Maternidade de substituição deveria “merecer muita compaixão e solidariedade”

Desespero por uma barriga de aluguer
Desespero por uma barriga de aluguer

O presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) considera que ainda são muitas as resistências à gestação de substituição, quando a sociedade devia era ter “compaixão” e “solidariedade” pelas mulheres que, por motivos clínicos, não podem engravidar.

Eurico Reis disse, em entrevista à agência Lusa, não compreender a razão por que a gestação de substituição – vulgarmente conhecida como “barriga de aluguer” – congrega tantas atenções e críticas, uma vez que esta “continua a ter como paradigma a doença”.

“Eu tenho que aceitar que há pessoas para quem tudo isto faça muita confusão e que estejam a agir por perturbação genuína. Estas pessoas estão perturbadas desde a pílula“, disse.

Eurico Reis, presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida [Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens]

“A pílula começou logo com a possibilidade de haver sexo que não se traduz em filhos. A Procriação Medicamente Assistida (PMA) é a possibilidade de ter filhos sem haver sexo”, referiu, afirmando aceitar que “há pessoas perturbadas e que querem defender o seu modelo de vida”.

Sobre estas, disse: “Nada tenho contra, desde que entrem no jogo democrático, eu aceito. Já me aborrece pessoas que não têm coragem de dizer abertamente que são contra e que depois utilizam todo o tipo de subterfúgios para atrasar as coisas“.

Para o presidente do CNPMA, a quem cabe decidir sobre os pedidos de gestação de substituição em Portugal, a lei que em 2016 veio alargar o acesso das técnicas de PMA aos casais de lésbicas e às mulheres sem parceira ou parceiro, que até então era só para casos de infertilidade, “constitui uma rutura muito mais forte do modelo de família dito tradicional (um homem, mulher e criancinhas) do que a gestação de substituição”.

PMA e a rutura com a família tradicional

O juiz desembargador recordou que as técnicas de PMA “continuam a ser um tratamento de uma doença, mas passou a ser um procedimento para pessoas que não são doentes“, explicou.

“Acho que é extremamente engraçado – e digo isto porque me choca profundamente – que não tenha havido veto [presidencial], que a igreja católica não tenha dito uma palavra sobre este alargamento das técnicas, que altera o paradigma da PMA e da família tradicional, de uma forma extremamente radical, e toda a gente se esteja a concentrar na gestação de substituição, que é uma situação que deveria merecer muita compaixão e muita solidariedade“, afirmou.

“Há mulheres que nascem sem útero, que perdem o útero, que correm risco de vida se engravidarem e não estou a ver tanta compaixão, tanta fraternidade, tanta solidariedade como eu gostaria“, acrescentou.

Dois requerimentos para “barrigas de aluguer” e 99 pedidos de informação

Ao CNPMA chegaram, até ao momento, 99 intenções de celebração do contrato de gestação de substituição, das quais 58 de portugueses e 41 de estrangeiros.

O primeiro requerimento, que foi liminarmente admitido pelo CNPMA e que já mereceu o parecer favorável da Ordem dos Médicos, refere-se a um casal em que a mulher teve de retirar o útero por motivos de saúde, mas a sua mãe está disposta a gerar o neto.

Segundo Eurico Reis, deu entrada um outro requerimento de um casal, a quem foi solicitada mais documentação. Leia mais sobre este caso aqui.

Contrato-tipo ainda não está definido

O CNPMA ainda não elaborou o contrato-tipo, que terá de ser assinado entre o casal e a gestante de substituição, o que aflige o juiz e causa “problemas de consciência”. “Sei que isso implica atrasos e como a natureza é muito mazinha, quanto mais tempo passa, menor é a possibilidade de crianças nascerem”, adiantou.

Para o presidente do CNPMA, “a alternativa não é haver gestação de substituição ou não haver gestação de substituição. O desejo de ter filhos é um desejo extremamente forte, profundo. As pessoas vão correr todos os riscos“.


A amamentação: como fica estabelecida em caso de “barriga de aluguer” e como evitar “desigualdades inaceitáveis”


A alternativa, defendeu Eurico Reis, é “haver uma gestação de substituição saudável, limpa, em cima da mesa, com garantias de segurança para as pessoas e as crianças que hão de nascer, ou a gestação de substituição ilegal, feita em sítios escondidos, sem garantias de qualidade para a saúde das pessoas, sem garantias de rastreabilidade para a prevenção de doenças futuras e, pior que isso, colocando as pessoas que têm esse desejo de parentalidade nas mãos de traficantes, de criminosos, de pessoas que lucram com a miséria alheia”.

“Entre estas duas alternativas, acho que uma pessoa decente não hesita nem um microssegundo. A solução que em Portugal foi possível encontrar é uma boa solução”, concluiu.

Ordem dos Médicos dá parecer favorável a primeiro pedido

O primeiro pedido de gestação de substituição em Portugal recebeu o parecer favorável, não vinculativo, da Ordem dos Médicos. O anúncio foi feito esta terça-feira, 14 de novembro, pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.

O parecer positivo foi dado pela subespecialidade de medicina de reprodução da Ordem dos Médicos e homologado pelo Conselho Nacional executivo desta entidade. A Ordem dos Médicos dispunha de 60 dias para o fazer, solicitado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) após ter admitido liminarmente um pedido de gestação de substituição.

Apesar do seu caráter não ser vinculativo, este documento é um dos passos previstos na regulamentação da gestação de substituição, publicada em Diário da República a 31 de julho deste ano. O passo seguinte é a assinatura de um contrato, cujo modelo ainda não foi aprovado pelo CNPMA.

O caso que foi liminarmente admitido pelo CNPMA e que mereceu agora o parecer favorável da Ordem dos Médicos refere-se a um casal em que a mulher teve de retirar o útero por motivos de saúde, mas a sua mãe está disposta a gerar o neto.

O recurso à gestação de substituição só é possível a título excecional e com natureza gratuita, nos casos de ausência de útero e de lesão ou doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez da mulher ou em situações clínicas que o justifiquem, segundo a lei em vigor.

CB com Lusa

Imagem de destaque: Shutterstock