Há um ano que Rosa Monteiro lidera a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade (SECI). Assumiu o lugar de Catarina Marcelino, quando esta pasta passou para a tutela pela Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques. Mas o encontro da atual secretária de Estado com as questões de género é bastante anterior, remonta ao seu percurso académico e tem feito sempre parte da sua carreira profissional. É perita em Igualdade de Género e estudos sobre as mulheres, foi vice-presidente da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres entre 2012 e 2015 e é investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, no Núcleo de Políticas Sociais, Trabalho e Desigualdades, entre outros cargos. Foi todo esse conhecimento “de fora” que trouxe para o xadrez político, cuja complexidade aprendeu a conhecer melhor, como diz nesta entrevista de balanço de mandato ao Delas.pt.
A estratégia nacional “Portugal + Igual” e os seus três eixos de intervenção para combater a desigualdade de género e a discriminação, a aposta na capacitação e formação de profissionais que trabalham nestas áreas sociais, a importância dos municípios e o perigo dos populismos como retrocesso do que já foi alcançado foram alguns dos assuntos abordados, numa conversa onde se lançaram também algumas perspetivas de futuro em questões como a conciliação e a promoção da igualdade salarial nas empresas e se anunciaram algumas das das próximas medidas de apoio às vítimas de violência doméstica, em vésperas de se assinalar mais um Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres.
Disse recentemente que estamos num contexto global adverso às conquistas no campo da igualdade de género e direitos das mulheres, com os movimentos populistas de extrema-direita. Como vê a vitória de Jair Bolsonaro, no Brasil?
Em alguns países que têm tido esta deriva populista muito acentuada, vemos ameaças não só discursivas mas concretas. Uma coisa é certa, esta questão dos direitos das mulheres, enquanto direitos humanos, e a sua salvaguarda nunca é uma garantia. Estamos em estados democráticos que, constitucionalmente, consagram estes direitos há décadas, mas temos vindo a assistir a retrocessos e sabemos que são áreas onde não é possível deixar de pedalar, de manter os temas na agenda. Por um lado, porque as desigualdades persistem e, portanto, há muito, muito a fazer. E, por outro lado, sabemos que em determinados contextos grupos mais conservadores, que acabam por ter expressão pública e política, põem em risco estas aquisições da legislação e atacam os próprios fundamentos de valores consagrados nos documentos internacionais, que é a questão da igualdade entre mulheres e homens. Na sociedade, vemos que há um reconhecimento crescente da desigualdade, e temos vindo a beneficiar de uma maior exposição das várias formas de desigualdade que colocam em situação de desvantagem as mulheres. Por outro lado, há muita opinião infundada e muita circulação de desinformação, que são realmente assustadoras quando colocam em causa dimensões do conhecimento técnico-científico por de mais comprovadas e firmadas. O que temos feito é um esforço muito grande em demonstrar que quando falamos nas questões da desigualdade, ou nas questões dos direitos das mulheres, não se trata de questões de ideologia, trata-se de questões da vida concreta. O que é que se aponta quando se fala da desigualdade de mulheres e homens no mercado de trabalho, quais são os indicadores, em que é que isto se traduz? Isto é real, portanto se é real temos de ter instrumentos legislativos que melhorem a vida das pessoas.
É também aí que esse discurso parece ganhar terreno, na frustração de as pessoas não verem o impacto dos instrumentos na sua realidade. O antigo vereador do PSD, André Ventura, defende a prisão perpétua para homicidas e violadores. Este discurso de penas mais duras, com alguma frustração que há na sociedade portuguesa em relação a penas atribuídas a homens condenados por violação ou homicídio em contexto de violência doméstica, não pode aproximar desse discurso e movimentos até de um eleitorado mais feminino?
Vários especialistas e organizações com quem trabalhamos e que são quem está no terreno e sabe toda a complexidade deste sistema – entre as condições para uma denúncia/queixa, todo o procedimento desencadeado numa situação dessas ou depois do trânsito em julgado – o que tem vindo a ser apresentado, em todos os grupos de trabalho, é que a nossa legislação, no geral, está adequada. E realmente é populista falar-se no aumento de penas como uma solução para eliminar e combater a violência. A violência é um problema estrutural das nossas sociedades. Hoje é mais censurada socialmente. Esse é um ganho civilizacional que tivemos e que foi sendo gradual a partir do momento em que, em 2000, a violência doméstica foi reconhecida como crime público. Há uma crescente intolerância social às várias manifestações de violência contra as mulheres, que se têm centrado muito, em termos de políticas, na violência doméstica e que agora começa a discutir outras formas de violência como a violência sexual.
Mas não pede também um combate mais rápido das situações identificadas, por parte das instituições, do governo?
Sabemos que a violência tem na sua génese a profunda assimetria de poderes, entre mulheres e homens e aquilo que temos vindo a criar são respostas cada vez mais eficazes, multidimensionais, a trabalhar a matéria da violência. Preveni-la e combatê-la, apoiar as vítimas, capacitar profissionais, levar cada vez mais aquilo que são requisitos mínimos de atuação a todas as partes do nosso país, numa diversidade dos profissionais dos vários setores. Este é um trabalho que se vai fazendo paulatinamente e tem sido muito reforçado nos últimos anos, porque há realmente um investimento em formação e capacitação de profissionais que se tem de fazer. Agora, não há uma intervenção instantânea para a violência, quem o disser está a incorrer numa abordagem pouco construtiva ou até populista. Nós temos é de garantir confiança no sistema que existe.
E como é que se pode garantir ou reforçar essa confiança? O que podemos dizer, por exemplo, aos familiares das vítimas de violência doméstica que morreram nos primeiros seis meses deste ano e que em número foram quase tantas como no total de 2017?
Obviamente que é sempre um sentimento de frustração e impotência, e isso é transversal a todos os serviços, sejam da saúde que não detetaram e não identificaram, sejam das forças policiais que não atuaram ou que tendo atuado a mulher ficou em situação de risco depois de ter apresentado uma queixa. Ou tantas situações que houve que não procuraram apoio e ajuda. Mas essa confiança tem de ser realmente uma certeza. Hoje, as nossas forças de segurança têm uma preparação que nunca tiveram. E isto é resultado de mais de uma década de investimento público nesta matéria, com instrumentos de avaliação de risco que têm sempre de ir sendo afinados. Por isso é que foi criada a própria Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica [EARHVD]e ela não poupa nenhuma parte do sistema e também não deixa de fora aquilo que é uma certa indiferença social a muitas situações. Sabemos que nem sempre as vizinhanças, a rede de familiares e de amizades atuam. E atuar não é só fazer uma denúncia, é capacitar a mulher para que ela consiga ver que tem uma saída daquela situação de abuso e de violência. Agora essa confiança tem de ser transmitida pelas entidades responsáveis, pela nossa rede de apoio à vítima – e estamos a reforçar essa rede. Hoje os encontros, workshops técnicos sobre esta matéria já não acontecem só em torno do 25 de novembro, como acontecia no passado, são semanais. O conhecimento técnico produzido é permanente. Estamos num ponto muito positivo de aperfeiçoamento desse sistema. Por isso é que na sequência do relatório da EARHVD que detetou uma falha na atuação de um oficial de justiça do Ministério Público avançámos rapidamente para a realização de um protocolo com a Direção-Geral de Administração da Justiça, para fazer formação a todos os oficiais de justiça pelo país. Esse protocolo também integra PSP e GNR.
Este ano, segundo números da SECI e do MAI, 500 efetivos dessas forças, frequentaram esse tipo de ações de formação. Essas formações são facultativas ou obrigatórias?
São mandatórias, digamos assim. Cada força organiza-as, mas são obrigatórias.
No caso dos magistrados e juízes é ao Centro de Estudos Judiciários (CEJ) que compete ministrar esse tipo de formação e definir ou não a sua obrigatoriedade.
Sim, nós temos uma articulação muito estreita com o CEJ e temos vindo a colaborar em sessões de formação e workshops. Muitas delas são opcionais, mas este ano a participação já ultrapassa os 300 magistrados e magistradas. E estamos a preparar com o CEJ uma formação em e-learning do Conselho da Europa, a Help in The 28, que o CEJ vai passar a disponibilizar. A EARHVD também começou já este ano a fazer formação a magistrados e magistradas e vamos continuar – ainda há mais duas ações até ao final deste ano. Além disso, a formação inicial aos magistrados, do CEJ, também integra as matérias da violência e da mutilação genital feminina, do tráfico de seres humanos. É um trabalho que está a ser feito, mas é um trabalho que precisa de ser, como já se percebeu, intensificado.
A Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade recomendaria que as formações para magistrados e juízes tivessem também um caráter mandatório, à semelhança do que acontece nas já protocoladas para as forças de segurança?
Isso é com o Conselho Superior de Magistratura (CSM) e julgo, por uma reunião que tivemos no início do ano, que o CSM estaria a ponderar mecanismos que tornem mais efetiva a frequência de formação nestes domínios para magistrados e magistradas, salvaguardando sempre a autonomia e o princípio de separação de poderes destas entidades.
Estamos a pouco mais de uma semana do Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, 25 de novembro. No eixo de intervenção desta questão contemplada na Estratégia ‘Portugal + Igual’, que balanço faz da respetiva implementação no terreno, o que ainda está por implementar e que medidas já estão definidas para implementar no curto prazo?
O plano está muito organizado, seguindo a lógica da Convenção de Istambul, que tem áreas de atuação muito bem identificadas, desde logo o apoio às vítimas. E nós temos vindo a concretizar e a aumentar a capacidade de resposta, não só pelo aumento do número de vagas, mas também criando novas tipologias de resposta para grupos específicos. Ainda este ano foi possível abrir uma resposta para mulheres vítimas portadoras de deficiência, abrimos outra para vítimas LGBT. Já assinámos uma carta de compromisso e vamos abrir, até final do ano, assim que se concretizem as obras necessárias, uma nova resposta para mulheres vítimas com doença mental. É uma resposta que não existe no país e verificou-se que faz bastante falta.
Onde será criada?
Será na região Centro. Era um projeto que vinha de trás e tornou-se possível agora este ano. Para além do reforço desse apoio, com respostas específicas, há também a continuidade da aposta no centro de crise para vítimas de violência sexual, o apoio a homens vítimas de violência – continuamos a manter a resposta de acolhimento mas também de atendimento, com este projeto do ‘Quebrar o Silêncio’. Há sempre um trabalho crescente e continuo de aperfeiçoar a rede de respostas e de apoio, manter o investimento para o transporte das vítimas, para a sua autonomização. Depois, na capacitação de profissionais temos esta necessidade absoluta de apoiar a formação, mobilizando as verbas do POISE – geridas pela CIG. E num curto-prazo, a nossa meta é lançar avisos para novos concursos para formação de públicos estratégicos, e que sejam mesmo públicos estratégicos.
Articulando com a estratégia de descentralização e com os municípios?
Claro. Ainda este verão estive nos Açores, onde a CIG tem vindo a fazer um trabalho que nos conduzirá a estabelecer um protocolo, no início do próximo ano, extensivo a todo o arquipélago para se trabalhar esta matéria da prevenção e combate à violência doméstica em todas as ilhas. Recentemente, apresentámos o que consideramos ser um reforço no tipo de protocolo que existia entre os municípios a CIG. Faltava uma orientação mais detalhada sobre o que é que os municípios podem fazer, que tipo de indicadores devem analisar e sobre os quais devem atuar. O que propusemos foi uma alteração do modelo de protocolo no sentido de tornar mais efetiva esta relação para ambas as partes e reforçar o compromisso mútuo. Um aspeto que introduzimos agora com estes novos protocolos é que o trabalho dos municípios deve estar, obviamente, alinhado com a Estratégia Nacional ‘Portugal + Igual’ e as suas três grandes dimensões de atuação – a igualdade entre mulheres e homens, prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica e o combate à discriminação em razão da orientação sexual – devem ser trabalhadas a nível municipal, incluindo as práticas tradicionais nefastas [como a MGF] e as questões LGBTI, que estão relativamente ausentes do trabalho dos municípios, especialmente em certas regiões do país.
Em que regiões as questões LGBTI estão mais ausentes?
Nas questões LGBTI, Lisboa tem um plano. Está a trabalhar de forma muito mais avançada nessa matéria. No resto do país, há um longo trabalho a fazer. Foi importante termos criado este plano nacional, que agora contagiará de forma positiva o trabalho desenvolvido pelos restantes stakeholders. E um dos trabalhos que é decisivo é que as matérias da igualdade sejam transversalizadas nas políticas setoriais, no urbanismo, um urbanismo inclusivo, que atenda por exemplo às particulares vulnerabilidades de certos grupos da população no espaço público, especialmente das mulheres, das raparigas, das idosas, à diferente utilização de espaço público por homens e mulheres.
De que forma?
Tivemos, nas últimas notícias, uma incidência de situações de violação junto a zonas de transportes públicos. Por que não os municípios que sejam autoridades de transporte, tal como as áreas metropolitanas, fazerem auditorias de segurança pública com este enfoque e esta perspetiva de género? Há também as questões da mobilidade. Encontrámos inquéritos à mobilidade que são realizados por estas autoridades de transporte que depois não trabalham os dados agregados por sexo. Nos diagnósticos que fazem não se percebe quais são as diferenças nas necessidades das mulheres e dos homens. Grosso modo, 70% dos utilizadores dos transportes públicos são mulheres. Sabemos também que as trajetórias das mulheres desde que saem de casa até que regressam são diferentes das dos homens, que são mais lineares, casa-trabalho-casa. As das mulheres são mais complexas, com saídas à hora de almoço para ir resolver assuntos, para ir às compras, com carga, deslocações para ir buscar ou levar as crianças. É atender a esta diversidade que é importante.
Algumas dessas questões podem inclusivamente ser fatores impeditivos, por exemplo, de se poder aceitar um emprego.
Exatamente. Por exemplo, quando temos situações de empregos que implicam turnos, ou horários noturnos, quando não há transporte…
Ou quando o tal trajeto é perigoso para a mulher.
Sim. Quando vivia em Viseu, via situações de mulheres que tinham muita dificuldade de aceitar empregos porque não tinham transportes à noite que respondessem a uma determinada necessidade horária. Se num meio urbano como Lisboa, pode não ser tão problemático, pela maior extensão dos horários de transportes públicos e pela maior concentração de instalações industriais e empresariais, no meio rural uma zona industrial fica isolada. Ir para ali, durante a noite, sem assistência de transportes é muito complicado. Portanto, nas políticas de emprego e políticas municipais de emprego esses aspetos devem ser ponderados.
O repto não deve ser lançado também aos privados?
Claro. A vantagem aqui é conseguirmos ter os instrumentos e ferramentas que permitam aos municípios trabalharem com a sua rede de stakeholders. Isso é cada vez mais fundamental, até a propósito das questões da conciliação entre a vida profissional e pessoal. Não basta atuar apenas ao nível da legislação laboral. Tem de existir uma atenção às necessidades das pessoas, ao nível de equipamentos de apoio à família. E isso faz-se melhor ao nível local, porque é a nível local que melhor se conhecem as necessidades e a rede de serviços e de respostas existentes. Por isso é que é muito importante o trabalho das autarquias, com uma atenção a estas especificidades. Quem define políticas públicas não pode ver a realidade como sendo neutra. Porque isso não existe, ela é feita da diversidade das pessoas, que têm condições e especificidades de vida muito concretas.
Sabemos que está previsto o anúncio, para breve, de políticas e medidas no âmbito da promoção dessa conciliação. Pode avançar quais são?
Está para muito breve, estamos a trabalhar nisso. Este é um problema complexo, um grande desafio das nossas sociedades, que cada vez mais nos conduzem a um estar permanentemente ligado e Portugal enferma de uma cultura muito “presentista”. Tem-se a ideia de que o bom trabalhador ou boa trabalhadora é aquele que fica para além do horário, que demonstra estar permanentemente a trabalhar, quando sabemos que não é assim. Temos de estruturar melhor as nossas sociedades, facilitando os vários elementos de vida que as pessoas têm no seu dia-a-dia. Não temos valorizado o cuidado [informal] e as pessoas e as famílias estão muito esticadas na sua capacidade de dar mais resposta. Têm de trabalhar mais, com horários cada vez mais atípicos. Esta cultura que também se criou do estar permanentemente ligado também é bastante prejudicial. Temos de mudar as práticas organizacionais. Já há organizações e empresas que criam algumas medidas promotoras da conciliação, desta possibilidade de desligar. É importante criar esta cultura. Por outro lado, as pessoas beneficiam e utilizam os seus direitos à conciliação, de parentalidade, assistência à família se os conhecerem. A literacia é fundamental e compete também às organizações reforçar a informação e o conhecimento dos seus trabalhadores sobre a legislação. As práticas organizacionais tem de estar mais vocacionadas para uma cultura amiga da conciliação. Mas depois temos chefias que têm uma cultura de trabalho intensivo e os resultados são aqueles que temos no Eurostat de há algumas semanas: os trabalhadores [portugueses] temem as consequências nefastas sobre a carreira se utilizarem os seus direitos, que sejam penalizados, sentem que há um conjunto de obstáculos à sua utilização. Esta cultura tem de ser alterada e queremos realmente robustecer esta agenda a nível público.
Robustecer essa agenda passa por criar políticas, leis, concretas?
Há uma componente que passará obviamente pela concertação social, políticas concretas que têm de ser discutidas em sede de negociação coletiva. Vamos ter, e já está até anunciado, um novo inquérito à fecundidade, para perceber as razões e os constrangimentos, nomeadamente aqueles que têm a ver com a dificuldade de conciliação ou com a antecipação das dificuldades, como encontrar uma creche. Este é um caminho que tem de ser feito muito de medidas complementares, não se pode atuar só num domínio. Há medidas que libertam mais tempo para a vida e há medidas que libertam uma maior disposição para o trabalho e é neste equilíbrio que temos de atuar.
Mas há questões como a dos cuidados informais que requerem talvez uma intervenção mais política e há até um certo consenso entre os partidos sobre a necessidade de políticas que ajudem as famílias que têm de prestar esses cuidados. O que é que está previsto nessa matéria?
Há um plano que está a ser desenvolvido em articulação com o Ministério da Segurança e Solidariedade Social e haverá medidas e propostas um pouco de todas as áreas governativas, até de algumas mais inesperadas.
Pode adiantar algumas dessas medidas ou propostas?
Para já não, mas será para muito breve.
Além da lei que entra em vigor no próximo ano para promover a igualdade salarial entre géneros nas empresas com mais de 250 trabalhadores, no primeiro ano, que outras medidas estão pensadas para promover essa igualdade?
Nós vamos lançar apoios e financiamentos para planos para a igualdade onde esse será um dos indicadores a trabalhar, seja em planos em municípios, seja em planos em empresas. Mas também, no âmbito do novo financiamento dos EEA Grants, que apresentámos em setembro, temos previsto lançar um apoio para que os setores desenvolvam avaliações [desse tipo] nos seus sistemas de avaliação de funções, verifiquem nas suas grelhas remuneratórias se existem enviesamentos em função do sexo dos trabalhadores. É fundamental promover o trabalho com os setores e os parceiros sociais. Estes, as entidades empregadoras têm de incorporar hábitos de análise e reflexão sobre o que se está a gerar em cada organização sobre o que está a gerar em cada uma delas as desigualdades salariais e remuneratórias entre homens e mulheres.
Espera algum tipo de resistência por parte de algumas empresas, quando a lei entrar em vigor, no próximo mês de janeiro?
Não diria resistência, mas obviamente que vão ter de fazer este trabalho de análise e reflexão sobre os seus sistemas de avaliação de funções e de classificação de postos de trabalho. Porque esse é um dos pressupostos e dimensões fundamentais da lei. Creio que indicado o caminho, e a CITE está também a produzir instrumentos, que facilitam este trabalho por parte das empresas não antevejo resistências. Por que é que havia de haver resistências quando se comprova que há uma desigualdade que se tem de analisar. É isso também que permite o próprio balanço, barómetro, apurado após a entrega dos dados do relatório único pelas empresas.
Alguns críticos da lei dizem que ela devia ser mais sancionatória para as empresas incumpridoras. Está previsto no futuro, dependendo das análises e para incumprimentos persistentes rever essa vertente?
Quando desenhamos um novo pacote legislativo ou uma nova medida política, o que pretendemos é a sua efetividade. Não vale a pena criar leis para elas não produzirem efeitos. É uma preocupação que temos, mas também sabemos que estas mudanças não são automáticas. Depois da lei, há que produzir recursos, acompanhar e criar, muitas vezes, também estes hábitos e estas práticas. Por vezes leis e medidas que parecem estranhas no início deixam de o ser com a sua implementação. Cria-se uma cultura de trabalho, de reflexão sobre o tema. Há 10 anos, as discriminações de salários sobre mulheres e homens eram muito pouco reconhecidas e hoje as pessoas reconhecem, há um indicador, e a partir do momento que esta realidade se evidencia temos de ir procurar as causas para as eliminar.
Estamos com um novo Orçamento do Estado praticamente aprovado, também anunciou recentemente mais apoios, de fundos comunitários, para políticas de igualdade municipais. Em termos globais estamos a falar de uma verba igual, maior ou menor para as questões da Igualdade?
As verbas que referi são verbas previstas já em sede de quadro comunitário e aquilo que está previsto [nesse âmbito] não podemos alterar. Temos é agora a oportunidade de negociar o próximo, e temos esta nova verba dos EEA Grants, que conquistámos em 2016, integrando novamente um eixo de programa para a igualdade e conciliação. São 7 milhões de euros e a CIG será a entidade responsável pela formação e gestão deste eixo. E continuamos a contar com as verbas dos jogos sociais para a promoção da igualdade, prevenção e combate à violência doméstica como tem vindo a acontecer.
Fez agora um ano que iniciou as funções de secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade. Qual é o balanço que faz deste primeiro ano de mandato?
Tenho-o visto muito como um processo de aprendizagem. Fiz muita avaliação e análise de políticas públicas, portanto tinha uma visão de fora. Aquilo que, em termos pessoais, ganho é realmente uma visão mais realista daquilo que são, por vezes, os constrangimentos e que são de diversa ordem, não são só administrativos, financeiros ou políticos. São constrangimentos de quem está num tabuleiro muito complexo, que tem muitos atores, e muito diversos, da sociedade civil e das instituições públicas. Esta compreensão do sistema é muito enriquecedora. Em alguns aspetos confirma ideias, avaliações e certezas que já tinha. Outros foram relativa novidade. Em termos de balanço pessoal, acho que esta é uma altura interessante para estar deste lado, porque é uma altura em que as questões são muito discutidas, para o bem e para o mal, em que há um crescente reconhecimento, mas em que, por outro lado, começam a surgir esses populismos, exageros e abusos, essencialmente, na interpretação daquilo que são a políticas de igualdade e do que é isto da igualdade entre mulheres e homens. Estando deste lado, tenho também a noção de aspetos do sistema que é necessário continuar a serem trabalhados e investimentos que se devem continuar a fazer. Da parte do Estado estamos numa fase em que têm realmente de ser estruturados e sistematizados perfis, estruturas, recursos e instrumentos para trabalhar esta área. Há um caminho a percorrer, mas nós temos vindo a fazer um grande exercício nesse sentido. Fizemos uma estratégia [‘Portugal + Igual’] ambiciosa, com três planos, e queremos que esta estratégia seja realmente norteadora da ação pública neste âmbito. Desenvolvemos também o piloto dos orçamentos com impacto de género, estamos a fazer um trabalho com os ministérios que permita fazer uma análise de género de algumas políticas públicas e ir integrando uma perspetiva de género no trabalho orçamental. O que se pretende é que a sociedade passe a funcionar já com esse pressuposto de igualdade. Esse caminho tem de ser feito pela via da sociedade em geral, mas também tem de ser feito na administração, produção e implementação de políticas.
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