‘Stealthing’. A “violência sexual” que tem mesmo de conhecer e combater

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[Fotografia: Pexels/Nataliya Vaitkevitch]

“O ‘stealthing’ constitui uma situação de violência sexual”. O alerta é dado pela sexóloga Vânia Beliz que fala sobre a prática da remoção do preservativo durante o ato sexual e sem consentimento da parceira ou do parceiro.

É uma realidade pouco abordada e escapa aos números das denúncias, mas é mais frequente do que o que se possa imaginar. “Não recebo muitas queixas, não me reportam muito esses casos na minha prática clínica, apesar de saber que é frequente”, afirma Beliz. Mas como? “Pelo número de vezes que os relatos dizem que os preservativos estão a magoar ou estão desconfortáveis, e são removidos”, responde.

Não está em causa a decisão comum, de parte a parte, de retirar o preservativo da relação, mas está o ‘não consentimento’ de um dos elementos. “Há um caminho grande a percorrer até pelos profissionais e pelos cidadãos, para que sejam mais conscientes dos direitos e dos limites do outro”, alerta Alice Frade, diretora executiva da Associação P&D Factor, que vinca não haver dados sobre esta tipologia de agressão.

“As mulheres ainda não têm a perceção dessa violência”, diz sexóloga Vânia Beliz

Quando um elemento retira o preservativo e introduz o pénis na vagina ou no ânus está a colocar-se em risco a si e ao parceiro. Creio que as mulheres ainda não têm a perceção dessa violência”, acrescenta Vânia Beliz.

Se em março deste ano houve uma condenação de um homem de 28 anos a três meses de pena suspensa de prisão e a pagar uma multa de mil euros à parceira nos Países Baixos por stealthing, como é por cá?

Portugal prevê a punição da penetração sem consentimento (violação), mas não a remoção da proteção. “Nos países onde há maior autonomia corporal e consentimento, chegam certamente a um outro nível de elaboração sobre o consentimento e os limites até lá”, refere Alice Frade, que pede, neste caso, prevenção. “Afinal, a remoção não consentida de preservativo não está apenas a por em risco a existência gravidezes indesejadas, mas também de infeções sexualmente transmissíveis”, que têm vindo a crescer. “Também põe em causa a autonomia corporal e os direitos”, sublinha a diretora executiva da P&D Factor.

Recorde-se que existem outras condenações por stealthing em territórios como a Alemanha, Suíça, Reino Unido e Nova Zelândia onde se equipara a remoção do preservativo sem consentimento à violação. No caso neerlandês, a acusação começou por ser dessa natureza, mas como a penetração foi consentida, o arguido foi punido pela remoção sem autorização.

Vítima de ‘stealthing’? O que fazer e quais as consequências

Para Vânia Beliz, o compromisso de ambos é parte essencial deste processo. “A partir do momento em que iniciamos uma relação sexual, é importante que fique claro o uso do preservativo até ao fim e que não seja retirado a meio. Tem de ficar bem explícito. A mulher terá sempre a hipótese de ter o preservativo feminino, que muitas também não estão habituadas e não querem usar”, refere a sexóloga.

Uma vez diante de um caso desta natureza com um desconhecido, que no entender da especialista “configura situação de abuso”, o “protocolo é o mesmo como se se tivesse sido violada”, afirma. “A partir do momento em que o preservativo é retirado, e não se conhecendo a pessoa e se ela tem ou não uma doença, o protocolo é ir ao hospital, fazer medicação”, detalha a especialista.

A existência ou não de trauma “vai depender também da forma como a pessoa vai lidar com a situação”, considera Vânia Beliz. Para a sexóloga, é claro que, existindo dificuldades, “é preciso procurar ajuda psicológica”. “No caso de aumento da ansiedade, pode gerar-se medo relativamente àquele ato. Neste caso, as mulheres mais ansiosas o que fazem é tomar a pílula do dia seguinte, mas isso é apenas para a gravidez indesejada, não para as infeções sexualmente transmissíveis”, alerta.