A cartada feminista convence. Mas vence?

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Marine Le Pen ensaiou a estratégia a 4 de fevereiro, em Lyon, ocasião em que lançou o seu programa às presidenciais francesas e voltou a fazê-lo esta semana, a dias de ter lugar a primeira volta para a presidência da república francesa: falou das mulheres e para as mulheres. Esta opção foi reiterada numa altura em que as sondagens vão dando conta da sua perda de hegemonia de vitória à medida que o sufrágio se aproxima.

Estará Le Pen a jogar a cartada feminista, tal como Hillary Clinton fez nos Estados Unidos da América em vésperas das eleições que ditariam a sua derrota, não nas urnas, mas no número de representantes eleitos, o número que verdadeiramente conta para receber o bilhete de acesso à Sala Oval, na Casa Branca?

Ao Delas.pt, Irene Flunser Pimentel, historiadora contemporânea, crê que o apelo à massa eleitoral feminina não prejudicou a primeira mulher a candidatar-se ao mais alto cargo da nação norte-americana:

“Hillary Clinton já tinha os seus apoiantes e os seus adversários e não penso que tenho sido o facto de se considerar feminista que a fez perder as eleições – aliás, com mais cerca de 3 milhões de votos do que Trump. Este último ganhou as eleições com a cartada ‘antipoliticamente correta’ e ‘antisistema’ populista, que na realidade era misógina, racista, xenófoba e de extrema-direita.”

Por isso, para a especialista é claro o que a líder de extrema-direita está a fazer: “Claro que Le Pen procura cativar o máximo de votantes, utilizando os receios de muitos e muitas que vêm no Islão apenas o terrorismo e o fundamentalismo.” Por isso, o trunfo em causa “deveria estar em todos e quaisquer candidatos, mas é apenas um engodo na extrema-direita”.


Recorde o ataque que Le Pen fez a Hillary Clinton


Porém, a historiadora faz questão de distinguir não só as duas mulheres, mas acima de tudo a forma como jogam esta partida feminista. Irene Fulnser Pimentel afirma:

“Marine Le Pen tem o mesmo programa que Trump, mas está a utilizar a ‘cartada’ feminista, que é na realidade uma atitude antimuçulmana e xenófoba, pois diz que é a única defensora das mulheres contra a forma como Islão as trataria. Curiosamente, ela inspira-se nos líderes autoritários, fascistas e nazis que tentaram todos a cartada – não feminista – ‘feminina’, tentando colocar as mulheres, consideradas mais conservadoras, ao seu lado”.

Na verdade, por ocasião da apresentação do seu programa presidencial, onde constavam 144 medidas, Le Pen reservava a nona para as mulheres. “Defender os direitos das mulheres e lutar contra o islamismo que fez recuar as liberdades fundamentais; pôr em marcha um plano nacional pela igualdade salarial entre mulheres e homens e lutar contra a precariedade profissional e social”, lê-se no documento.

Americanos queriam, sobretudo, a mudança

Sarah McCarthy Welsh também não conjuga a derrota com o sexo feminino. Em entrevista recente ao Delas.pt, a diretora-executiva do Massachusetts Women’s Political Caucus, considera que “foi uma questão circunstancial” porque, considera, que “muitas das pessoas que votaram em Donald Trump queriam uma grande mudança e mesmo sendo a Secretária Clinton uma mulher, é irónico, mas ela não seria vista, até pelos millennials, como uma candidata de mudança. Para as mulheres mais velhas provavelmente seria: ‘finalmente, vamos ter uma mulher presidente’. Mas os mais jovens não estavam tão interessados em eleger uma mulher, como estavam na mudança que o Bernie Sanders oferecia, nas ideias alternativas que Donald Trump oferecia. Não acho que os americanos não estivessem preparados, simplesmente acho que as pessoas queriam uma mudança mais radical e tiveram-na”, afirmara.

Mais direta ao assunto, a atriz Susan Sarandon também tirou as suas ilações da não-eleição de Hillary Clinton, numa declaração que ameaça ficar para a história.

“Não voto com a vagina”, declarou a galardoada atriz, em entrevista ao canal público britânico BBC. “Vocês tiveram uma mulher [como chefe de Estado]. Não sei como se sentem relativamente a isso, mas eu não voto com a minha vagina, sabem? Isto é maior do que isso”. Indo mais além, afirmou que “o medo de Donald Trump não” era “suficiente” para “apoiar Clinton, com o seu registo de corrupção” e considerou ser “insultuoso para as mulheres pensarem que se deve apoiar uma candidata só porque é uma mulher”. Sarandon queria com isto dizer que, querendo uma mulher no mais alto cargo da nação, queria ter a certeza de que “era a certa”.

A “senhora como nós” que quer ir direta ao coração

Ninguém resiste à defesa das causas dos animais? Marine Le Pen também abraça essa causa e tem mostrado imagens disso mesmo. A sua conta de Twitter tem sido, nos últimos dias, usada para partilhar imagens – fotografias e vídeos – dos seus gatos Johny e Blanc.

[Fotografia: Twitter]

Mas antes deste primeiro embate, a ação na internet era um pouco distinta. Marine fez publicar, a 4 de fevereiro, quatro milhões de exemplares de um pequeno fascículo de quatro páginas onde mostrava, em texto e imagem, o seu percurso profissional e pessoal, ao lado das irmãs e dos seus três filhos (sem o pai, fundador da Frente Nacional). Um dos títulos da capa, que partilhou na sua conta de Twitter, não deixava margem para dúvidas:

“Quero defender as mulheres francesas”.

Para colmatar, Marine sempre se apresentou modesta, prática e vigorosa. Um papel que lhe chega emprestado pela imagem que usa e que lhe valeu o epíteto de “Madame como nous”, ou seja e em tradução literal, “senhora como nós”.

“Eu sou mulher e trabalho, não sou eu que vou meter as mulheres em casa”, afirmou a líder de extrema-direita numa das conferências que deu junto de estudantes da universidade, em França.

Citada pelo Le Monde, Le Pen vinha deitar, então, por terra qualquer retórica que apontasse para o o facto de o seu partido defender uma posição retrógrada em relação ao sexo feminino.

Uma cartada que deveria ser, afinal, transversal

Para Irene Flunser Pimentel, mais do que haver candidatas para as mulheres, a “cartada feminista” deveria ser utilizada por todos os candidatos que se preocupam com a questão da igualdade e da paridade”, refere a historiadora, que fala não como “politóloga”, mas como “mera cidadã atenta, e feminista”. E acrescenta:

“Ser feminista é como ser anti-racista. É haver uma preocupação com a igualdade entre os seres humanos, independentemente do género, etnia ou religião.”

Mas o recurso a esta estratégia acontece porque “pelo menos na Europa e no mundo ocidental, o feminismo é de certa forma hegemónico na opinião pública, mesmo que as pessoas tenham relutância em se considerarem feministas”.

Imagem de destaque: Robert Pratta/Reuters