A astronauta veterana e comandante da Marinha dos Estados Unidos da América, de 59 anos, confessa ter sentido algumas dificuldades no acesso à igualdade na carreira e acredita que “a realização de passeios espaciais é mais difícil para as mulheres devido aos fatos” específicos para o efeito.
A engenheira recorda o período de treino a que foi submetida na agência espacial e descreve-o como um percurso moroso porque, “sendo as mulheres geralmente mais baixas que os homens, é muito mais difícil trabalhar dentro do fato espacial”.
Mas esta não foi a primeira vez que ser mulher lhe impôs alguns constrangimentos físicos nas funções que desempenhava. Antes de se dedicar à vida em órbita, Heidemarie Stefanyshyn-Piper foi mergulhadora da Marinha norte-americana e conta ao Delas.pt que “não existem parâmetros e requisitos físicos diferentes para homens e para mulheres”. Continua e revela que “todos os mergulhadores da Marinha têm os mesmos testes físicos e os mesmos requisitos mínimos para os tempos de corrida, os tempos de natação e exercício físico”, evidenciando assim que as mulheres podem sentir dificuldades físicas mais abruptas no acesso a carreiras militares.
No entanto, as contrariedades que lhe foram impostas não mancharam a imagem que guarda destas instituições e a astronauta garante que nunca viu a NASA ou a Marinha norte-americana de maneira diferente por isso. “Todos temos passados e experiências diferentes que afetam a maneira como pensamos e decidimos. O meu estilo de liderança era diferente dos outros”.
E quando questionada sobre se a sua condição de mulher lhe moldou as perceções na carreira, a resposta é clara e contundente: “Ser uma mulher é apenas uma parte daquilo que eu sou.”
Pela educação das mulheres
Desde que se reformou, muito do seu tempo tem sido ocupado a falar com estudantes em universidades e é convidada habitual para falar em observatórios e conferências relacionadas com a temática espacial. Nesta nova fase da sua vida, lamenta assistir a muitas raparigas serem desencorajadas de estudar matérias com teor mais técnico. Engenheira de formação, Heidemarie faz o esforço para contrariar esta tendência e explica que tem “a oportunidade de visitar muitas escolas e encorajo muitas raparigas a estudar ciências matemáticas e engenharia”. Avança ainda que não nutriu o gosto pelas engenharias desde cedo e que apenas se dedicou à área depois de frequentar vários seminários que a expuseram às ciências e defende a continuidade desses programas.
Esse foi, aliás, um dos motivos que a trouxe, em julho, até território nacional. Heidemarie Stefanyshyn-Piper discursou no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, mas também no Porto e falou sobre as experiências que viveu em órbita, diante de uma plateia multigeracional.
Em Portugal, é possível vermos cada vez mais iniciativas semelhantes serem postas em prática, quer seja no âmbito académico das escolas, quer seja em parcerias estabelecidas com universidades.
Mais do que a mera formação feminina, a questão de representação das mulheres dentro de vários setores de atividade, em particular nas agências espaciais, deve ser debatida. Ao Delas.pt, a veterana do Minnesota, contabilizou os 20% (em média) de representação feminina na indústria aeroespacial e constata que esses valores “espelham a percentagem de mulheres que frequentam os cursos” mais vocacionados para áreas científicas (Ciências, Engenharia e Matemática).
Finalmente, Heidemarie Stefanyshyn-Piper congratulou a agência espacial dos Estados Unidos da América, cuja última turma de astronautas era composta de 7 homens e 5 mulheres, mais um passo para a igualdade de representação.
O insólito saco de ferramentas
A astronauta protagonizou um dos episódios mais insólitos no espaço quando largou (sem querer, naturalmente) um saco de ferramentas que até hoje circula em órbita.
O deslize aconteceu numa das suas primeiras missões fora da Estação Espacial Internacional, enquanto Heidemarie Stefanyshyn-Piper estava numa operação de limpeza e engorduramento de uma dobradiça, depois de perceber que umas das pistolas que utilizava para esse efeito ficou suja com gordura.
Enquanto tentava debelar o incidente, esqueceu-se de prender o saco de ferramentas que trazia, algo que todos os astronautas são treinados para fazer em caso de missões exteriores.
Sem que o pudesse impedir, o saco começou lentamente a escapar em direção à escuridão do espaço. Um episódio que ficou registado e que até hoje atormenta, em jeito de brincadeira, a reputação da engenheira.
Engenheira, mergulhadora, astronauta
Heidemarie Stefanyshyn-Piper, de 59 anos, iniciou o seu primeiro treino espacial em 1996 e passou dois anos no Centro Espacial Lyndon B. Johnson, no Houston, Texas, onde treinou intensivamente até poder finalmente receber a categoria de especialista de missão.
Diferentemente de outras categorias, como pilotos ou engenheiros de voo, um especialista de missão viaja até ao espaço num vaivém espacial e as suas funções restringem-se a montagens, testes, arranjos e experiências com cargas elevadas. Apesar disso, realizam igualmente passeios espaciais e para isso o treino tem de ser transversal a todas as funções.