Abuso sexual. Vítimas recebidas pelo Papa dizem-se “seguras”, “cheias, iluminadas, com esperança”

Rute Agulhas
Psicóloga forense Rute Agulhas [Fotografia: Paulo Spranger/ Global Imagens]

Foi um dia intenso, reparador e uma noite de adrenalina e alguma insónia quer para os elementos do grupo VITA quer para as 13 vítimas de abuso sexual recebidas pelo Papa Francisco, na Nunciatura Apostólica, a 2 de agosto.

A coordenadora do grupo VITA, Rute Agulhas, conta à Delas.pt que esta quinta-feira, 4, já falou com algumas das pessoas que estiveram presentes neste encontro. “Hoje já falei com algumas vítimas e elas dizem que se sentem a processar esta experiência, dizem-se cheias, iluminadas, com esperança”, descreve.

“Vítimas que, de alguma forma, tinham perdido a sua fé ou confiança em Deus e sentem que agora pode ser diferente. Sentem-se mais seguras no que acreditam. Foi um momento muito importante”, revela a psicóloga forense. “Hoje recebi uma mensagem de uma vítima agradecer um aspeto que considero muito relevante, a dizer que “se sentiu num ambiente muito seguro”, acrescenta.

“Houve muita solidariedade e proximidade”

“Houve uma senhora que, a determinada altura, teve alguma dificuldade em respirar e uma vítima foi ajudá-la a acalmar-se e um senhor que teve também num momento dificuldade em falar e foi ajudado pelos outros. Houve muita solidariedade e proximidade, foi muito importante estas pessoas terem estado juntas e terem tido a oportunidade de se conhecerem. Estavam no mesmo contexto, todos tinham algo em comum e a apoiaram-se, sentem-se acompanhados talvez”, considera Rute Agulhas, falando de alguns momentos que mais a impressionaram da tarde de confrontação com a dor, diante de Papa Francisco.

E se este momento que considera “reparador” ainda está a ser processado, a psicóloga clínica crê que o reconhecimento dos escândalos e a imagem comprometida da instituição, feita pelo Papa Francisco aos membros do Clero, no Mosteiro de Belém, a 2 de agosto [e antes do encontro com as vítimas] pode ter um efeito amplificado. “Sentiram alguma ajuda por o Papa ter reconhecido esta problemática nas palavras, tem mais impacto nas necessidades de todas as vítimas”, explica.

“Algumas [das vítimas] viram o que ele disse no Mosteiro de Belém durante a tarde, estávamos numa sala com televisão, cuja emissão estava em direto. Mas, muito honestamente, eles estavam a conversar muito entre eles. Talvez hoje tenham mais oportunidade para ouvir e processar as palavras”, considera.

A psicóloga forense e coordenadora do Grupo VITA crê que “as vítimas esperam e valorizam as palavras que se transformem em ações. As mudanças dentro da Igreja e as medidas que o Vaticano tem tomado nesta problemática são essenciais para elas. É que todas têm um denominador comum, já não podem impedir o que lhes sucedeu, mas podem prevenir, e estão muito focadas nisso, em encontrar estratégias de prevenção que passam por mudanças nas escolas, confessionários, seminários, em evitar cada vez mais situações em encontros individuais e sem supervisão”, contextualiza.

Vítimas passaram a tarde juntas

As 13 pessoas que foram recebidas pelo Papa Francisco, às 19.00 horas, encontraram-se horas antes, pelo almoço de quarta-feira, 2 de agosto, e passaram a tarde juntas. “Houve muita solidariedade e proximidade entre estas pessoas, tiveram oportunidade de se conhecerem, estavam, afinal, no mesmo contexto, todos tinham algo em comum e apoiaram-se. Sentiram-se acompanhados talvez”, descreve Rute Agulhas.

Uma decisão que Rute Agulhas com satisfação. “Quando pensei em juntar todas as pessoas à hora de almoço, elas não se conheciam, não saberia o que poderia acontecer, mas acabou por ser muito positivo por criar este clima de segurança entre todos”, analisa.

O Papa Francisco “ouviu, escutou, olhou as pessoas olhos nos olhos, com interesse e com atenção. O encontro começou ao fim da tarde e entramos pela hora do jantar do Papa, mas não houve pressa, cada um falou o que entendeu”, descreve a responsável. O Sumo Pontífice “pediu perdão com muita vergonha por ele e pela Igreja, reconheceu que se trata de situações que deixam muitas cicatrizes”.

Também deixou palavras ao grupo VITA, como antecipa Agulhas. “Agradeceu ao grupo VITA três ou quatro vezes. Foi muito memorável também para nós. O Papa pediu para não nos silenciarmos, para ouvirmos, para irmos até onde tivéssemos de ir no nosso espírito de missão. O grupo VITA saiu reforçado deste encontro no trabalho que está a desenvolver”, afirma a psicóloga forense.

Pedidos de ajuda continuam a chegar

Dois meses depois da constituição do grupo, os casos de pedidos de ajuda por abuso sexual continuam a aumentar. “Desde 22 de maio, recebemos 40 pedidos de ajuda. Chegam pessoas que precisam de apoio psicológico e apoio psiquiátrico”, revela Rute Agulhas. “Alguns estavam nessa primeira estatística [da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as crianças na Igreja Católica Portuguesa], mas a maior parte das pessoas é a primeira vez que fala”, detalha a coordenadora da nova comissão de acompanhamento das vítimas.

“São de pessoas mais velhas, mas também temos situações do atual. Mas temos esta linha direta e reportarmos à Procuradoria Geral da República, à Polícia Judiciária e à própria Igreja. Há aqui um canal muito privilegiado entre todos na denúncia destes casos”, acrescenta Agulhas, que remete mais detalhes para o relatório de análise que há de ser apresentado em dezembro deste ano.