Francisco Moreira: “Em Portugal ainda não há uma aceitação da pastelaria diferente, com redução de açúcar”

Entra facilmente na lista dos melhores chefs do mundo e trabalha na maior fábrica de chocolate de sempre. Chef pasteleiro, Francisco Moreira é um dos responsáveis pela academia de chocolate da Callebaut. Tem também um programa na televisão por cabo, “Doces do Ofício”, que passa no 24 Kitchen desde o dia 4 de março.

Sendo o chocolate um dos ingredientes mais desejados na Páscoa, falámos com Francisco Moreira, especialista em manusear este delicioso doce e transformá-lo nas receitas mais irresistíveis – pode confirmá-lo na galeria de imagens acima, onde juntámos algumas das suas receitas e na entrevista que se segue.

Francisco Moreira estreou o seu programa ‘Doces do Ofício’, no 24Kitchen’, a 4 de março e afirma que o feedback tem sido “muito positivo”. [Fotografia: DR]
É um dos melhores chefes do mundo e trabalha numa das maiores fábricas de chocolate do mundo também. Como é que começou este amor por este ingrediente?

Na verdade, antes de tudo, começou pela pastelaria. Eu sempre trabalhei e formei-me em cozinha e pastelaria e depois optei pela parte doce, digamos assim. Sempre tive contacto com o chocolate. Por exemplo, quando trabalhei em hotéis, tínhamos que fazer bombons ou outras receitas com este ingrediente. E depois, ao vir para a Bélgica, dediquei-me realmente ao chocolate porque é uma empresa que tem um negócio mesmo disso. Por isso, a paixão começou um bocadinho pela pastelaria em geral e o chocolate apareceu mais tarde.

Era muito guloso quando era mais novo ou a paixão pelo chocolate é maior do que apenas ‘gulodice’?

Nunca fui uma pessoa muito gulosa. Na verdade, vou a restaurantes e nem sequer sou de pedir sobremesas. O chocolate é realmente, e agora ainda mais, que o vou conhecendo um bocadinho melhor, um ingrediente e um produto de que gosto muito e que gosto muito de comer. Mas não vem de criança, veio mais tarde.

A hipótese de trabalhar na fábrica de chocolate em Bruxelas, a maior do mundo, surgiu quando disse, “meio a brincar”, que gostaria de ficar lá a trabalhar. Como é que foi essa experiência e de que forma contribuiu para a sua evolução enquanto chef?

Eu trabalho numa marca minha, que é a Callebaut. E no mesmo complexo, digamos assim, está situada a fábrica. Não trabalho diretamente na fábrica, mas sim na academia que pertence à marca e onde damos cursos, formações, promovemos a marca… Em janeiro de 2016 fui fazer um curso na academia e disse na altura à rapariga que estava a assistir ao curso, que um dia quando ela tivesse que deixar o trabalho dela para me ligar que eu ia. Foi o que acabou, mais ou menos, por acontecer [risos]. Eu estava em Espanha e recebi a notícia de que eles estavam à procura de alguém e pensei: ‘bom, não tenho nada a perder, vou tentar’. Tentei, e a verdade é que mudou tudo. Sempre quis ter novos desafios e procurar coisas novas e tentar sempre ir subindo, digamos assim. Neste momento trabalho numa empresa multinacional, por isso acaba sempre por se fazer tudo de uma forma muito maior, portanto, eu consigo ter acesso a muito mais informação, aprender muito mais, ter contacto com muitos mais chefes que, obviamente, acabam sempre por fazer troca de ideias, e aprender mais com isso, por isso sim, vir aqui para a Bélgica e para a Callebaut foi importante. Foi uma mudança incrível na minha carreira e, sem dúvida, ajudou ainda mais e neste caso também, a especializar-me mais em chocolate. Foi uma mudança tremenda que fez toda a diferença.

Foi no dia 4 de março que estreou o seu programa “Doces do Ofício”, no canal 24 Kitchen. Qual foi o principal objetivo em criar este programa?

O objetivo, também pela parte da FOX [grupo a que pertence o canal], era criar um programa de pastelaria com um chef português, e eu acabei por ser o selecionado – o objetivo era mesmo ter um programa de pastelaria com um chef português. Já o meu objetivo pessoal é não só mostrar um pouco do meu trabalho e dar-me a conhecer às pessoas, mas também promover o que é a pastelaria. Sinto que, infelizmente, em Portugal ainda não há uma aceitação da pastelaria diferente, com redução de açúcar, por exemplo. Os portugueses conhecem mais o ‘típico’, e não há nada de errado nisso, mas isto é uma forma de mostrar outras coisas que também se podem fazer e que as pessoas podem reproduzir, nada é inacessível. Às vezes as pessoas veem coisas bonitas e acham que é difícil fazer e a minha ideia aqui era também desmistificar um bocadinho isso e mostrar que às vezes algo pode parecer complexo mas, na realidade, é uma questão de experimentar e realmente as pessoas depois acabam por perceber que não. E é isso que eu quero para toda a gente.

Como é que tem sido o feedback por parte do público?

O feedback tem sido muito positivo, felizmente. Eu sinto que as pessoas também, de certa forma, arriscam mais a fazer receitas, pelo menos as que veem o programa. Têm tentado em casa, às vezes enviam fotografias das sobremesas que fazem em casa e que são inspiradas nas que eu fiz no programa. Portanto, acho que isso diz quase tudo e acho que não poderia ser melhor.

Há receitas mais saudáveis ou mais compatíveis com dietas para emagrecer e com certas alturas do ano? Ou seja, vê preocupação nas pessoas por comerem chocolate nesta altura e isso prejudicar a linha (e o verão)?

Na verdade, é importante dizer que a pastelaria é doce e que o açúcar em excesso não é bom para a saúde. Nós próprios sabemos disso. É algo que nos podemos dar ao luxo de comer, mas obviamente com cuidado. Sinto que no programa consigo ter um bocado de tudo: receitas com menos açúcar, outras mais frescas, outras para dias mais quentes, portanto, comidas mais aconchegantes… Tentei reunir o máximo que consegui e tentei abranger várias alturas do ano e vários gostos. E até várias intolerâncias. Tentei abranger o máximo possível.

Se tivesse que desmistificar três coisas sobre o chocolate, quais seriam?
Primeiro, o chocolate não se deve derreter em banho-maria. O chocolate tem gordura, que é a manteiga e o cacau, e portanto a gordura, como todas a gorduras, absorve aromas e absorve tudo o que está à sua volta. Havendo vapor de água, a água vai acabar por contaminar, digamos assim, o chocolate. E o chocolate e a água não são os melhores amigos, portanto não os devemos misturar. Segundo, quando se derrete o chocolate, no micro-ondas que é o que a maioria das pessoas faz, e não deveria fazer, não se deve colocá-lo lá dentro um minuto e meio e depois esquecermo-nos lá dele, é importante ir derretendo pouco a pouco. Isso é muito importante. E, em terceiro, explicar porque se diz que o chocolate de, por exemplo, 80% é melhor do que um 50%. Basicamente é porque o chocolate é cacau e o restante é açúcar, portanto é verdade que um chocolate 80% é melhor para a saúde, mas é melhor só porque tem menos açúcar.

Na Páscoa, o chocolate é tradição. Existe alguma receita de ovos da Páscoa que possa dar aos nossos leitores?

Os ovos da Páscoa correspondem mais ao processo de esculpir do que propriamente a uma receita, porque, na verdade, é chocolate puro, não se adiciona nada ao chocolate. Trabalha-se, sim, o chocolate de uma forma específica para que fique do formato do ovo. E isso acaba por ser um bocado mais complicado para as pessoas fazerem lá em casa. Nós temos várias receitas que podem ser feitas na Páscoa e que estão diretamente relacionadas com o chocolate, mas os ovos acabam por ser algo muito específico. Para fazer em casa é preciso trabalhar o chocolate de uma certa forma que, infelizmente, não se consegue explicar assim tão rápido.

Que sonhos e projetos futuros ainda tem por realizar?

O ‘Doces do Ofício’ foi algo que nunca pensei que me acontecesse. E tem sido, como disse, muito bom e positivo para mim. Depois disto, um livro. Um livro de pastelaria seria, sem dúvida, algo que gostava muito de fazer.

 

O bolo de chocolate que vai querer na sua mesa de Páscoa