Colo vazio. Mães que sofreram perda gestacional querem ajudar outras

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[Fotografia: Pexels/Olha Ruskykh]

Duas mães que passaram por uma perda gestacional e neonatal lançaram um projeto para apoiar outras mulheres que, pelas mesmas circunstâncias, ficaram sem colo para dar e sensibilizar as famílias, bem como os profissionais de saúde.

“Ser mãe é mais do que dar à luz, ser mãe é amar mesmo de colo vazio”, afirmou Suzy Pinho Pereira, especialista em psicologia da gravidez e parentalidade positiva, destacando ser esta a frase que retrata as mães que passam por perdas gestacionais e neonatais.

A psicóloga, também formada em luto, integra o projeto Amor para além da Lua e à Lusa destacou a importância de se abordar um tema que, segundo estima a Organização Mundial de Saúde (OMS) afeta anualmente 43 milhões de mulheres, mas que em Portugal “ainda é tabu”.

“Perante a sociedade, um bebé que não chega a nascer não é bebé, não existiu. Mas então, porque é que a mulher sofre tanto? Quando uma mulher diz que está a sofrer porque perdeu o bebé, por vezes, ouve coisas como, ‘mas ainda não era bebé’ ou ‘daqui a nada tens outro, não há problema’. Independente do número de semanas de gestação, é uma perda”, notou.

A atriz Matilde Breyner, de 39 anos, tem sido uma das vozes mais ativas de consciencialização para esta realidade. Grávida de uma segunda menina, falou recentemente sobre a perda gestacional e o colo vazio.

“Cada dia que passa vou-me agarrando mais à ideia de que vamos ter a nossa filha nos braços. E a cada dia que passa isso torna-se mais real. Cada consulta é uma etapa ganha”, escreveu no Instagram. Respostas que vai procurando dar a muitos dos que perguntam como “se vive uma gravidez depois de uma perda”. “Ainda não tenho resposta”, acrescentou.

“Demorei algum tempo a conseguir gozar desta gravidez, em criar uma relação com o bebé e aceitar que sim, está tudo a correr bem, que posso sonhar com o dia em que ela vai nascer”, detalhou a atriz, referindo que “não há um dia que passe que não” se lembre da “primeira filha”, Zoe, gestação que teve de ser interrompida aos seis meses, em julho de 2022.

É impossível não fazer comparações entre as gravidezes, não há um único dia que não pense nela. Quando anunciámos que eu estava novamente grávida, em quase tudo o que se escreveu, diziam que estávamos à espera do primeiro filho. Custa tanto ler isto. Custa mesmo muito. Acho que isso é o reflexo de como a perda gestacional ainda é um assunto que precisa ser explorado e desmistificado”, alertou e pediu Matilde Breyner, lembrando a dor do “colo vazio” de tantas outras mães e pais. “Acho que a maioria dos pais de colo vazio partilham da mesma opinião, eu gosto que me perguntem coisas sobre a Zoe, gosto de falar dela, tenho saudades dela… porque os nossos filhos existiram”, sublinhou.

Uma em cada quatro gravidezes não passa das quatro semanas

Retirar “a culpa” que as mães sentem pela perda é a principal missão da especialista, assim como auxiliar no processo de luto.

Uma em cada quatro gravidezes não passa das quatro semanas de gestação e as mulheres não são preparadas para tal“, confessou, dizendo ser preciso “desmistificar que uma gravidez nem sempre corre bem”.

Foi com o propósito de ajudar as mães que passam por uma perda gestacional e neonatal que, em fevereiro de 2021, Renata Silva e Cláudia Caetano criaram o projeto ‘Amor para além da Lua’. Também elas passaram por esta perda.

“A única hipótese que me foi dada foi se queria ver o meu bebé. Perante aquela pergunta, optei por não ver. Achei que não ia aguentar, mas ninguém me disse que podia ter sido tirada uma fotografia, ou as impressões do pé ou da mão, ou guardar um bocadinho de cabelo. Havia várias hipóteses, mas única coisa que tenho do meu filho são ecografias”, contou à Lusa Renata Silva.

A falta de informação em Portugal sobre a morte de um bebé ‘in utero’ ou a interrupção médica da gravidez levaram-nas a lançar uma plataforma com toda a informação sobre o “antes, durante e depois da perda”, que se debruça não só sobre os direitos, mas também sobre as memórias que as mães e pais podem guardar.

“Houve um casal que chegou até nós que me deixou muito sensibilizada porque, ao contrário de mim, a mãe já tinha lido a informação na nossa página, foi preparada e guardou memórias”, adiantou.

A importância de recordar o bebé levou-as as criar “caixas de memórias”, compostas por peluches, velas, mantas, certificado de vida, uma moldura, uma folha para guardar as impressões das mãos e dos pés do bebe, mas também um folheto informativo sobre a perda.

“Lançamos uma campanha de ‘crowdfunding’, sendo que o objetivo é oferecer as caixinhas a custo zero às maternidades e hospitais que assim o queiram”, esclareceu Renata, adiantando que algumas instituições de saúde da região Norte já demonstraram interesse.

Além da partilha de informação e de ciclos de partilha, o projeto ‘Amor para além da Lua’ pretende também sensibilizar as famílias, amigos, assim como os profissionais de saúde.

“Os próprios profissionais de saúde também querem melhorar, mas é preciso sensibilização e formação mais ampla a nível nacional”, acrescentou Renata Silva.

Apesar de três meses após uma perda gestacional a maioria das mulheres ficarem aptas fisicamente a engravidar, nem todas ficam aptas psicologicamente, alertou Suzy Pinho Pereira. “Nunca conheci nenhuma mãe que ao fim de três meses estava apta a nível psicológico depois de uma perda e é importante explicarmos-lhes que está tudo bem em não estar bem”, acrescentou a especialista, em vespéra de se assinalar o Dia Internacional da Consciencialização da Perda Gestacional e Morte Neonatal.

com LUSA