Portugal: Mais 500 mulheres mortas e mil crianças órfãs por violência doméstica

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[Fotografia: Istock]

Estes são números que dizem respeito à violência doméstica em Portugal e que resultam da análise de dados dos últimos 14 anos. Numa altura em que a procuradora-Geral da República, Lucília Gago, lembra que a violência doméstica diante dos mais novos “favorece a propagação, por mimetismo” – o que “agrava o seu efeito de banalização e da sua difusão por transmissão intergeracional com terríveis consequências no tecido social” – é preciso quebrar este ciclo vicioso.

E que ciclo… Num ano em que já são mais de 20 as mulheres assassinadas – representando um aumento face ao ano anterior – uma análise aos últimos 14 anos vem revelar que 503 mulheres perderam a vida às mãos dos companheiros e que mais de mil crianças ficaram órfãs devido àquele crime público.

De acordo com a investigação levada a cabo pelo psicólogo António Castanho e que se debruçou sobre dados recolhidos entre 31 de outubro de 2014 e 31 de dezembro de 2018, os números do Ministério da Administração Interna vêm revelar que em 114 mil avaliações de risco, 74% dos agressores recorreram à força física. Se o assunto for crianças, então quase 9700 sofreram na pela violência por contexto.

Olhando ao detalhe para o género feminino, os números vêm representar de 9200 mulheres agredidas que ou estavam grávidas aquando do crime, ou tinham filhos com menos de 18 meses. Dados que vêm pôr a descoberto a fragilidade das estatísticas disponíveis relativamente aos danos diretos e indiretos da violência doméstica sobre indivíduos residentes em território nacional, ameaçando revelar um crime que é muito mais predominante do que se possa, à partida, inferir.

Estatuto da criança: a exigência para a nova legislatura

“As crianças expostas à violência doméstica têm um aumento do risco de problema psicológicos, sociais, emocionais, e comportamentais”, explicava António Castanho, durante a conferência internacional sobre a questão da violência doméstica. O psicólogo falaav mesmo em “perturbações do humor e ansiedade, PSPT, abuso de substâncias e problemas académicos”.

Para a presidente do Instituto de Apoio à Criança, uma das principais reivindicações a fazer nesta legislatura é a discussão e aprovação de um Estatuto da Criança Vítima, como já existe para as mulheres.

Dulce Rocha reitera que a criação do Estatuto de Criança Vítima e indaga: “é uma matéria que merece uma reflexão. O facto de se ter aprovado o estatuto para a mulher que é vítima mostra que foi considerado que este é vantajoso, e porque é que não é vantajoso para a criança, porque é que é inútil para a criança?”

Dulce Rocha sublinhou, em declarações à Lusa e no final da comemoração dos 30 anos da Convenção Sobre os Direitos da Criança, que teve lugar na terça-feira, 29 de outubro, que se a maior parte dos casos de intervenção das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens são com crianças que assistiram ou que vivenciaram situações de violência doméstica, isso “também é motivo para serem consideradas vítimas nos termos da Convenção de Istambul”.

Durante a cerimónia foi “apresentado publicamente” o Conselho Consultivo do IAC, um órgão de reflexão que congrega cerca de 300 especialistas em diversas áreas relacionadas com este problema.

“Foi criado o Conselho Consultivo porque os assuntos atualmente são tão complexos que vale a pena juntar um conjunto de personalidades com sensibilidades diferentes, interdisciplinares (juristas, magistrados principalmente, mas também psiquiatras, pediatras, sociólogos, psicólogos, entre outros) que vêm pronunciar-se sobre assuntos importantes” disse a presidente do IAC.

“Pretendemos desenvolver a formação interna, que reconhecemos ser indispensável para respondermos cada vez com mais qualidade aos novos desafios que se nos colocam”, afirmou, acrescentando que é necessário “refletir e debater com mais tempo um conjunto de temas muito sérios e atuais sobre a forma de tornar mais efetivos os direitos da criança”.

Dulce Rocha lembrou que o IAC já tinha experimentado de alguma forma órgãos que foram precursores deste, “mas eram demasiado informais e sem aquela continuidade que dá às instituições a coerência necessária para se afirmarem”.

A presidente do IAC disse que “não basta só a audição da criança, mas também é necessário escutá-la com vista ao respeito pela sua opinião, pela sua vontade, porque assim a participação é mais envolvente”, uma das perspetivas que foi passada no encontro, que “serviu para refletir e pensar o futuro”.

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