Kamala Harris de branco pelas sufragistas, pela comunidade negra e contra o assédio sexual

President-elect Biden victory speech
[Fotografia: EPA/JIM LO SCALZO]

Subiu ao palco este sábado, 7 de novembro, em Delaware, para um discurso de vitória e fê-lo integralmente vestida de branco. Kamala Harris, 55 anos, que acabou de se tornar na primeira mulher afro-americana e asiática a assumir o segundo mais alto cargo da administração norte-americana, o de vice-presidente. A opção em ter ido integralmente de branco não alude a uma, mas antes a três mensagens e todas dizem respeito às mulheres.

Uma escolha que é vista como uma homenagem às sufragistas que, no início do século XX, se vestiam integralmente daquela cor para protestar pelo direito de voto e que agora, um centenário depois, vê assinalado esse momento de conquista nos EUA. E se o coordenado escolhido não fosse integralmente percebido como tal, a eleita lembrou, no discurso, o legado que emergiu da aprovação da 19º emenda, que permitiu às mulheres participarem nos sufrágios.

Uma opção, que no caso terá recaído sobre um tailleur da designer Carolina Herrrera, e que faz eco das mais recentes lutas femininas nos Estados Unidos da América. Entre elas, elenco a imprensa, a que foi usada no Congresso das Mulheres Democratas em 2018, que escolheram usar branco no Discurso do Estado da União. Também Hillary Clinton, candidata derrotada das eleições de 2016 face a Donald Trump, tinha tomado opção semelhante quando se tornou na primeira mulher a ser nomeada à corrida presidencial pelos democratas, ainda naquele ano.

Mas há outras leituras que decorrem desta escolha de Kamala Harris. A historiadora de moda e escritora Shelby Ivey Christie lembrou que “a imagem monocromática é uma das marcas de celebração da comunidade negra”, uma raiz à qual também a nova vice-presidente dos Estados Unidos da América responde.

Kamala e a mensagem contra o assédio sexual

E se o fato calça-casaco não fosse já uma mensagem por si só, Kamala foi mais além e demonstrou, com todos o sinais que pôde emitir, as missivas que queria enviar e a quem. Segundo a revista InStyle, a escolha de uma blusa de seda com laçada no pescoço é tudo menos um detalhe.

Recorde-se que este tipo de peça tornou-se viral quando Melania Trump fez escolha semelhante na sequência da célebre frase do marido, Donald Trump, dita em 2005 e na qual ironizava e respondia a acusações de agressão sexual com a frase “agarrar as mulheres pela vagina” (“grab them by the pussy”). Desde esse momento que as mulheres assimilaram este detalhe como mensagem de protesto e para lutar contra o assédio.

A primeira mulher no cargo e não a última

Num discurso de vitória emotivo, a nova vice-Presidente eleita dos Estados Unidos, Kamala Harris, lembrou: “Embora possa ser a primeira mulher neste cargo, não serei a última. Porque cada menina que nos vê esta noite, vê que este é um país de possibilidades”, disse, em Wilmington, Delaware.

Harris garantiu que não teria chegado a este momento sem aquelas ativistas e sem os milhões de norte-americanas que votaram nas presidenciais de 3 de novembro. A vice-Presidente eleita prestou também homenagem a “gerações de mulheres, negras, asiáticas, brancas, latinas e nativas norte-americanas que, ao longo de toda a história, abriram caminho para o momento desta noite”.

“Mulheres que lutaram e tanto sacrificaram pela igualdade, a liberdade e a justiça para todos, incluindo mulheres negras, com as quais frequentemente não se conta, mas que frequentemente demonstram ser a coluna vertebral da nossa democracia”, sublinhou.

Harris dirigiu-se também às crianças dos Estados Unidos, independentemente do género: “Sonhem com ambição, liderem com convicção e atrevam-se a olharem para vós próprios de uma forma como os outros nunca vos viram, simplesmente porque nunca o viram antes”.

A ainda senadora democrata pelo estado da Califórnia proferiu o discurso antes da intervenção do Presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, a quem agradeceu por ter “tido a audácia” de “escolher uma mulher como vice-Presidente”. “Tentarei ser a vice-Presidente que Joe Biden foi para o Presidente [Barack] Obama: leal, honesta e preparada, e acordar todos os dias a pensar em vós e nas vossas famílias“, garantiu.

Harris comprometeu-se a trabalhar “para salvar vidas e derrotar a pandemia” de Covid-19, para reconstruir a economia e combater a crise climática e para “eliminar a raiz do racismo sistémico no sistema de Justiça e na sociedade” norte-americana, razão dos protestos deste ano nos Estados Unidos.

No início da intervenção, Kamala Harris citou o líder do movimento dos direitos cívicos John Lewis, que morreu este ano: “A democracia não é um estado, é um ato”, usando esta citação para refletir sobre “a luta e o sacrifício” que implicam proteger esta forma de Governo.

Joe Biden foi anunciado, no sábado, como vencedor das eleições presidenciais de 3 de novembro, de acordo com projeções dos ‘media’ norte-americanos, que apontam um total de 290 “grandes eleitores” do Colégio Eleitoral para Biden, derrotando o candidato republicano e atual Presidente Donald Trump. A tomada de posse do 46.º Presidente dos Estados Unidos está marcada para 20 de janeiro de 2021.