Perigos de recuos democráticos e o empobrecimento nos discursos de Abril

49º aniversário do 25 de Abril
Sessão solene comemorativa dos 49 anos da Revolução de 25 de Abril na Assembleia da República em Lisboa, 25 de abril de 2023. Em 25 de abril de 1974, um movimento de capitães derrubou a ditatura de 48 anos, de Marcelo Caetano, chefe do Governo e de Américo Tomás, Presidente da República, num golpe que se transformou numa revolução, a "revolução dos cravos" [Fotografia: TIAGO PETINGA/LUSA]

Veja ao detalhe que disseram os partidos em dia de evocação da Liberdade, no 49º aniversário do 25 de abril de 1974.

“Melhorar a democracia é respeitar a vontade popular”, diz PS

O secretário-geral adjunto do PS salientou que a democracia requer estabilidade e respeito pelos mandatos que o povo confere, num discurso em que manifestou preocupação com a “influência” que o populismo exerce na direita democrática.

Na sua intervenção, João Torres, o “número dois” da direção do PS não se referiu diretamente à ideia de o chefe de Estado usar o seu poder de dissolução do parlamento, mas deixou o recado de que “melhorar a democracia é respeitar a vontade popular, a estabilidade, os mandatos que o povo confere”.

“Melhorar a democracia é garantir que a democracia política e a democracia social caminham lado a lado, porque os populismos são fruto da exclusão. Melhorar a democracia é rejeitar a vida como um campo de minas, onde quem passar, passou, como nos sugerem e propõem as visões neo e ultraliberais da sociedade, ancoradas no individualismo e na negação da igualdade de oportunidades”, declarou.

Na perspetiva do secretário-geral adjunto do PS, “hoje, os ataques à democracia chegam, desde logo, através daqueles que se sentam à extrema-direita neste hemiciclo”. “São os que se servem das velhas fórmulas, como o populismo e a demagogia – aliados eternos da ignorância, da iliteracia política – para sabotar a crença na democracia, o respeito pelo pluralismo, o contrato entre representantes e representados. São os que tentam criar brechas na muralha do progresso com vista aos mais ignóbeis retrocessos, com políticas racistas, xenófobas, homofóbicas, misóginas, desumanas”, declarou numa alusão ao Chega.

Mas fez também advertências ao campo político da direita democrática. “Como diz a sabedoria popular, tão ladrão é o que rouba como o que consente. E, por isso, cada vez mais nos deve preocupar a influência que o populismo exerce na direita democrática, uma direita que sempre respeitamos, mas para quem parece não haver limites nem tabus quando o que conta é a vã cobiça do poder pelo poder, custe o que custar”, assinalou.

No seu discurso, João Torres referiu-se à fundação do PS em 19 de abril de 1973 e ao papel desempenhado pelo primeiro líder do seu partido e antigo Presidente da República Mário Soares.

“O nome maior de Mário Soares e os seus camaradas fundadores do PS estabeleceram desde esse dia os objetivos políticos que, por vontade do povo, vieram a materializar-se e a transformar o país: O Portugal Europeu e não Imperial; a lusofonia igualitária entre povos e Estados; uma democracia de modelo ocidental com governos assentes em sólidas bases parlamentares e um regime semipresidencialista que, juntos, respeitam e conferem equilíbrio à separação de poderes”, acrescentou.

PSD: Empobrecimento “leva a um desacreditar no sistema político e dão campo e margem para o crescimento dos populismos”

O líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, afirmou que em Portugal o empobrecimento se junta à “forte degradação da vida política e da qualidade das instituições”, gerando um aumento dos populismos, “quer de extrema-direita, quer de extrema-esquerda”.

“A quebra da qualidade dos políticos, a descredibilização da política, a perda da autoridade e do prestígio das instituições e do Estado, bem como os fenómenos da corrupção, do compadrio e do nepotismo minam a confiança dos cidadãos na democracia”, considerou, acrescentando a estes problemas “o descrédito da Justiça, com a morosidade e a impunidade em casos de corrupção que atingem poderosos”.

O líder parlamentar do PSD saudou muitas mudanças no país nos últimos 49 anos, mas considerou que os portugueses se perguntam hoje “o que é feito desse país”.

“O que é feito do país, que em 74/75, colocou a sua esperança e ambição na criação de uma democracia como os países da Europa Ocidental? O que é feito do país, que a partir de 76, colocou a sua esperança e ambição na entrada na Europa, então CEE? O que é feito do país, que nos anos 90, colocou a sua esperança e ambição em convergir para os mais ricos da Europa e em estar no pelotão da frente da moeda única?”, questionou, concluindo pela ausência do tal desígnio nacional.

Miranda Sarmento recordou o fundador do PSD Francisco Sá Carneiro para defender que “estes 25 anos de empobrecimento não são uma fatalidade”.

“São uma consequência das políticas erradas de um Partido Socialista que governou 21 dos últimos 28 anos, e com o PSD a governar sempre em emergência financeira”, apontou

Para o líder parlamentar o PSD, juntam-se atualmente no país o empobrecimento, “a degradação dos serviços públicos e das instituições” e “a falta de rumo e de desígnio para o país”, que têm uma consequência. “Levam a um desacreditar no sistema político e dão campo e margem para o crescimento dos populismos e extremismos, quer de extrema-direita, quer de extrema-esquerda”, avisou.

Em alternativa, Miranda Sarmento defende que “as forças democráticas e moderadas, lideradas pelo PSD, têm uma missão fundamental quando se aproximam os 50 anos do Regime Democrático”.

“Primeiro, recuperar a confiança nas instituições, regenerando o sistema político (…) E para isso também é preciso que a política seja feita com verdade! Segundo, tornar como desígnio nacional o crescimento económico e sustentável, a criação de riqueza e capital social, que permitam pagar melhores salários e pensões, ter mais recursos para melhores serviços públicos e criar as condições para que as futuras gerações tenham a liberdade para definirem o seu futuro”, afirmou.

Luís Montenegro assistiu pela primeira vez à sessão solene do 25 de Abril na qualidade de líder do PSD e, ao contrário do que aconteceu na sessão de boas vindas ao Presidente do Brasil, Lula da Silva, o líder do PSD empunhava um cravo na mão, à semelhança do que fez hoje (e noutras sessões) o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Chega fala da justiça, corrupção e num dos “momentos mais negros”

O presidente do Chega André Ventura, sem cravo ao peito tal como a sua bancada, considerou que “de nada vale celebrar Abril” se a justiça não funcionar, referindo o caso do antigo primeiro-ministro José Sócrates, e defendeu que os portugueses vivem um “dos momentos mais negros”.

“De nada vale celebrar Abril se não concretizarmos aquilo que os portugueses mais esperam de nós, que a justiça verdadeiramente chegue a este país. E ela tarda tanto, tanto, tanto, que muitos já perderam a fé e a esperança”, afirmou.

André Ventura considerou necessário devolver a justiça a Portugal, sustentando que os portugueses “sabem que já não vale de nada celebrar, se a conta não chegar para o supermercado, se quando vão a tribunal perdem o ordenado para pagar custas judiciais, se quando chegam ao fim do mês têm a Autoridade Tributária a pedir impostos, mas veem que outros que nada pagam têm todas as benesses e benefícios do Estado”.

Antes, o líder do Chega referiu-se ao antigo primeiro-ministro José Sócrates como “suspeito de roubar os portugueses em milhões de euros milhões”, antecipando que “não irá provavelmente a julgamento”. O dirigente do Chega disse que “quem roubou milhões anda de cravo ao peito, mas fica com os milhões na carteira”.

Ventura deixou também um “enorme aplauso, orgulho sentido e admiração aos valorosos juízes, procuradores, inspetores da PJ que, mesmo com todo o condicionamento, mesmo com todas as mordaças que o Governo quer pôr na justiça, não tiveram medo e no momento mais difícil levantaram-se para dizer que o lugar do ladrão é na prisão”.

Na sua intervenção – que não foi escutada por alguns do PS e do BE por terem saído do hemiciclo e que acabou com uma citação da Bíblia -, o presidente do Chega defendeu também que este é um “dos momentos mais negros dos portugueses” que “não conseguem pôr comida na mesa”.

André Ventura começou a sua intervenção referindo-se à cerimónia de boas-vindas ao Presidente do Brasil – durante a qual o Chega protestou -, reiterando que constituiu um “tremendo erro”. “Normalizar a corrupção e branqueá-la, para nós, nunca será solução, esta casa não pode ser um circo de corrupção”, afirmou.

O presidente do Chega considerou também que “as mesmas autoridades portuguesas que enviaram material militar para a Ucrânia, que ouviram Zelensksy, receberam hoje, aqui, um Presidente que atacou a União Europeia por ajudar militarmente a Ucrânia”.

Ventura acusou o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República de darem “a mão a Zelensky durante o dia e a mão a Lula e à China durante a noite”, classificando esta posição de “vergonha e hipocrisia tremenda”.

André Ventura afirmou igualmente que “o Chega está só e continuará a estar só neste parlamento”.

“Nada me orgulha mais a mim e a esta bancada parlamentar quando são todos contra um grupo que defende portugueses de bem e os portugueses que verdadeiramente trabalham”, indicou.

Numa intervenção em que saltou de tema em tema, o presidente do Chega considerou também que não foi dada “a dignidade que mereciam” a “milhões de retornados, de espoliados do Ultramar” e voltou a garantir que “se essa alternativa um dia chegar, a primeira prioridade vai ser para esses homens e mulheres, para esses milhões de famílias que enquanto viam outros roubar tudo, ficaram sem nada em Portugal”.

“O 25 de Abril não tem donos”, diz IL

Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal (IL) criticou o “longo ciclo de decadência socialista que condena os portugueses a empobrecer ou a emigrar”, defendendo que “em democracia há sempre alternativa e o vento da mudança já começou a soprar em Portugal”.

“Se hoje Portugal se apresenta mais anoitecido do que queríamos, mais triste do que merecíamos, mais estreito do que sonhávamos, é porque alguém que não fez o suficiente”, criticou Rui Rocha na primeira intervenção como presidente da IL na sessão solene comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República.

Dizendo “não a todos as tentativas de cercear a liberdade”, Rui Rocha diz “sim ao país”, considerando que “os diagnósticos estão feitos sobre o longo ciclo de decadência socialista que condena os portugueses a empobrecer ou a emigrar”.

“Em democracia há sempre alternativa e o vento da mudança já começou a soprar em Portugal”, defendeu.

Para o líder da IL, “onde realmente se constrói alternativa é na afirmação de soluções que opõem a confiança ao medo, a esperança ao conformismo, a exigência ao facilitismo, a excelência à mediocridade, a urgência da ação à negligência, o crescimento económico à estagnação, a sede de futuro ao atavismo, as oportunidades ao nepotismo e ao determinismo social”.

Recordando que a liberdade foi conquistada “a pulso”, Rui Rocha reiterou que “o 25 de Abril não tem donos” e, caso tivesse, não se “cumpriria a vontade de devolver o país a todos os portugueses”, motivo pelo qual os liberais vão desfilar hoje na Avenida da Liberdade.

O líder da IL expressou, no 25 de Abril, “o desejo de liberdade para os povos que vivem na opressão”, dando como exemplo a China, o Irão, o Afeganistão, Cuba ou Venezuela.

“Liberdade para a Ucrânia, que sofre há 15 meses as atrocidades de uma guerra imposta pelo ímpeto imperialista de Moscovo. É por isso que o Presidente Lula da Silva não devia ter sido recebido para estar na Assembleia da República neste dia”, criticou. A intervenção de Rui Rocha terminou com um repto: “25 de Abril sempre, Liberdade sempre e Alternativa sempre!”.

PCP: Democracia sem “bem-estar e justiça social” alimenta a “descrença”

O PCP alertou que a “democracia está sob a ameaça” do fascismo e da falta de concretização de direitos e considerou que o Governo não pode celebrar o 25 de Abril enquanto deixa “degradar as condições de vida”.

“Praticamente meio século depois do 25 de Abril e das melhores esperanças que nele depositaram milhões de portugueses, milhões de democratas por todo o mundo que sentiram a nossa Revolução como sua, a democracia está sob ameaça”, alertou o deputado do PCP Manuel Loff na sessão.

Na opinião do deputado do PCP, essa ameaça à democracia ocorre “em todos os lugares, a começar por Portugal”, onde não se cumprem “as naturais justíssimas, expectativas de quem espera que a democracia seja sempre acompanhada de bem-estar e justiça social”, do direito à saúde, educação, habitação, trabalho com direitos e garantias, uma infância feliz ou uma velhice com dignidade e qualidade de vida.

“Sempre que algum ou todos estes direitos se não concretizam nas nossas vidas, alimenta-se a descrença na democracia e esta estará sempre ameaça”, sustentou.

Com os membros do Governo a ouvi-lo, Manuel Loff criticou diretamente o executivo, salientando que quem tem responsabilidades executivas não pode “comemorar o 25 de Abril, a Revolução e a democracia e ao mesmo tempo deixar degradar a condição de vida dos portugueses”.

Quem tem responsabilidade executivas não pode comemorar o 25 de Abril “depois de se terem enterrado incontáveis recursos públicos no apoio aos grandes grupos económicos e financeiros ou a cativar dinheiro do Estado, de todos nós, para lograr as chamadas ‘contas certas’, as mesmas que nunca estarão certas sem se assegurar condignamente o funcionamento dos serviços públicos de que se faz para todos nós a democracia no dia a dia”, acrescentou.

No entanto, o deputado do PCP salientou que a ameaça à democracia se faz também “pelo fascismo”, acrescentando que “é ilusório” julgar que “o assalto da extrema-direita fascista está a fazer ao poder deixa incólume a democracia”.

“Importa, pois, que quando se celebra a democracia e a liberdade não se desvalorize o significado desta ameaça, trivialize a mentira, a manipulação, o racismo, o branqueamento dos crimes e da violência fascista e colonial do passado, o oportunismo descarado ao fingir defender-se hoje o que no passado sempre se rejeitou”, frisou, recebendo aplausos da bancada do PCP e do BE.

Neste ponto, Manuel Loff aludiu à situação no Brasil, saudando os “democratas brasileiros”, incluindo o atual Presidente, Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva, pela sua luta para “derrotar o que foi a maior ameaça, absolutamente real, contra a democracia brasileira desde o fim da ditadura civil-militar”.

Dirigindo-se depois diretamente aos cidadãos portugueses e a quem constrói o seu futuro em Portugal, o deputado do PCP sublinhou que o 25 de Abril foi feito por “gerações de resistentes, e os comunistas em primeiro lugar”, que deram “o melhor de si, e tantas vezes a própria vida”, para conseguir “liberdade, direitos, uma sociedade justa”.

“O 25 de Abril tem agora de continuar a ser feito por nós, por quem acredita nesses valores que permanecem, sabemo-lo hoje melhor do que nunca, a solução para os problemas estruturais do nosso país”, vincou.

Manuel Loff salientou que, “as multidões que saem por estes dias à rua”, fazem-no “com a força inesgotável dos valores de Abril” e recordando “que não há democracia sem justiça social”.

“A Grândola de Zeca Afonso, a ‘terra da fraternidade’ onde ‘o povo é quem mais ordena’ tem de ser cada uma das nossas cidades e aldeias de um país verdadeiramente democrático”, concluiu.

“O maior perigo é que se transforme em cerimónias fúnebres”, diz BE

O BE considerou que “o maior perigo das celebrações de Abril é que se transformem em cerimónias fúnebres” e defendeu que um “Governo que se esconde na vitimização” não cuida da semente da revolução, recusando afogá-la “em formol”.

“Um governo que se esconde na vitimização com a pandemia ou a guerra, que se transforma numa agência de publicidade e ‘powerpoints’ em que já ninguém acredita, por muitos cravos que espete ao peito, não cuida da semente de Abril”, acusou Catarina Martins na última sessão solene comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República como líder do BE.

Recorrendo a várias frases da música “Tanto Mar”, que o brasileiro Chico Buarque compôs em homenagem à Revolução dos Cravos, a líder do BE alertou que “o maior perigo das celebrações de Abril é que se transformem em cerimónias fúnebres” com “palavras repetidas, cravos esquecidos no peito, frases feitas, declarações antifascistas em tom inflamado e sem nenhuma tradução concreta”.

“E se sempre que o bafio fascista se faz sentir, no parlamento como na vida, estaremos juntos sem hesitação para o combater, recusamos determinadamente a subalternização de todos os debates substanciais da política às arruaças da extrema-direita. Queremos uma democracia que faça germinar a semente de abril. Recusamos afogá-la em formol”, enfatizou.

A líder do BE elogiou “todo um povo que cuida dessa semente”.

“É dessa semente que cuidam os professores que saem à rua, os milhares que exigem habitação, saúde e vida digna, que marcham pela igualdade, que ocupam pelo clima. Que bonita é essa festa, que enche ruas e avenidas, que resiste e propõe, em que nos encontramos e encontraremos. Essa é a semente e o compromisso da esquerda. É dessa semente que nascerá a alternativa política, popular, que se constrói a cada dia”, enalteceu.

Se “é certo que se sente o cheiro do bafio em tantos cantos do mundo, que se propagam os fungos do ódio nas caves escuras das redes sociais, que até pode haver manchas de bolor num parlamento democrático”, para a coordenadora do BE “não é menos certo que estes fungos podem ser derrotados e que o bafio desaparece sob o mesmo sol que germina semente”. “Saibamos nós cuidar a semente de Abril”, pediu.

A intervenção de Catarina Martins terminou tomando de novo emprestadas as palavras de Chico Buarque: “‘Canta a primavera, pá’. Façamos a festa hoje. Viva o 25 de Abril”.

PAN lembra os “subalimentados do sonho” 49 anos depois

A deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, considerou que, 49 anos depois da revolução que pôs fim à ditadura, Portugal “é ainda um país com subalimentados do sonho” e das “liberdades que Abril almejou”.

Na sua intervenção na sessão solene do 25 de Abril, na Assembleia da República, a líder do PAN assinalou o centenário de Natália Correia e recorreu a um poema da sua autoria para afirmar que, “volvidos 49 anos de democracia, Portugal é ainda um país com subalimentados do sonho”.

“A pandemia e a guerra empurraram ainda mais pessoas para a vulnerabilidade e para um custo de vista incomportável e em que as famílias continuam a não conseguir quebrar o ciclo da pobreza, a passar frio nas suas próprias casas, em que falhámos no objetivo de erradicar as barracas, ou continuamos a não ter um parque habitacional condigno e público, continuamos a ter subalimentados do sonho”, afirmou.

“Estamos subalimentados das liberdades que abril almejou”, considerou Inês de Sousa Real, salientando que “as aspirações e a vontade de mudança de paradigma são claras e o rumo democrático que a maioria desta casa parlamentar pretende definir é também ele bem claro”.

A deputada pediu aos deputados que sejam “impacientes na revolução e nas liberdades que estão por cumprir”.

“Se há razão por que celebramos esta madrugada aqui e por esse mundo fora, é esta ânsia, esta fome impaciente pelo sonho e pela força da mudança tornados realidade, tornados Abril”, defendeu a líder do PAN.

Inês de Sousa Real considerou que Portugal “vive obcecado com o défice, mesmo que tal seja à conta da asfixia das famílias, que não investe na saúde ou nos demais serviços públicos essenciais” e lamentou que os “pensionistas e reformados recebem pensões de valores que os obriga a optar entre comer ou pagar a medicação”.

“Num país com facilidade dá salários e indemnizações milionárias para os cargos de topo, mas em que os recém-licenciados têm de passar todas as provas e provações para conseguir um mísero salário de mil euros, quase sempre sem vínculo efetivo ou sem poderem sonhar ter casa própria, continuamos a ter subalimentados do sonho”, criticou.

A deputada única do PAN afirmou também que “o direito à infância continua a ser negado a crianças e jovens marcados pelo flagelo do abuso físico ou da violência doméstica”, existem “números avassaladores de violência doméstica e de género”, e continua a luta “pela erradicação das múltiplas formas de discriminação”.

Quando “o ódio continua a falar mais alto, mesmo nesta casa da democracia, do que a tolerância e o respeito, e não se apresenta como solução alternativa, continuamos a ter subalimentados do sonho”, disse.

A deputada única do Pessoas-Animais-Natureza lamentou ainda que, “mesmo numa crise de inflação”, se arranje “sempre dinheiro público para financiar as touradas, nem que ao PRR tenha de recorrer se for preciso” mas “não há dinheiro para apoiar socialmente as famílias que detêm animais de companhia e para a proteção animal”.

“No limiar dos 50 anos de Abril, o que falta para uma verdadeira revolução social e ambiental não é um revisionismo histórico de um modelo e de uma governança que todos conhecemos e Abril derrubou, muito pelo contrário. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que respeite o bem-estar a e a felicidade de todas as pessoas e promova a transição ambiental que o desafio climático exige”, defendeu a deputada única do PAN.

No arranque da sua intervenção, Inês de Sousa Real solidarizou-se ainda com as intervenções do presidente da Assembleia da República, que repreendeu o Chega pelo protesto durante a intervenção do Presidente do Brasil na cerimónia de boas-vindas.

“Partilhamos do mesmo embaraço perante o desrespeito que aqui foi demonstrado por alguns pelo nosso povo irmão, o povo brasileiro, aqui representado pelo seu Presidente”, afirmou.

Livre lembra risco de “intimidação e a dominação da agenda pelos autoritários”

O deputado único do Livre avisou que o principal risco para a democracia “não está nos autoritários” mas “naqueles que lhes derem a mão”, e que uns e outros ficarão “manchados na história” do país.

“O principal risco para a democracia não está nos autoritários, que serão sempre uma minoria, mas naqueles que lhes quiserem dar a mão. O que é preciso é que todos aqui dentro saibamos é que uns e outros – autoritários e os que lhes derem a mão – ficarão manchados na história do nosso país e perderão o respeito do povo”, defendeu Rui Tavares.

O deputado e dirigente do Livre – que tem feito vários pedidos para que o PSD rejeite expressamente qualquer entendimento com o Chega. “A nossa democracia não só não está garantida como vive o maior momento de risco à sua existência desde o período pós-revolucionário. Os 50 anos do 25 de Abril serão a ocasião de celebrar tudo o que conquistámos em conjunto. Estes 49 anos devem servir para alertar para tudo aquilo que podemos perder”, alertou, numa intervenção que foi aplaudida pela bancada do PS, com vários deputados de pé, bem como alguns sociais-democratas, sentados.

Na opinião de Rui Tavares, o principal risco para a democracia portuguesa é aceitar “a intimidação e a dominação da agenda pelos autoritários”, afirmando que esta tarde na Avenida da Liberdade, em Lisboa, estarão “muitos mais milhares defensores da democracia e do 25 de Abril do que há seus inimigos”.

“Haverá sempre mais portugueses a defender a liberdade do que o autoritarismo. Saibamos confiar no nosso povo, nos democratas que conquistaram a democracia a duras penas e dar-lhes confiança. Tenho orgulho de pertencer a um povo que dirá sempre que for necessário: 25 de Abril, sempre! Não voltarão”, defendeu.

Estes “novos autoritários”, continuou, “dizem-se os mais conservadores de entre os conservadores, mas acabam a invadir o Capitólio e a defecar na Praça dos Três Poderes”, ou “afirmam-se patriotas, mas não desdenham enxovalhar o seu país, tentando enxovalhar o país dos outros”.

Tavares prosseguiu, dizendo que estas figuras políticas “demonstram ser incapazes de aceitar a mais mínima crítica, mas têm na rua cartazes nos quais misturam suspeitos de crimes e políticos comuns e nos quais insinuam mais ou menos veladamente, mais ou menos descaradamente, a eliminação de adversários”.

“Se um dia houver uma mão mais ou menos transtornada que passe ao ato, eles negarão qualquer culpa. Mas nós também teremos tido uma, que é a de manter o silêncio quando isto aconteceu”, avisou.

Na opinião do historiador, “os mais discretos” são os mais preocupantes, fazendo referências ao governo húngaro liderado por Viktor Orbán.

“Conheci bem, por dever de ofício, um desses casos, dos autoritários mais competentes, dos mais inteligentes. Hoje nesse país há rádios, jornais e televisões que foram fechados, universidades que foram expulsas, milhares de adversários estão fora do país, todos os tribunais e autoridades independentes foram capturadas, e apesar do discurso anticorrupção do início — ou se calhar por causa dele — o genro, o irmão e o pai e até amigos de infância do primeiro-ministro tornaram-se dos homens mais ricos do país, à conta dos fundos europeus que todos pagamos”, descreveu.

Tavares referiu ainda que recentemente, em fevereiro, a Presidente da República da Hungria, visitou a Assembleia da República e “ninguém protestou”.

“Ninguém protestou e toda a gente soube respeitar, porque o sentido patriótico, de responsabilidade e de Estado, para a grande maioria de nós, ainda não é opcional”, afirmou, numa ‘farpa’ aos críticos da presença do presidente brasileiro, Lula da Silva, no parlamento português.

Lusa