‘Raparigas como nós’: o livro que nos mostra como era o amor antes das redes sociais

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A escritora e jornalista Helena Magalhães tem 33 anos e cresceu numa época onde não existiam redes sociais como o Facebook, o Instagram e o Tinder, mas hoje dá por si a interpretar emojis, a falar com as amigas em chats e a ser “engatada” por homens no WhatsApp, como já havia afirmado ao Delas.pt no lançamento do seu primeiro livro.

[DR] – Raparigas como nós, FNAC, €15.99 (Editora: Planeta)
Mas no seu mais recente projeto, Raparigas como nós, a escritora narra uma história passada no final dos anos 90, início de 2000, onde as redes sociais ainda não tinham o poder atual.
Admite que se a história se passasse nos tempos atuais, “tudo seria completamente diferente”, por isso é que um dos seus grandes objetivos é “poder trazer algumas dessas experiências aos jovens leitores de hoje que não sabem o que é viver sem o Instagram ou o Facebook”.
Veja abaixo a entrevista completa a Helena Magalhães.
Este é o seu segundo livro, ambos falam de amor, embora em contextos diferentes. Encontrou neste tema uma paixão ou mesmo um registo enquanto escritora?
É difícil fugir ao tema do amor porque é o que nos move enquanto seres humanos. No final do dia, tudo gira em torno do amor e é ele que dá significado à vida. Enquanto o primeiro livro era um registo muito mais informal, uma espécie de sátira à forma como vivemos as relações modernas com reflexões sobre o que é ser mulher (em Lisboa e em qualquer lugar) nos dias de hoje, este é um romance puro e duro. É um regresso às origens e ao que sempre me motivou a escrever para mulheres mas, acima de tudo, a incentivar à leitura – algo tão importante no mundo digital em que vivemos.
Qual foi a inspiração para escrever esta história?
Já estava a escrever este livro ainda antes de começar o primeiro: Diz-lhe Que Não. Inicialmente, esta era uma história muito focada na Isabel e no Afonso, arrisco até a dizer muito cliché e meio tola. Foi por isso que a coloquei de lado quando o Diz-lhe Que Não começou a fluir. E não tinha qualquer vontade em voltar a pegar neste livro até que, quando mudei de casa, encontrei os meus diários de adolescente. Passei uma noite a lê-los e a reviver todas as minhas memórias juvenis e, não sei explicar, de repente a Isabel fez novamente sentido na minha cabeça. Toda a história simplesmente se compôs, já sabia como queria que fosse o final, as experiências que queria colocar a Isabel e a Alice a viver, as mensagens que queria passar aos leitores com isso e a forma como o Afonso, o Simão, o Zeca e os outros rapazes iriam interagir. E optei por deixar a primeira parte – que corresponde ao Afonso – exatamente como ela estava, meio palerma e claramente cliché, porque isso faz sentido ao longo da leitura.
Qual é o papel de Isabel [personagem principal] nesta história?
A Isabel representa um bocado todas nós. E esse amor idílico com que o livro começa tem muitas conclusões e espelha o crescimento que todas nós sentimos. Todas as experiências da adolescência são emoções que nunca esquecemos e que nos marcam enquanto adultos para sempre. E queria mesmo escrever para as jovens de hoje que se vão identificar com os desafios que estas personagens enfrentam, e este tipo de histórias cativam os jovens para a leitura, algo que sempre me moveu. Mas também queria que as mulheres adultas como eu trouxessem, ao ler este livro, um pouco desta magia da adolescência para as suas vidas adultas.
Porquê o título ‘Raparigas como nós’?
Porque não queria que este livro se centrasse nas relações amorosas da Isabel e da Alice com os rapazes da história. Queria que fosse um livro sobre elas e a forma como vivem o seu dia a dia, os desafios, as tristezas, as traições, o amor, os rapazes… O ponto central da história não são as relações, mas sim a forma como a Isabel e a Alice crescem e vivem essas mesmas relações e a própria relação uma com a outra. Então, Raparigas como Nós porque todas nós somos como as personagens, já vivemos o que elas vivem, sentimo-nos um ponto minúsculo no universo. E, ainda assim, todas somos especiais.
Se o livro retratasse os adolescentes de hoje em dia, com a existência de redes sociais, o que poderia ter sido diferente?
Tudo era diferente! Logo para começar, a Isabel e o Afonso ter-se-iam certamente conhecido em contextos diferentes (ou já visto as fotografias um do outro) e a distância seria aplacada com uma série de likes em fotografias e conversas no WhatsApp. Foi mesmo por isso que quis escrever um livro passado antes das redes sociais. Para poder trazer algumas dessas experiências aos jovens leitores de hoje que não sabem o que é viver sem o Instagram ou o Facebook. Toda a questão da distância e do desconhecido tem muito impacto na história e nas personagens.
Em que sentido?
Ao não sabermos o que a outra pessoa faz, fantasiamos muito. E é esta fantasia e magia que se perderam nos dias de hoje porque vemos tudo o que os outros fazem pelas redes sociais. E era mesmo isso que eu queria – transportar os jovens de hoje para uma narrativa onde as personagens não vivem agarradas aos telefones nem vivem focados em tirar fotografias. E, para a geração mais velha, relembrar como era a nossa adolescência. De uma forma de outra, queria lembrar os leitores que há uma vida para lá dos telemóveis e das redes sociais e que devemos sair das aplicações e conversar na vida real.
Como tem sido o feedbackem relação ao livro, personagens, história?
Tem sido incrível. Por mais que a Dulce (editora) e a própria Planeta tivessem uma enorme confiança nesta história, duvidei dela até ao último instante. Tive medo que as pessoas não percebessem as camadas para lá das histórias de amor, que não se identificassem com as personagens, que achassem o livro infantil ou demasiado fora da nossa atualidade por ser passado em 1999 e em 2005. Enfim, uma série de medos que acho que são normais. Ainda hoje me custa a acreditar que as pessoas estejam realmente a apaixonar-se por este livro que já entrou em segunda edição. Vejo professoras a dizer-me que o estão a recomendar às alunas, vejo mães a comprar para as filhas, vejo raparigas de 15, 20, 25, 30, 40… a ler, um livro que se tornou transversal a qualquer idade, o que nunca me passou pela cabeça.
Portanto, as mensagens têm sido muitas, certo?
Todos os dias recebo mensagens, de tal forma que ainda não consegui sequer dar resposta a tudo. E um mês e meio depois de sair… ainda me emociono ao ler o que escrevem na internet sobre ele, o que me dizem, a forma como as leitoras estão a viver a história e, acima de tudo, como este passa-a-palavra está a correr. Ainda esta semana uma livreira me dizia que uma rapariga de 14/15 anos tinha ido à loja pedir este livro. E quando ela perguntou se o tinha visto no Instagram, a rapariga disse que não tinha Instagram mas todas as amigas o estavam a ler e ela também queria. E é isto que é mágico – o passa a palavra que, no final do dia, é o melhor selo de confiança.
Logo nas primeiras páginas – e também ao longo da história – existem várias menções ao assédio sexual e à insegurança. Qual o intuito de colocar esta realidade, que se tem falado muito atualmente, no seu livro?
O mais irónico é que essa primeira parte foi, tal como já disse, escrita em 2016, antes do primeiro livro sair. E já nessa altura eu falava sobre estes temas, ouvia as histórias que amigas me contavam e eu própria sempre tentei passar essa segurança que nunca senti, até para me proteger quando era mais nova. Nenhuma rapariga se sente 100% segura na rua e queria transportar isso para aqui. Não para que as leitoras se identifiquem, mas para mostrar que ter medo é ‘ok’. Não devia ser normal nem aceitável, mas ter medo também faz com que tenhamos mais atenção e nos tentemos colocar em situações mais seguras. Mais para o fim do livro há também o episódio do tipo que interpreta a simpatia da Isabel como um sinal de que ela estava interessada e a tenta beijar à força. E, mais uma vez, é o assédio. É o mostrar às raparigas que se alguém faz algo com o qual não estás confortável, só tens que dizer que não.
O final do seu livro é aberto, ou seja, não acaba propriamente com um ‘e viveram felizes para sempre’. Qual é o final que gosta de imaginar – ou que gostaria que as pessoas imaginassem – para esta história de amor?
As pessoas estão muito habituadas a sentir que uma história de amor só é boa e bonita se é eternamente feliz. Como se o “para sempre” fosse um alívio, um objetivo, uma meta que temos de alcançar rapidamente. Mas isso é o efeito Disney nas nossas mentes. Quero que as pessoas interpretem exatamente o final como ele é. É o fim de um ciclo. Se vai ser sempre igual, não sabemos. E acho que é mesmo isso que escrevo. Não sabemos hoje o que estamos a viver e o que vai significar para o futuro, mas só temos de continuar a andar. Vamos onde temos de ir. E aprendemos com isso.
Qual é a mensagem que, com esta história, quer passar a todas as pessoas que abrem o seu livro e o leem?
Não sei se há uma mensagem geral, por assim dizer. Há muitas ao longo da história, desde a distância, as traições, o bullying, as drogas, o querermos ser igual aos nossos pares, o querermos ser aceites, amados, desafios transversais a todas as idades. Mas, acima de tudo, o que quero passar com esta história é que todos nos sentimos, muitas vezes, meio estranhos na nossa pele, mesmo com todas as fotografias perfeitas das redes sociais. E temos todas estas personagens que, inicialmente, até podem parecer muito planas, mas cujo crescimento vamos acompanhando: a Isabel sente-se sempre inferior e diferente de toda a gente, a Alice quer agradar aos outros, o Afonso luta contra a família, o Simão é um miúdo deprimido que usa uma máscara todos os dias porque foi esse o papel que lhe atribuíram, o Zeca não quer ser igual aos amigos, a Marisa é bully porque vive zangada com o mundo… E todos eles trazem mensagens aos leitores.
O que podemos esperar da Helena daqui para a frente? Há mais projetos em vista?
Neste momento, há uma Helena totalmente vazia porque escrever este livro absorveu-me por completo durante o último ano e meio. Agora, quero muito viver esta fase com os leitores. Têm-me pedido muito uma continuação ou um novo livro com foco em algumas das personagens que aqui foram mais secundárias. Não sei mesmo. Mas a única coisa que sei é que quero continuar a escrever histórias que incentivem a geração jovem a ler.
Se tivesse que dar três conselhos ‘de vida’ às suas leitores, quais seriam?
Aqueles que estou sempre a dizer: saber dizer que não, acreditar em nós próprias e saber que todos somos chamados de malucos até fazermos aquilo que ninguém conseguiu fazer.
Imagem de destaque: DR
https://www.delas.pt/como-as-redes-sociais-mudaram-as-relacoes-amorosas/