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“O Parlamento Europeu tem ligeiramente menos regras contra o assédio”

Não cometa erros com quem gosta ou com quem precisa mesmo de ajuda. Por isso, percorra a galeria e fique a saber como pode aconselhar e o que deve e não deve dizer a uma amiga ou familiar que esteja a ser vítima de assédio continuado. Os conselhos são do psicólogo Daniel Cotrim, responsável da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima [Fotografias: Shutterstock]
Nunca, mas nunca, minimize ou desculpabilize o problema que a vítima está a sofrer. Afinal, como explica Daniel Cotrim ao Delas.pt, “a questão do assédio é sempre muito melindrosa, é uma forma de vitimação insidiosa em que a única pessoa que a vê e sente é a pessoa que a está a viver”. O psicólogo vinca que “quem ouve tem grandes dificuldades em percecionar que as situações sejam reais”.
É importante estar alerta para evitar o distanciamento. “Normalmente, as pessoas que estão a viver estes problemas até vão perdendo amizades porque os amigos consideram que elas estão sempre a falar do mesmo ou até a exagerar”, sublinha Cotrim. Por isso, é importante estar de ouvidos à escuta em vez de ter críticas na ponta da língua.
Os atos de assédio começam, muitas vezes, por atitudes que são geralmente apreciadas pela sociedade. Mas se, por exemplo, o envio de flores é reiterado e gera desconforto, se a pessoa surge nos mesmos locais da vítima, então poder-se-á estar perante um caso desta natureza. Esteja disponível para ouvir quem – apesar de receber flores – não parece ficar nada contente com isso. Peça para que a pessoa fale um pouco mais sobre o desconforto ou sobre o que está a acontecer.
Vítima ou amiga dela, deve sempre saber que nunca se pode confrontar o assediador porque tal pode ser visto como desafiador. Isto porque é comum a agressão entrar numa escalada de violência. Daniel Cotrim lembra que “muitas vezes, estes processos podem atingir a tentativa de homicídio ou mesmo o homicídio”, afirma.
“Deve-se sempre aconselhar a que a vítima não recolha gravações de som ou imagens de forma ilícita do agressor. Este tipo de material não é tido como prova em tribunal, não é aceite e a própria vítima pode, posteriormente, incorrer na prática do crime de devassa ou gravação ou filmagem ilícita”, lembra Daniel Cotrim.
Realidade bem diferente é – diz ainda o mesmo psicólogo – é recolher provas quando elas surgem. Ou seja, não provocar as situações, mas estar atenta para que todas as manifestações por parte do agressor que deixem rasto sejam reunidas. “Não apagar mensagens ou posts que os assediadores escrevem sobre as vítimas nas redes sociais. Aí sim, tirar prova do que está a acontecer, mas nunca criar situações para gerar prova”, alerta o psicólogo responsável pela área de violência doméstica, de género e da igualdade da APAV.
“O assediador utiliza muito as redes sociais, cria perfis falsos. A vítima vai bloquear o perfil daquela pessoa, mas os agressores acabam por criar novos perfis falsos. Mais do que as vítimas deixarem de de ter redes sociais ou de restringirem a sua própria liberdade, é preciso ter cuidado com quem se adiciona quando se está a viver um problema desta natureza”, alerta Daniel Cotrim. É fácil verificar se determinada pessoa existe mesmo e os amigos – reais e virtuais – são fundamentais para ajudar a 'checkar' estas informações.
Consoante o caso de gravidade de assédio, a vítima, refere Cotrim, “não deve andar sozinha”. Por isso, diz o mesmo psicólogo, “que se faça acompanhar de amigos ou familiares, as pessoas certas, que saibam o que se está a a passar”. Mas, quem são as pessoas certas? “As que não minimizem estes casos e que não induzam a culpabilização”, responde o assessor técnico da APAV.
Mal fica a saber que alguém que lhe é próximo está a ser vítima de assédio reiterado, deve recomendar que procure instituições de Apoio à Vítima que possam ajudar a lidar com esta realidade ou, como lembra Cotrim, “no caso em que está a haver violência no contexto da intimidade, as vítimas devem informar as autoridades e fazer queixa à PSP, à GNR e ao Ministério Público.
No caso de assédio sexual ou moral no trabalho, o psicólogo também revela quais os caminhos a seguir. E como pessoa próxima da vítima, é importante conhecê-los para melhor saber ajudar. “O tipo de assédio cometido do ponto de vista profissional é punido com coima e não entra na configuração de assédio persistente. Mas nestes casos, o conselho é o de que as vítimas apresentem queixas à Autoridade para as Condições do Trabalho ou à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego”, enumera o psicólogo da APAV.

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É diretora do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) e, ao Delas.pt, Virginija Langbakk fala dos desafios de trazer mais mulheres para a política europeia por forma a mudar a presença feminina nas decisões políticas. A responsável espera que isso aconteça nas próximas eleições europeias, marcadas para 23 e 26 de maio, ainda que os resultados emanem do que ficar definido país a país.

À margem do seminário em torno das Mulheres na Política que decorre esta terça e quarta-feira, 5 e 6 de março, em Bruxelas, Langbakk admite que é tempo de olhar para o crescimento das ideologias populistas e de extrema-direita com olhos de ver e perceber os riscos para as mulheres que daí advêm, mesmo quando são lideradas pelo sexo feminino.

Virginija Langbakk [Fotografia: DR]

Contudo, a diretora do EIGE sublinha a mudança que tem de ser operada a partir de dentro das instituições: a igualdade é uma delas, claro, mas também o combate ao assédio sexual. Uma conversa que não esquece a greve feminista que aí vem – marcada para 8 de março, dia Internacional da Mulher. A responsável do organismo europeu diz que é difícil organizar um movimento desses em todo o ‘velho continente’, mas não nega absolutamente a possibilidade.

Numa altura em que Portugal vive um dos momentos mais dramáticos em termos de “femicídio”, como Langbakk refere, a responsável reenvia todas as explicações para um relatório recente publicado no EIGE sobre os Estados-Membros, incluindo Portugal (que pode ser consultado aqui no orignal) e pede para se olhar para o que foi dito em novembro último. Nessa ocasião, aquele organismo europeu recomendou que “os dados recolhidos sobre o número de medidas de proteção aplicadas no âmbito de casos de violência em relações de intimidade” incluíssem informação sobre o sexo e a idade tanto da vítima como do agressor, além da relação entre os dois”.

Um documento que sugeriu ainda que “o crime de violência económica e o crime de violência em relações de intimidade “fossem “integrados na definição do crime de violência doméstica, no Código Penal português”.

Portugal vai fazer pela primeira vez, no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, a primeira greve feminista. Como olha para este tipo de iniciativas?

É importante mostrar esta consciência. Creio que a maioria das pessoas ignora ou desconhece o que está a passar. Penso que estas greves feministas podem mostrar à sociedade o que se pretende e defende. Elas podem explicar a situação e promover debates.

Seria possível organizar um evento desta natureza na Europa?

Em todos os países? Creio que, hoje em dia, as redes sociais estão a tornar tudo cada vez mais possível. Mas, claro, os vários países poderiam apresentar motivos diferentes.

Seria difícil uma plataforma comum?

Sim. Para sustentar mais mulheres na política, creio que isso seria defendido na maioria dos países. Agora, as questões específicas iriam impor-se.

Uma iniciativa destas não poderia ser uma prioridade?
Podia ser, a pouco e pouco. Não sei se em Espanha houve planos para envolver outros países e se, assim foi, tratou-se de uma boa campanha. Mas não sei quais são os objetivos. Podemos usar as estatísticas e perceber quais os países que estão longe desta disparidade e quais os que se estão a aproximar e planear qualquer coisa em conjunto.

“Podemos usar as estatísticas e perceber quais os países que estão longe desta disparidade e quais os que se estão a aproximar e planear qualquer coisa em conjunto”

Como olha para o futuro das mulheres na Europa quando estamos perante o crescimento do populismo e da extrema-direita?

Estamos a trabalhar isso dentro de portas e a ideologia tem de ser vista como um entendimento conjunto. O nosso papel é encontrar os grandes desafios, encontrar as diferenças, as disparidades, é que mulheres e os homens não estão, por exemplo, no mesmo plano na educação. Mas quando fala em populismo, é preciso perceber os diferentes aspetos. O que estamos a procurar fazer é olhar um passo abaixo.

Por exemplo?

Quando os populistas dizem não devemos aceitar os migrantes, não devemos aceitar refugiados. Temos de olhar para homens refugiados e mulheres refugiadas, homens migrantes e mulheres migrantes e, aí, olharmos para esta agenda da ideologia.

Também há mulheres que lideram estas ideologias mais populistas na Europa, como é que elas são entendidas?

Por muito tempo não tivemos as mulheres na política e mas não temos de fazer as mesmas perguntas dos homens: Como o que é? Porquê? Fazer isto ou aquilo em política? Fazemos estas perguntas às mulheres porque esperamos que elas têm de apoiar a igualdade. Devemos esperar isso, mas devemos também esperar que as mulheres tenham o mesmo direito de cometer erros, têm a mesma margem para defender múltiplas ideologias. Têm pontos de vistas diferentes, podemos não gostar, mas é a diversidade.

“As mulheres têm o mesmo direito de cometer erros, têm a mesma margem para defender múltiplas ideologias”

No que diz respeito ao assédio, os parlamentares europeus estão a fazer o suficiente?

Se fala do Parlamento Europeu (PE), não sei em concreto o que estão a fazer. Mas sei que as regras do PE são diferentes das que usamos, nós agências e na Comissão Europeia temos mais regras e mais definidas por onde seguir. No EIGE fazemos mais do que pedem as regras. O PE, pelo que percebo, tem ligeiramente menos regras contra o assédio, mas claro que o #MeToo podia puxar por isto.

Pergunto porque depois do movimento, das denúncias e dos compromissos, vemos que apenas 35 dos mais de 700 parlamentares frequentaram os ações de formação relativamente a este aspeto.

Sim, no treino. O PE deve ir além do que do que está estabelecido como prática regular em matéria de assédio. Podemos dar factos, fazer propostas e tudo isso, mas acho que os media e outras organizações devem insistir nisso.

O que pode o Parlamento Europeu pode ainda fazer rumo à Igualdade de Género tão rápido quanto possível e a pouco mais de dois meses das eleições europeias?

Incrementar a qualidade. Quando investirem um novo PE, devem sentar-se, seguir as regras e olhar para um equilíbrio das divisões das presidências. As eleições são nacionais, mas depois devem analisar a posição das mulheres. Hoje, há apenas duas mulheres nessas funções. O PE deve olhar para a questão do assédio e ver as quais as possibilidades para o evitar.

Falou na importância de se passar a usar a linguagem de género neutra. Porquê e quais os efeitos práticos que antecipa com esta medida?

O que escrevei sobre o tema passou por perguntar porque usamos sempre o ‘ele’? ‘Ele fez isto, no âmbito das funções que ele exerce. A minha pergunta é porque não ele/ela. A resposta que obtive à pergunta foi que tal acontecia com base no que se fazia nos tempos da Roma Antiga. Se pensarmos que cada vez que fazemos isto estamos moldar a mente das pessoas, sobretudo das mais novas, tal quer dizer que temos de criar realmente uma possibilidade que os misture e que os junte. Este uso do vocabulário pode ter outras potencialidades, estamos a lidar com efeitos na personalidade colocando já determinados papéis que ele ou ela tenham. Na realidade, falamos de estereótipos.

Imagem de destaque: DR

Europa: Da ‘macho culture’ e do assédio às exigências das mulheres na política