Morreu Maryse Condé. Escritora da “selvajaria do colonialismo” tinha 90 anos

maryse Condé
[Fotografia: Instagram/Maryse Condé]

A escritora francesa, natural de Guadalupe, Maryse Condé morreu durante a noite de segunda para terça-feira, aos 90 anos, confirmou à agência francesa AFP o marido, Richard Philcox.

A autora, nascida na ilha caribenha de Guadalupe em 1934, deixa “uma obra magistral”, como a define o jornal Le Monde, lembrando que foi premiada, em 2018, com o prémio alternativo ao Nobel da Literatura, atribuído como protesto contra a organização daquele galardão (que não foi atribuído em 2018) na sequência de um escândalo de abuso sexual e de crimes financeiros.

Na altura, o júri desse prémio alternativo ao Nobel classificou-a como uma “grande contadora de histórias”, que pertence à literatura mundial, sublinhando as suas descrições “da selvajaria do colonialismo e do caos pós-colonial numa linguagem que é, ao mesmo tempo, precisa e avassaladora”.

Professora na Guiné, no Gana e no Senegal durante a década de 1960, completou mestrado e doutoramento na Sorbonne, em Paris, e fundou e dirigiu, em Nova Iorque, o Centro de Estudos Francófonos da Universidade de Colúmbia.

Até ao fim da adolescência, dizia não se ter apercebido de que era negra, pois nunca tinha ouvido falar de escravatura nem de África. Em sua casa a mãe não permitia o uso do crioulo, em favor do francês. O Libération define-a hoje como a “pluma do orgulho negro”.

Aos 19 anos, estudante no Liceu Fénelon, em Paris, toma consciência da cor da pele e cruza-se com Aimé Césaire (1913-2008), que lhe abre os olhos, nas palavras do obituário da AFP, citando-a, em 2011: “Compreendi que não sou nem francesa nem europeia. Que pertenço a um outro mundo e que é preciso aprender a desfazer as mentiras e descobrir a verdade da minha sociedade e de mim própria”.

Apesar de ter começado a escrever enquanto jovem, a AFP recorda que Condé se dedicou aprofundadamente ao ofício a partir dos 42 anos, com o apoio do companheiro Philcox, que se tornaria seu tradutor. Em 1976, publica “Hérémakhonon”, a que se seguiu a revelação “Ségou”, em 1984, que veio a ser um sucesso de vendas e contou com uma sequela.

“Passados no que é hoje parte do Mali, os livros examinam o impacto violento do comércio de escravos, do Islão, da Cristandade e do colonialismo branco numa família real durante o período entre 1797 e 1860”, de acordo com a entrada na Enciclopédia Britânica.

Aos 80 anos, a sofrer de uma doença neurodegenerativa, retira-se para a Provença, em França, onde ditou a uma amiga o seu último livro, “O Evangelho do Novo Mundo” (publicado este ano em Portugal pela Porto Editora), com o qual foi nomeada ao Booker Internacional em 2023.

Inédita em Portugal durante décadas e décadas, o catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal dá conta de apenas três dos seus livros publicados em território nacional, todos eles nos últimos dois anos: “Eu, Tituba, bruxa… negra de Salem”, em 2022, pela Maldoror, “À espera da subida das águas”, pela Quetzal, em 2023, e “O Evangelho do Novo Mundo”, este ano pela Porto Editora.

Condé morreu durante o sono no Hospital d’Apt, no sul de França.