Mulheres param Argentina contra o feminicídio

Argentina
Protesto contra o feminicídio, em Buenos Aires, Novembro de 2015, REUTERS/Marcos Brindicci - RTX1VV64

 

Manifestações e uma greve geral de uma hora marcaram esta quarta-feira (19 de outubro) a Argentina.

A “Quarta-feira Negra”, como foi classificada a jornada de protesto, aconteceu na sequência da violação e homicídio de Lucía Pérez, no passado dia 8 de outubro, e surgiu com uma mobilização sem precedentes da sociedade argentina contra o feminicídio – quando a mulher é assassinada pelo facto de ser mulher e os crimes cometidos incluem agressões ou mutilações dirigidas ao corpo e à condição feminina.

Com esta ação, intitulada #NosotrasParamos (Nós Paramos) e impulsionada pelo movimento promotor do protesto Ni Una Menos, é a primeira vez que a greve (neste caso com a duração simbólica de uma hora) é utilizada pelas mulheres para combaterem o feminicídio. A iniciativa envolve as principais estruturas sindicais do país, universidades e organizações sociais, entre outros grupos.

Esta mobilização começou com um protesto na cidade costeira de Mar del Plata, onde ocorreram os crimes que vitimaram Lucía Pérez. O caso chocou o país pela brutalidade das agressões à jovem e pela sua preparação e tentativa de encobrimento.

“Um conjunto de atos tão aberrantes”
“Nunca vi um conjunto de atos tão aberrantes”, declarou aos jornalistas argentinos a inspetora da polícia María Isabel Sánchez, perante aquilo a que foi submetida a jovem de 16 anos.

De acordo com a investigação, Lucía Pérez foi drogada com uma quantidade elevada de marijuana e cocaína e “violada via vaginal e anal” pelos suspeitos, que ainda usaram “um objeto pontiagudo, como um pau” para a molestar. A morte da jovem resultou de um “reflexo vagal”, com consequente paragem cardíaca, causado pela violência dos abusos que sofreu. Segundo afirmou, María Isabel Sánchez a jovem morreu devido à “dor excessiva” de ser empalada.

Para encobrirem o crime, os homens lavaram o corpo da vítima, vestiram-na com outras roupas e transportaram-na para um hospital, alegando que a jovem tinha sofrido uma overdose. Mas, de acordo com o jornal ‘Clarín’, a jovem já estava morta quando os médicos a tentaram reanimar.

A justiça argentina deteve três homens suspeitos de estarem envolvidos na violação e morte da jovem. Matías Gabriel Farías, de 23 anos, Juan Pablo Offidani, de 41, foram os primeiros a serem presos, sendo posteriormente detido Alejandro Alberto Masiel, um homem de 61, que é acusado de ter ajudado os outros dois suspeitos a encobrir os crimes.
O assassinato da jovem é um entre as centenas de casos de feminicídio registados anualmente no país. O Supremo Tribunal do país registou 235 casos em 2015, mais dez que no ano anterior.

Segundo o ‘El País’, desde a morte da adolescente, pelo menos outras três mulheres foram mortas no país: Silvia Filomena Ruiz, de 55 anos, foi esfaqueada pelo ex-marido, Marilyn Méndez, de 28 anos, estava grávida de três meses quando foi esfaqueada, pelo ex-namorado, e Vanesa Débora Moreno foi morta pelo marido, aos 38 anos.

Brasil já tem crime de feminicídio, Portugal ainda não tem
Em 2015, o Brasil aprovou a criação do crime de feminicídio no seu ordenamento jurídico. A lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 inclui a tipificação no rol dos crimes hediondos e define-a como o crime “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”.

No caso do Brasil, é considerado feminicídio, o crime que envolve “violência doméstica e familiar” e/ou “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Por ser classificado como crime hediondo, a pena pode ser agravada em um terço e até a metade se o crime for praticado “durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto”, “contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência” ou “na presença de descendente ou de ascendente da vítima”.

Em Portugal, não existe a tipificação deste crime, algo que a UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta gostaria de ver mudado. “Nós achamos que a violência de género existe e é real e faz todo o sentido estar discriminada. Defendemos a palavra feminicídio para distinguir os homicídios contra mulheres que foram efetuados com uma perspetiva de género. Os casos de mulheres que morreram vítimas de violência ou violência sexual deve ser usado”, defende ao Delas Joana Sales, membro da direção da associação.

Em Portugal, a única distinção que é feita em matéria de homicídio que existe é o infanticídio – homicídio de crianças. Situações de morte por violência doméstica, onde se verifica o maior número de mulheres mortas, estão contempladas no crime de homicídio.

Segundo fonte judicial ouvida pelo Delas, os crimes de violência contra mulheres na sequência de agressões sexuais e fora da relação conjugal ou afetiva são pouco significativos no país.

“O crime que está tipificado é o homicídio. Com o crescente aumento de mulheres mortas às mãos dos maridos até poderia fazer sentido já haver um crime autónomo, mas em Portugal o homicídio continua a ser punido e a abranger a situação de homicídio de mulheres mais comum, que é no âmbito da violência doméstica”.

Para a associação as atuais leis são insuficientes e isso não se aplica apenas ao feminicídio. “A UMAR está com uma iniciativa cidadã em curso de criminalização do assédio sexual no trabalho, porque noutros países, como França, Espanha e o Brasil, o assédio sexual é crime. Aqui é só uma contra-ordenação muito grave no Código do Trabalho”, lembra Joana Sales.


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Imagem de destaque: Marcos Brindicci/Reuters