Erasmus: emoções que ajudam a ter uma carreira internacional

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O programa Erasmus está a celebrar 30 anos. Idealizado por uma mulher, o programa de mobilidade de estudantes universitários tem mudado a vida de muitas outras mulheres, ajudando-as a conseguir emprego, a procurar boas oportunidades no estrangeiro ou até a criar a própria marca. Dá-lhes, sobretudo, capacidade para enfrentar os desafios que enfrentam ao longo da carreira.

Não foi pensado para promover oportunidades laborais, nem mesmo dar acesso a uma melhor qualidade de ensino. A alguns sempre pareceu o projeto político evidente – quanto mais relações pessoais existissem entre os europeus, mais unida seria a Europa. Mas o verdadeiro objetivo sempre foi a “imersão numa cultura diferente” dos jovens, com todos os benefícios que isso pode proporcionar aos estudantes.

Quem o afirma é Sofia Corradi, hoje com 82 anos e conhecida como Mamma Erasmus. Na sequência de uma temporada nos EUA com uma bolsa de estudo, começou a defender intercâmbios europeus em 1959, quando se tornou consultora científica da Conferência de Reitores das Universidades Italianas. Muitos anos depois, em 1987, a Comunidade Económica Europeia subscrevia o “seu” programa de mobilidade de estudantes.

Mesmo sem ser direcionado para a carreira, “as estatísticas dizem que, concluída a licenciatura, um estudante que tenha feito Erasmus encontra emprego em metade do tempo, por comparação com aqueles que não tiveram essa experiência, e que atinge cargos de direção passados dez anos”, revela a Mamma Corradi.

Tais dados incluirão muitas mulheres, que se têm destacado na adesão ao programa: “Em 2014-2015, as bolseiras correspondiam a 61%”, acrescenta. “É um facto que, em vários países, há mais mulheres do que homens nas universidades mas isso é duplamente positivo: além de estarem bem representadas no ensino superior, têm beneficiado muito da grande oportunidade que o Erasmus constitui”.

Experiências portuguesas

A presidente da Moda Lisboa, Eduarda Abbondanza foi coordenadora do programa Erasmus nas áreas de design e design de moda na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa entre 2003 e 2008. A sua missão passava, por exemplo, por encontrar entidades para estabelecer protocolos, “um processo iniciático que tinha as dificuldades inerentes ao desbravar caminho, mas gostei muito desse trabalho”. Foi bem-sucedida, multiplicando as vagas disponíveis.

O Erasmus surgiu com o objetivo de criar uma identidade europeia”, recorda. “O mais importante era a experiência, os estudantes tinham muito tempo para fazer as cadeiras depois. A ideia nunca foi criar emprego, até porque os alunos têm sempre de regressar para acabar os seus cursos.”

No entanto, os estágios – na época disponíveis através do programa Leonardo Da Vinci, depois integrado no Erasmus Mais, em vigor desde 2014 – “são um grande fator de profissionalização e podem promover a empregabilidade. Mas ter uma vivência internacional é sempre bom, tal como falar inglês ou saber trabalhar com programas informáticos, tudo isso hoje contribui para se conseguir emprego”.

Mariana Gaio Alves, hoje professora universitária, fez Erasmus em 1991

Mariana Gaio Alves é um dos casos em que o intercâmbio universitário teve um importante papel no início da sua carreira. Hoje professora na Universidade Nova de Lisboa, era aluna de Sociologia no ISCTE e, com 21 anos, partiu para Pisa, onde estudaria durante por seis meses. Chegou lá em janeiro de 1991 e não no início do ano letivo, exatamente devido aos protocolos estabelecidos que ainda estavam pouco oleados.

“Quando apresentei o CV para integrar um projeto de investigação, a professora que me selecionou valorizou muito positivamente o facto de ter feito Erasmus”

Mariana Gaio Alves prossegue: “Disse que demonstrava que eu tinha uma experiência mais rica e diversificada e que teria capacidade de autonomia, nomeadamente para viajar e participar em congressos e reuniões de investigadores fora de Portugal. Também acho que foi útil na interação com colegas, pois deu-me uma maior sensibilidade às diferenças culturais, e permitiu-me enfrentar mais facilmente os desafios que foram surgindo”.

A experiência de Susana Raposeiro é diferente. Inspirada pela irmã, que tinha feito o intercâmbio, também decidiu estudar no estrangeiro. Era aluna de Comunicação Social na Universidade Católica, em 1999-2000 passou um semestre em Roma mas considera que “na altura, ter feito Erasmus não ajudou. Em Londres, para onde me mudei há um ano, já tem sido valorizado como prova que falo a língua. É que em Itália quem não fala italiano não consegue fazer nada…”

Susana Raposeiro, ao centro, com amigos de Erasmus, em 1999

No entanto, destaca uma grande virtude do programa: “Negociação! Aprende-se a negociar e é preciso fazê-lo com os pais, os professores, os administrativos, até para comer às vezes tínhamos que negociar. E aprende-se que, por muito mal que as coisas estejam, há sempre luz ao fundo do túnel. Tive a pior viagem de Lisboa para Roma, cheguei ao aeroporto encharcada em álcool, pois a hospedeira entornou o carrinho das bebidas em cima de mim, e sem mala, que andou dois dias perdida nos aeroportos. O que parecia o fim do mundo rapidamente passou a não significar nada, põem-se as coisas em perspetiva”.

Mudar de país sem medos

Ter vivido em Itália ajudou Susana a tentar uma alternativa de vida no estrangeiro. “Vim para o Reino Unido à procura de novas oportunidades que não tinha em Portugal e aqui sou valorizada pela minha experiência e financeiramente. Continuo a trabalhar em eventos, comunicação, jornalismo e relações públicas. Ter feito Erasmus ajudou-me a tomar esta decisão porque já sabia que tinha capacidade para me adaptar às dificuldades que pudessem surgir”.

Tal como ela, a italiana Marina Marchetti atribui ao intercâmbio, que fez em Lisboa, o facto de ter procurado emprego fora de Itália.

“O programa tornou a Europa mais próxima, passou a ser mais fácil pôr a hipótese de viver noutro país”.

Foi para Bruxelas para um estágio de três meses, depois conseguiu um contrato de um ano e é lá que ainda reside, duas décadas depois. Trabalha na Comissão Europeia, onde chefia um departamento que se dedica à defesa direitos das mulheres e das crianças nos países em vias de desenvolvimento.

Há também quem faça Erasmus e fique radicado no país de acolhimento. Em 2003, com 21 anos, Viktória Minya trocou Budapeste por Paris para estudar economia, uma escolha familiar mais do que sua pois via-se como cantora, atriz ou fotógrafa. Sempre gostara de perfumes pelo que decidiu prosseguir estudos no Grasse Institute of Perfumery, referência em termos mundiais e, para ela, “um lugar quase religioso”. Depois trabalhou como assistente em várias empresas do setor até que, em 2011, criou a sua própria marca.

Viktoria Minya fez Erasmus em Economia no ano de 2003. Hoje trabalha como perfumista

“Não foi fácil criar o meu perfume em França, país tão importante nesta área, sendo estrangeira e num setor dominado por homens”, diz Viktória, mas a verdade é que, apenas dois anos depois, viria a conquistar vários prémios.

À sua bem sucedida mudança profissional junta-se a pessoal: foi devido ao Erasmus que conheceu o marido – e essa é a sua melhor memória do período como bolseira – e teve, há cinco meses, uma filha. Um dia há de falar-lhe do programa e de como foi positivo:

“Aprende-se muito sobre nós próprios e a ser independente, além de descobrir outras culturas. Sem ter participado no programa até os meus perfumes seriam certamente diferentes”.

Para a finlandesa Tiina Tissari, confiança e coragem foram as maiores conquistas do intercâmbio universitário. Foi para Berlim em 1994, poucos anos após a queda do Muro, quando era uma cidade “avant-garde, muito animada, com várias sub-culturas e cheia de História, totalmente diferente da cidadezinha no Norte da Finlândia onde morava”. Estudou Engenharia e Gestão Industrial e poucos anos depois ocupava lugares de chefia na Nokia e na Microsoft (quando adquiriu a unidade de telemóveis da Nokia), durante 15 anos.

Tiina Tissari, ao centro, com as sócias da Vestiarium

Um dia, a última companhia encerrou a área de negócio e, para manter o emprego, Tiina teria de mudar-se para os EUA. Preferiu tornar-se empreendedora, uma decisão para a qual contribuíram os ensinamentos adquiridos durante Erasmus: “Foi certamente útil ao longo da minha carreira mas, ao contrário do que é comum pensar-se, não de forma direta, por ter tido oportunidades relacionadas com o programa. Ajudou-me porque me fez crescer enquanto pessoa, tornou-me mais confiante, capaz de lidar com novas situações e diferentes tipos de pessoas. E a ser mais corajosa para enfrentar novos desafios.”

O seu atual desafio é o Vestiarium, de que é cofundadora e diretora executiva e que tem por slogan ‘slow fashion for speedy women’. “A minha missão é ajudar as mulheres a vestirem-se bem e de uma forma fácil. Trabalhar na área da moda em si nunca foi um sonho, o meu sonho era colaborar numa empresa onde pudesse fazer a diferença. Neste caso, uma marca focada em dar resposta às necessidades e desejos das clientes – e não dos designers ou das marcas – assim como na sustentabilidade em termos éticos e ecológicos”.

Um instrumento de empreendedorismo social

Yolanda Rueda Fernández não teve oportunidade de usufruir do programa Erasmus enquanto estudante de jornalismo mas usa-o como empreendedora social, atividade que já a fez ser reconhecida como uma das 100 mulheres líderes em Espanha por três vezes, a última em 2016.

Fascinada por tecnologia desde que descobriu a Internet, há mais de 20 anos, trabalhou no mundo digital, apercebendo-se de que os seus benefícios não estavam disponíveis para todos. E, assim, de forma a contribuir para o acesso aos recursos de empoderamento online, em 2001 criou a fundação Cibervoluntarios, uma das 50 entidades que estão a mudar o mundo segundo a Google.org, entidade que apoia organizações sem fins lucrativos. Atualmente, uma rede com mais de 1500 voluntários ajuda todos anos cerca de 20.000 pessoas a descobrir como a tecnologia pode melhorar a sua vida, nomeadamente idosos, migrantes e outros grupos sociais.

 

Yolanda Rueda, à direita em baixo, com alguns dos seus cibervoluntários

Entre os vários projetos consta www.InnovadorasTIC.org, “que tem como objetivo promover e dar visibilidade à capacidade de empreendedorismo e inovação das mulheres através das tecnologias de informação e comunicação, usando exemplos inspiradores e que estão a fazer a diferença nesta área”, explica mentora.

Tratam-se de iniciativas fundamentais mas persiste uma grande necessidade neste âmbito, segundo Yolanda: “que a tecnologia comece a ser feita por mulheres, que elas passem a estar mais representadas em carreiras técnicas. Isso irá certamente gerar muitas mudanças”.

O Erasmus Mais deu à empreendedora social a “oportunidade de realizar múltiplos projetos com instituições de mais de 20 países. Todos esses intercâmbios fizeram-me crescer profissionalmente e como pessoa”, conta. Por exemplo, “conhecer parceiros turcos foi uma das experiências que mais me surpreendeu e daquelas com que mais aprendi em a nível cultural”.

O programa Erasmus não muda apenas vidas, está a mudar a sociedade europeia”, conclui. “Cooperar com pessoas de outros países, raças, com pensamento e cultura muito diferentes permite passar a olhá-las de outra forma, juntar esforços e, sobretudo, eliminar preconceitos, e o que o resto é diversidade, com a qual devemos aprender”.


Teresa Frederico