Vale a pena dizer que não tenho nenhuma experiência, na primeira pessoa, de abuso sexual na moda. (…) tenho sido incrivelmente privilegiada por trabalhar com pessoas tão extraordinárias”, escreveu. Mas esta não é a realidade de todos os modelos. Por vezes, as situações de assédio e abuso sexual são mais recorrentes do que se possa pensar. Tão frequentes que Campbell afirma: “Chega-se a ver isso, simplesmente, como uma parte do trabalho”.
Até porque se torna difícil denunciar uma situação da qual a vítima, na maioria das vezes, sente “vergonha”, mais ainda num mundo onde toda a gente se conhece, numa área onde todos vão saber de tudo. “Na próxima semana estamos a trabalhar numa grande campanha publicitária com todos eles. E sabemos que, quando um dominó cai, todo o nosso lote será derrubado. Uma vez que se começa a apontar os dedos, onde tudo irá parar?”, questiona.
Edie Campbell lembra que apesar de o corpo ser a ferramenta de trabalho de um modelo, isso não significa que quem pague os seus serviços passe a ser o seu dono. “Essa é a descrição do trabalho – seja o mais desejável possível. Mas não significa que ‘estamos a pedi-las’. Como o nosso sucesso e a nossa segurança financeira dependem dos que são mais poderosos do que nós, o desequilíbrio de poder é enorme, e o dever de cuidar do modelo é ainda maior”.
Como colocar um ponto final nos abusos?
Para Edie Campbell a mudança passa sobretudo pelas agências de modelos. É necessário conversar sobre as práticas de trabalho, sobre os conceitos editoriais, incluindo a nudez, “de modo a que os modelos não cheguem ao local e sejam surpreendidos ou pressionados a ter que passar o dia nus”. São os agentes “os responsáveis pelo bem-estar físico e mental dos modelos que representam”, sustenta.
“Se todas as agências, diretores de elenco e estilistas tiverem a mesma abordagem contra aqueles que podem ser abusadores, talvez estejamos mais perto de encontrar uma solução. Para todos os outros: não fiquem em silêncio. A inatividade é cumplicidade”, remata Edie Campbell.
[Imagem de Destaque: Reuters]
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