Presidenciais: Quem ganhou o quê, onde e porquê?

Marcelo Rebelo de Sousa re-elected as Portugal's President
[Fotografia: Mário Cruz/EPA]

Os candidatos às eleições presidenciais, na qual Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito ainda com maior número de votos do que em 2016, foram analisados à lupa, cruzando dados com os concelhos em que mais votos obtiveram. Dados constantes na plataforma estatística EyeData e analisados pela agência Lusa.

Para lá dos resultados eleitorais de uma noite de vencedor esperado, mas que empurrou a esquerda para um dos maiores trambolhões da democracia e vai seguramente obrigar a uma reconfiguração da direita, com a subida do extremismo, veja os votos à luz de variáveis sócio-economicas. Há surpresas

Marcelo, as catástrofes e a menor disparidade salarial

O Presidente da República em exercício e agora reeleito teve melhor prestação eleitoral em concelhos com mais casos de covid-19 e com maior área ardida. Segundo a plataforma, no terço dos concelhos onde Marcelo Rebelo de Sousa obteve melhor resultado no sufrágio de 24 de janeiro, a variação entre a área ardida e a média nacional é de 126,72%, uma vez que nos concelhos onde o atual Presidente da República mais liderou a área ardida é de 1,04% do território, enquanto a média nacional é de 0,46%.

Também relativamente aos concelhos com mais casos de covid-19 por 100.000 habitantes, com dados da última segunda-feira referentes aos 14 dias anteriores, Marcelo Rebelo de Sousa obteve os melhores resultados, com uma variação de 92,76%, uma vez que nesses concelhos houve 6.239,55 casos, quando a média nacional é de 3.236,99 casos.

Os concelhos onde Marcelo Rebelo de Sousa obteve melhor votação têm menor disparidade salarial média mensal entre níveis de habilitação (21,46% contra 26,15 da média nacional) e entre profissões (28,28% contra 34,72% no país). Estes concelhos têm também um número menor de camas em hospitais por mil habitantes (1,83 contra 3,15 na média nacional), menos médicos por mil habitantes (2,58 contra 5,39 a nível nacional) e pessoal ao serviço nos hospitais (4,79 contra 12,60 no país).

Há também um menor número de criminalidade registada pelas polícias por 100.000 habitantes (256,16 contra 314,61 a nível nacional) e de casamentos não católicos (60,89 contra 69,36% a nível nacional).

Ana Gomes, habilitações literárias e os subsídios

De acordo com aqueles dados, o terço dos concelhos onde Ana Gomes obteve melhores resultados nesta eleição registou nos últimos 14 dias 1.472,79 casos de covid-19, número 54,5% inferior aos 3.236,99 casos por 100 mil habitantes a nível nacional. O número de camas em hospitais por mil habitantes é também superior nos concelhos onde Ana Gomes teve mais votos sendo, em média de 4,17 nestes concelhos e de 3,15 a nível nacional. Por outro lado, nestes concelhos os crimes por 10 mil habitantes rondam os 337,76, contra a média de 314,61 a nível nacional.

Nos concelhos onde Ana Gomes teve mais votos, a percentagem de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) é de 3,26%, acima da média nacional de 3,03%.

Nestes concelhos, a população estrangeira representa 6,78% da população, valor que supera em 18,49% a média nacional de 5,72%. Os dados indicam que a percentagem de população residente com menos de 15 anos é de 14,30%, o que aponta para uma população mais jovem do que a média nacional, em que os que têm menos de 15 anos representam 13,63% dos residentes. Ao mesmo tempo, nestes concelhos a percentagem de população com mais de 65 anos é ligeiramente inferior à média nacional: 21,62% contra 21,99%.

Nos concelhos onde Ana Gomes teve melhor resultado, o número de divórcios em cada 100 casamentos é superior em 3,49% à média nacional, já que é de 62,77, o que compara com 60,65 a nível nacional.

Estes concelhos registam, por outro lado, um número de estabelecimentos de ensino pré-escolar, básico e secundário por 10 mil habitantes inferior à média nacional, mas registam valores superiores ao conjunto do país no que diz respeito ao número de alunos por computador (nos ensinos básicos e secundários): 4,82 contra 4,55. A percentagem de empregadores com pelo menos o ensino secundário é de 58,70% acima dos 53,3% da média nacional.

A percentagem de casamentos não católicos é de 72,69% nos concelhos onde Ana Gomes conseguiu melhor ‘performance‘, sendo de 69,36% a nível nacional.

André Ventura, a criminalidade e o RSI

O candidato às eleições presidenciais André Ventura, apoiado pelo Chega, obteve mais votos em concelhos onde há menos camas e pessoal ao serviço nos hospitais.

Relativamente ao número de casos de covid-19 por 100.000 habitantes (dados da última segunda-feira referentes aos 14 dias anteriores), deputado teve melhor resultado nos concelhos que registraram o dobro de infeções face à média nacional.

O mesmo sucede com a população com mais de 15 anos com o ensino secundário, que é de 29,95% onde André Ventura melhores resultados obteve e de 30,53 a nível nacional.

A taxa de retenção no ensino básico é maior onde André Ventura obteve melhores resultados (4,07%) do que na média nacional (3,80%). Os beneficiários de Rendimento Social de Inserção (RSI) são menores nos concelhos onde André Ventura melhores resultados obteve face à média nacional, uma vez que esta é de 3,03% e nos concelhos onde o candidato apoiado pelo Chega teve melhor prestação essa percentagem desce para 2,74%.

O número de casamentos não católicos é superior à média nacional (71,05% contra 69,36%), e as compras em terminais de pagamento automático por habitante estão alinhadas com a média nacional (4.598,96 euros face à média nacional de 4.580,82 euros).

Em termos de criminalidade registada pela polícia, ela é maior nos concelhos onde André Ventura obteve melhores resultados, numa comparação entre os 330,09 crimes por mil habitantes e a média nacional de 314,61.

As disparidades no ganho médio mensal entre níveis de habilitação também são menores onde Ventura melhor prestação teve (22,41% face à média nacional de 26,15%), acontecendo o mesmo com as disparidades entre profissões (30,35% face aos 34,72 nacionais).

João Ferreira, disparidade salarial e o voto jovem e sénior

Em termos económicos, no terço de concelhos onde o candidato presidencial apoiado pelo PCP teve votação mais elevada o poder de compra é de 114,87 pontos, acima do índice 100 que corresponde à média nacional. Os dados indicam ainda que nestes concelhos a disparidade no ganho médio mensal é sempre menor à média nacional, quando se têm em conta os diferentes níveis de habilitações, profissões ou sexos.

Os mesmos dados indicam também que o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem é, nestes concelhos, de 1.335,75 euros, valor que supera em 14,32% os 1.168,42 euros que constituem o valor médio quando se tem em conta o conjunto do país. Ainda na vertente económica verifica-se que a produtividade aparente do trabalho das empresas não financeiras é de 27.803,04 contra 24.123,32 de média nacional e que o número de empresas por habitante (0,13) também supera a média nacional (0,12).

Estes concelhos têm uma percentagem de população com menos de 15 anos mais elevada do que a média nacional (14,56% contra 13,63%), mas registam também uma percentagem mais elevada de pessoas com mais 65 anos: são 23,30%, enquanto no conjunto do país este indicador é de 21,99%.

A percentagem de uniões de facto é superior em 28,41% à média nacional, já que é de 9,11%, o que compara com 7,10% a nível nacional.

Numa campanha marcada pela evolução da pandemia, João Ferreira obteve melhor votação nos concelhos onde o número de camas em hospitais por mil habitantes é de 4,18, superando em 33% a média nacional, mas onde os centros de saúde por 100 mil habitantes são de 11,38%, contra 15,31 a nível nacional. Nestes concelhos verifica-se ainda que o número de médicos por 1.000 habitantes é de 7,27, superior à média nacional de 5,39 médicos.

Marisa Matias e a escolaridade

Segundo o EyeData, Marisa Matias obteve melhores resultados em concelhos com maior densidade populacional e em que o saldo populacional natural (relação entre novos nascimentos e mortes) é menos negativo, algo que também já aconteceu nas presidenciais de 2016, em que também participou.

Em relação à pandemia, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda esteve melhor em concelhos com menos casos registados (dados referentes à taxa de incidência por 100 mil habitantes, em que são contabilizados os últimos 14 dias, atualizados até 18 de janeiro).

Os concelhos onde Marisa Matias obteve melhores resultados caracterizam-se por terem menos escolas de ensino básico, pré-escolar e ensino secundário por 10 mil habitantes do que a média nacional e uma maior taxa de retenção no ensino básico (4,3% contra 3,8%). Por outro lado, os concelhos onde registou piores resultados são aqueles que também têm uma população menos escolarizada.

Mayan Gonçalves e o litoral

O terço de concelhos onde Tiago Mayan Gonçalves obteve melhores resultados nas presidenciais situa-se, na sua maioria, no litoral do país, havendo quase o triplo da densidade populacional nesses municípios, em comparação com a média nacional.

Nestes concelhos, o saldo populacional natural (relação entre novos nascimentos e menor saldo populacional) é 57% menos negativo do que o registado em todo o território e 6,73% da população residente é estrangeira, um valor superior à média nacional de 5,72%.

Em relação à pandemia, o candidato que ficou em 6.º lugar teve melhores resultados em concelhos menos afetados, com uma média de cerca de 1.401 casos por 100 mil habitantes (dados referentes à taxa de incidência em que são contabilizados os últimos 14 dias, atualizados até 18 de janeiro).

Mayan obteve melhores resultados em concelhos com uma maior percentagem da população com pelo menos o ensino secundário. Onde esteve pior, regista-se uma taxa de retenção no ensino básico de 4,94%, um valor superior à média do país de 3,8%. Há também mais médicos por mil habitantes e mais camas em hospitais.

Tino de Rans e o menor poder de compra

Nos concelhos em que o candidato também conhecido como Tino de Rans obteve votação mais elevada, a percentagem de população com 15 ou mais anos com pelo menos o secundário é de 23,76%, inferior aos 30,53 da média nacional. Também o número de empregadores com pelo menos o ensino secundário (43,21%) é inferior à média nacional (53,23%), embora na taxa de retenção no ensino básico estes concelhos apresentem um valor mais favorável do que a média nacional: 2,41% contra 3,80%.

O ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem nestes concelhos é de 977,95 euros, inferior ao valor médio registado no país, de 1168,42 euros e o poder de compra é igualmente mais baixo: 81,19 pontos, face ao índice 100 da média nacional.

Nestes concelhos, o número de camas em hospitais por mil habitantes (1,05) é menos de metade da média nacional (3,13 camas). Também no número de médicos por mil habitantes, os dados dão conta de um valor inferior em 41,9% à média nacional, ou seja, nestes concelhos existem 31,3 médicos por cada mil pessoas, enquanto a nível nacional este rácio é de 5,39.

A percentagem de casamentos não católicos nos concelhos onde a votação de Tino de Rans foi elevada é de 57,52% do total de casamentos registados, um valor inferior aos 69,36% de média nacional. Os dados mostram ainda que os crimes registados pelas polícias ascendem a 241,25, por cada 10 mil habitantes, inferior à média nacional de 314,61.

Carla Bernadino com Lusa