Guia para educar um filho não machista quando se vive mergulhada… no machismo

pexels-olia-danilevich-5088180
[Fotografia: Pexels/ Olia Danilevich]

Educar um filho nunca é, ou não devia ser, apenas tarefa de uma mulher. E se está enraizado que lhes cabe a elas maioritariamente esse papel, também é frequente atirar-lhas todas as culpas quando algo não corre tão bem.

Mas como podem as mulheres ser agentes desta educação antimachista quando, não raras, vezes, vivem mergulhadas e são vítimas dessa prática dentro e fora de casa? Pior, como podem ensinar uma criança que todos os dias se arrisca a conviver com o exemplo contrário?

Numa altura em que se fala que mães e pais têm iguais responsabilidades em ações machistas dos filhos e a educar e a fazer crescer um descendente antimachista, a verdade é que os dois progenitores não partem do mesmo patamar. Elas, as mães, começam sempre uns metros mais atrás e ainda estão em luta pela igualdade ao mesmo tempo que procuram educar o futuro.

Por isso, a Delas.pt perguntou a duas psicólogas o que podem as mães e os pais fazer para interromper o ciclo secular do machismo sobre as mulheres, mesmo quando elas estão subjugadas a esta batalha. Porque, sublinhe-se, o fim do machismo interessa a todos, literalmente todos.

“Na maioria das relações familiares, por uma questão cultural, são as mães as maiores responsáveis, nomeadamente por estarem maioritariamente mais presentes na convivência com os filhos. Isso leva muitas vezes à suposição de que sempre que uma criança se torna um adulto problemático, a culpa é das mães. Sendo também, por essa lógica, culpadas pelo machismo”, considera Teresa Feijão.

Psicóloga e coaching psicológica Teresa Feijão [Fotografia: DR]

A psicóloga e coach psicológica lembra que é imperativo “desconstruir o comportamento machista das crianças” e que tal não seja “tarefa apenas das mães”.

Por isso, prossegue, o papel do progenitor vai muito mais além do que “conversar e mostrar que os filhos e filhas podem ser quem quiserem”. “O pai deve dar o exemplo, começando por promover com a sua esposa uma relação de amor, respeito, parceria, cumplicidade e divisão de tarefas tanto domésticas como de cuidados com os filhos, de forma equilibrada. A vivência desse tipo de relação entre o casal faz com que se construa nos filhos uma relação não machista no contexto familiar”, acrescenta.

“Educar pelo exemplo é talvez o ponto mais fundamental”, concorda Catarina Lucas.

Psicóloga clínica e terapeuta familiar Catarina Lucas [Fotografia: DR]
A psicóloga clínica e também terapeuta de casal reforça que “tudo começa dentro de casa, pelo que é necessário que, numa relação, a mulher consiga impor os seus princípios e ideais logo desde o início, e não deixar que o homem se acostume a que seja sempre ela a fazer tudo, ou certas tarefas domésticas, por exemplo”.

Nas famílias monoparentais, Teresa Feijão, vinca que, no caso em que “a criança cresce sem a referência masculina no seio familiar, compete então a essas mães, com o apoio da sociedade, apostar numa educação baseada em premissas” que podem ser lidas abaixo.

Emoções:

É frequente os filhos rapazes serem lembrados que não podem chorar ou que não é aconselhável mostrar emoções. “No pensamento machista, chorar está ligado a fraqueza e fragilidade, por isso “os homens não choram”. É importante educar no sentido de esclarecer que o choro é um mecanismo natural do organismo para expressar emoções variadas, válido para qualquer ser humano, homem ou mulher”, explica Teresa Feijão.

Catarina Lucas afina pelo mesmo diapasão. “Os pais devem, desde o início, desconstruir as tais crenças sem fundamento que fizeram os homens acreditar que não podem expressar emoções e que ser sentimental é só coisa de ‘mulheres’”, devendo também “ensinar que o respeito por todas as pessoas, independentemente do género, deve ser praticado”. “Pais devem evitar, ainda para mais nos dias de hoje, o uso de expressões específicas, como “chorar é para meninas”, “o lugar das mulheres é na cozinha” ou “não sejas maricas”, enumera.

Exemplo:

“Mais do que pelas palavras, o exemplo”, pede Catarina Lucas, porque “muitas vezes, os filhos aprendem e imitam as ideias e as ações estereotipadas”. Teresa Feijão alerta igualmente para essa realidade. “As crianças tendem a repetir comportamentos, nomeadamente a adotar, como referência, os que observam em casa”. “Compete assim aos pais e/ou elementos familiares próximos, manifestar a importância do respeito pelas mulheres da mesma forma que pelos homens, distribuição da responsabilidade das tarefas domésticas pelas pessoas da casa e alimentar conversas sobre emoções e expressão emocional”, afirma a psicóloga e coach psicológica.

Para a terapeuta de casal e psicóloga clínica, é preciso “desconstruir a ideia de que existem tarefas de homens ou de mulheres, incentivando os filhos a desempenhar todo e qualquer tipo de tarefas. Tal como desmistificar a ideia de que não há profissões só para homens ou só para mulheres, e sim que cada um deve optar e trabalhar naquilo que mais se identificar independentemente do género prevalecente”, refere.

Não limitar brincadeiras:

“Controlar as brincadeiras, em termos de género, etnias, ritmos e energia pode gerar frustrações e revoltas na criança, assim como condicionar a forma como lida com o sexo oposto e com o próprio e como vive os seus relacionamentos interpessoais no futuro. A criança deve ser livre para se divertir da maneira que pretende, desde que isso não a coloque em perigo”, pede Teresa Feijão.

Incentivar a expressividade emocional:

“É importante terminar com o pressuposto de que os homens são tanto mais fortes quanto menos mostrarem as suas fragilidades e emoções e que as mulheres são naturalmente frágeis e emotivas”, reclama a coach psicológica. Por isso, “há que incentivar também os meninos a falar sobre as suas emoções e a expressar o que sentem, de bom ou menos bom, seja por meio de desenhos e pinturas ou por meio de uma conversa transparente e sincera. Reforçar um ambiente de confiança para uma abertura à comunicação e partilha, leva também a educar homens que sabem escutar e não apenas ouvir e assumir a sua opinião como superior e sempre certa. Esta premissa conduz mais facilmente a relações de reciprocidade e menos de superioridade.”

“Promover o afeto e a partilha entre os géneros também é fundamental, no sentido de os filhos serem educados, logo desde pequenos, a “tratar bem” tanto os amigos do mesmo género, como do género oposto”, recomenda a psicóloga clínica e terapeuta de casal.

Dar carinho e afeto:

Para Teresa Feijão, “quem não recebe, não sabe dar”. Vinca, por isso, a necessidade de “normalizar um beijinho, um abraço, um ato de carinho como formas naturais e espontâneas de mostrar amor e afeto é educar meninas e meninos sensíveis, empáticos e livres de carências afetivas e revoltas emocionais”.

Abolir a violência verbal e física:

“É crucial investir num ambiente livre de violência e quebrar a associação da força física e masculinidade. A referência para resolução de problemas e conflitos deverá passar sempre pela comunicação, respeito, bom senso e partilha de opiniões”, conclui a psicóloga e coach psicológica.