Instinto de proteção da crias: as aves são iguais a nós!

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Quando os rebentos choram a meio da noite quem se levanta, o pai ou a mãe? Vai ao berço quem estiver menos cansado? Fazem turnos ou vai quem acorda primeiro? Há acordo prévio, uma escala? Não parece haver apenas uma solução ideal para uma missão que pode ter repercussões no bom funcionamento do casal.

Com as aves dá-se o mesmo. Um artigo publicado em novembro pela revista Nature garante que a incubação dos ovos não se rege apenas pelos custos energéticos dos membros do casal mas, tal como nos humanos, por estratégias diversas de ambos com apenas uma função: proteger as crias.


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Esta é a maior investigação de sempre sobre o tema e os até agora desconhecidos padrões de incubação nas aves limícolas – espécies que vivem em redor do planeta em zonas húmidas costeiras, como estuários e lagoas. Melhor: foi assinada pelo biólogo José Alves, investigador do Departamento de Biologia e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, entre outros 75 investigadores pertencentes a 68 organizações de todo o mundo.

Voltar ao ninho é bom

Os cientistas ao longo dos últimos anos fizeram uma recolha de vários parâmetros – nomeadamente, quanto tempo incuba de forma contínua cada membro do casal, com que frequência há trocas entre eles – ao nível global, para um total de 729 ninhos de 91 populações pertencentes a 32 espécies.

José Alves, o único investigador nacional a participar no estudo, registou na Islândia, durante os verões de 2013, 2014 e 2015, a atividade parental em mais de 30 ninhos de sete espécies: o pilrito-comum, a perna-vermelha, o milherango, o maçarico-galego, o borrelho-grande-de-coleira, a tarambola-dourada e o ostraceiro.

São espécies que migram da Islândia após a época de nidificação, que ocorre durante o verão, para se refugiarem em Portugal do frio do inverno ártico. Nalguns casos, como entre os milherangos, o mesmo indivíduo foi estudado na Islândia e em Portugal.

A diversidade dos padrões entre espécies, e até dentro da mesma espécie, é de tal ordem que algumas trocam entre membros do casal, em média, a cada hora e outras chegam a fazer de forma rotineira turnos contínuos de 19 horas (sendo o caso mais extremo registado de 50 horas). Será uma lição para alguns dos pais humanos do sexo masculino?

Os pais sabem quando proteger

Em espécies que se baseiam na camuflagem (por exemplo, o maçarico-galego ou o milherango), cada membro do casal realiza longos períodos de incubação de forma a reduzir as trocas entre macho e fêmea e assim diminuir a atividade na proximidade do ninho para não revelar a sua localização a potenciais predadores.

De forma inversa, espécies que não camuflam o ninho e que perseguem predadores para os afastar (por exemplo, o ostraceiro ou o borrelho-grande-de-coleira), fazem trocas constantes, tendo por isso períodos individuais de incubação mais curtos.

Finalmente, o estudo permitiu também indicar que os ritmos circadianos (criados pelos ciclos de dia e noite em períodos de 24 horas) são pouco comuns nos padrões de incubação de espécies limícolas que se reproduzem a altas latitudes. E, salvo as respetivas diferenças, quem sabe quando é noite ou dia quando “a cria”não para de chorar durante semanas seguidas?

Aliás, a maior distinção entre as diferentes espécies, segundo José Alves, “é o risco de predação, que parece ser um fator determinante na evolução dos padrões de cuidados parentais nas aves”.

Assim, da próxima vez que tenha de levantar-se a meio da noite para dar de mamar ou acarinhar o seu pequeno, lembre-se que pelo menos não tem que se preocupar com uma águia em voo picado!