Sofia Vilarinho:”Não trazemos apenas uma África mas as várias Áfricas que existem”

Designer Sofia Vilarinho
Lisboa, 09/01/2017 - A designer Sofia Vilarinho é a diretora da mostra Moda Angola a ter lugar em Lisboa em 21 e 22 de Janeiro. (Paulo Alexandrino / Global Imagens)

Dia 21 e 22 de janeiro o Instituto Superior Técnico recebe no seu Salão Nobre a MODAAFRICA, um evento que traz a Portugal alguns dos mais reconhecidos criadores de moda africanos. Estivemos à conversa com Sofia Vilarinho, responsável por este evento e fundadora da Associação de Moda Africana, que nos contou tudo sobre o sistema de moda africana, que em tanto se distingue do modelo industrial europeu.

Como teve a ideia de criar uma semana de moda africana?

Isto foi um longo percurso desde um doutoramento com esta temática ligada a África em 2009. Comecei por investigar um pano africano e depois acabei por seguir um doutoramento na área do sistema de moda africano, que é um mundo novo. Na Europa, pelo menos a academia nunca se fala do sistema de moda africano.

Qual é a grande diferença do sistema de moda africano?

A primeira grande diferença é que a moda é muito mais exposta do que na Europa, em África vemos os alfaiates a criar na rua, mas também trabalham com os estilistas que vão ter com eles. Assistimos a um processo criativo ao ar livre que é fascinante, o nosso é muito mais fechado nos ateliês. Mas também têm um lado muito cosmopolita porque os estilista viajam muito, compram panos noutros países dentro e fora de África, aí percebemos que não é um sistema tão local e que em nada é atrasado me relação à Europa. Isso foi uma novidade porque realmente no ensino académico ninguém nos fala do sistema de moda africano. O século XXI traz-nos esta revolução, que daqui a dez ou quinze anos irá pôr os alunos de moda a estudar moda. O século XXI está para África e para made in África.

Esquiços dos modelos de Ikilomba, uma das criadoras presentes no MODAAFRICA. (Paulo Alexandrino / Global Imagens)
Esquissos dos modelos de Ikilomba, uma das criadoras presentes no MODAAFRICA. (Paulo Alexandrino/Global Imagens)

 

E África tem capacidade de produção?

Sim. Tem muitas comunidades e muitos alfaiates. O orgulho de ser alfaiate é tão grande que até nos passaportes têm essa identificação profissional.

Esse trabalho produtivo é muito mais artesanal do que o europeu?

É, mas a moda também se está a virar cada vez mais para esse tipo de processos. A MODAAFRICA traz muito essa ideia de sustentabilidade porque os nossos criadores têm muito este ritmo lento de produção e da moda que está muito virada para as comunidades, a roupa ajuda ao desenvolvimento das comunidades desfavorecidas, por isso existe sempre esta conotação social, outros estão mais ligados aos materiais usando fibras de origem naturais ou reciclados. A moda revela esta África contemporânea e que já trabalhava há muito tempo a área da sustentabilidade e que está tão em voga à escala internacional.

Como é que caracteriza a identidade africana na moda?

Não existe uma identidade. Aliás a identidade é algo de que andamos todos à procura, hoje em dia falar de identidade a uma escala global é muito complicado. O que nós trazemos são designers que não fazem apenas o tradicional pano africano. Porque ir para além do tradicional também é África e identidade africana, tenho em conta essa diversidade quando escolho os designers.

Como é feita essa escolha?

É muito criteriosa. Passo meses a pesquisar os criadores que estão a ver o seu trabalho reconhecido mundialmente e isso é uma seleção rigorosa.

Como é que a Sofia faz essa pesquisa?

É por investigação. Eu sou uma investigadora, venho do doutoramento. Quando estudei opano de Moçambique investiguei tudo o que está à volta e acabei por mapear o criadores. Eu tenho uma ideia geral dos criadores que têm causado maior impacto.

Neste momento quem é que acha que está a ter maior impacto?

A nível mais comercial temos um criador Moçambicano que é o Taibo Bacar que tem uma grande projeção. E na África do sul também há vários criadores que estão muito internacionalizados. Nós vamos captando estas estrelas da moda africana, temos por exemplo a Adama Paris que é extraordinária e vai encerrar o dia de sábado. A abrir vamos ter a José Hendo que está muito bem conotada na área da sustentabilidade, tendo inclusive ganho vários prémios.

O que é que este reconhecimento dos criadores africanos acrescenta à moda mundial?

Se calhar dá humildade aos europeus, para não sermos tão eurocêntricos. Claro que isto também é estratégico, a economia africana está neste momento a borbulhar e por isso também nos interessa. Isto também nos interessa à MODAAFRICA é uma plataforma de marketing e comunicação mas também de negócio.

Lisboa, 09/01/2017 - A designer Sofia Vilarinho é a diretora da mostra Moda Angola a ter lugar em Lisboa em 21 e 22 de Janeiro.  (Paulo Alexandrino / Global Imagens)
(Paulo Alexandrino / Global Imagens)

E porquê Portugal?

Lisboa tem um historial incrível nas relações com África. E Lisboa, hoje em dia, é uma capital muito valorizada, sendo um dos destinos recomendados de 2017.

Existem diferenças criativas entre os diferentes países?

Sim e é isso que é tão interessante, nós não trazemos apenas uma África mas as várias Áfricas que existem. De Marrocos até à África de Sul nós temos pormenores identitários que distinguem as diferentes culturas.

Que distinções são essas?

Na moda passa muito pelo artesanato local e os elementos figurativos que são aplicados à roupa. Mas também temos criadores que poderiam ser de África ou de qualquer outro lugar do mundo.

Acha que perder esses elementos identitários é um ponto negativo ou é uma forma de estar mais integrado internacionalmente?

Depende muito da estratégia de negócio de cada marca. Mas cada vez mais se procura a identidade e um pouco em todo o lado, também na moda portuguesa isso acontece. Os designers africanos já não se contentam apenas com os panos africanos, procuram outros pormenores de identidade e isso também a torna muito mais rica.

Interessou-se por este tema há seis anos, quais são as principais diferenças da moda africana desde essa altura até agora?

Hoje está muito mais trendy, os criadores estão mais convictos que os seus trabalhos fazem sentido, porque estão a ser reconhecidos lá fora.

Em Portugal acha que temos uma maior abertura por termos uma ligação muito grande a África?

Não, acho que os portugueses não são muito abertos a África e o sistema de moda também não se abriu, só se abriu porque é uma tendência mundial.

Como foi a aceitação do evento em África?

Foi ótima, porque é uma oportunidade de estarem na Europa, que é um sonho que os africanos têm sempre.

A Sofia também organiza uma atividade de ação social de alfaiates africanos, qual é a principal diferença entre os alfaiates e os designers?

Essa foi uma questão a que eu tentei responder na minha investigação durante muito tempo. Há alfaiates que são muito criativos e são quase considerados estilistas. Designers africanos, é outra coisa, porque se relaciona com o processo metodológico de pesquisa e produção da ideia. Um estilista tem a ver com estilização de um pano sobre um corpo, sem que exista necessariamente um conceito. Em África há muito mais estilistas que designers, existe de facto uma grande diferença de processo de trabalho. Os alfaiates são quem executa. Mas no projeto de inclusão social Atelier de Alfaiates Africanos temos alfaiates que são muito criativos e depois de passarem por este projeto acabaram por se tornar estilistas, porque nunca tiveram essa oportunidade antes.

Como funciona esse projeto?

O Atelier de Alfaiates Africanos começou desde 2011 com uma parceria com o Modatex. É um trabalho de formação, em que há um grande respeito pela cultura e pelo conhecimento destas pessoas que são alfaiates desde a infância. Por isso criámos um sistema de educação em que todos aprendemos, com uma grande partilha cultural e de métodos de fazer roupa. Dos vinte alfaiates formados tivemos cinco que conseguimos legalizar e que conseguissem o seu emprego na área da moda.

As pessoas que participam neste programa são residentes em Portugal ou chegam propositadamente de África?

São imigrantes que estão cá a viver e que eram alfaiates no seu país, mas que a maioria acaba por vir trabalhar nas obras.

Há muitos alfaiates em África?

Imensos. Nas ruas vemos os alfaiates a trabalhar. A moda é muito um live acting, vemos as pessoas a experimentar a sua roupa na rua. Os grandes alfaiates e o conhecimento desta arte vem muito dos árabes, por isso o Senegal, a Guiné, a Gâmbia… Todos os países da África ocidental são muito fortes na alfaiataria. E são na sua maioria homens os que têm este ofício, porque descendem de uma tradição muçulmana. Depois também Moçambique tem vários alfaiates, vários que chegam destes países e tentam ir para África do Sul, outros da parte muçulmana do país, e ainda os que apareceram das missões católicas que punham os meninos a aprender costura. Em Maputo há muitos alfaiates católicos. A MODAAFRICA está muito associada a este projeto de integração social dos alfaiates africanos.

Como é que funciona essa ligação?

É por doação, no fundo o projeto é divulgado na MODAAFRICA e é solicitado um apoio aos visitantes.

Existem várias semanas de moda africanas internacionais, algumas delas associadas aos calendários oficiais de moda, acha que era possível essa coligação em Portugal?

Não, acho que são coisas diferentes e para mercados bastante distintos. No futuro podemos criar parcerias mas com semana de moda africanas internacionais.

Acha que faz sentido ter uma semana de moda exclusivamente africana, ainda é preciso identificar África como algo isolado?

Não acho que seja isolado, é especifico e exclusivo. O foco é importante, claro que pode haver inclusão de outros criadores, mas o meu foco enquanto criadora do projeto é África.

E porque esse interesse por África?

Porque tenho uma paixão por este continente e quero conhecer cada vez melhor o sistema de moda africano que é tão rico e tão pouco falado. A minha ambição, pelo menos em Portugal é dar a conhecera potencialidade criativa africana.