As avós mais radicais de Lisboa também ensinam a fazer crochet

Às 15h00 de uma quinta-feira subimos ao quinto andar de um prédio na Avenida Duque de Loulé, em Lisboa. Quem nos abriu a porta foi a avó Isabel, de lenço vermelho na cabeça, unhas pintadas de cinzento e amarelo e calçada com ténis da Adidas vermelhos. Tem 64 anos. Não tem netos de sangue mas todos a tratam por ‘avó Isabel’ por pertencer ao projeto ‘A Avó Veio Trabalhar’.

As mulheres que fazem parte desta iniciativa têm entre 50 e 90 anos. Querem combater a solidão que tanto afeta terceira idade e provar ao mundo que ainda têm muito para dar. Para isso, decidiram organizar dois workshops: um de bolos e outro de crochet, onde aproveitaram também para apresentar a sua nova coleção de almofadas. Conseguiram juntar algumas jovens mulheres e crianças. A avó Isabel foi quem ficou encarregue de receber, à porta, todas as que quiseram participar. Mas fez muito mais do que isso. Sempre agarrada ao smartphone a publicar fotos do evento no Facebook, também ficou responsável pela banda sonora.


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“Esqueço-me que isto está ligado à minha música”, diz a avó Isabel quando, sem querer, desliga o telemóvel da coluna, ao qual estava ligado por bluetooth. “Alguém me pode ajudar? A música deixou de tocar”, grita. Quando o problema já está resolvido escolhe novas músicas.

Enquanto na sala já um grupo de avós ensina cinco mulheres e uma criança a fazer crochet, na cozinha a avó Alice e a avó Fernanda preparam um bolo de chocolate enquanto conversam. De repente são interrompidas por um telemóvel. “De quem é este telefone? Meu não é de certeza, que a minha família respeita muito as atividades das avós”, revela a avó Alice, que assim que coloca o bolo no forno corre até à varanda para “fumar um cigarrinho”.

Soube do projeto ‘A Avó Veio Trabalhar’ através dos filhos e da neta, que lhe enviaram toda a informação pelo Facebook. “Começaram a dizer: ‘Mamã, isto é capaz de ser o teu estilo’. Precisava de qualquer coisa diferente. E era disto mesmo. Correspondeu às minhas expectativas”, confessa do Delas.pt a avó Alice.

Depois de entrar no projeto trocou, pela primeira vez na vida, os sapatos altos pelos ténis e começou a passar mais tempo fora de casa. Algo que deixa o marido com alguns ciúmes.

“Está sempre a dizer-me: ‘Qualquer dia começas a ir de madrugada para lá’. É nesse sentido que acho que ele tem um pouco de dor de cotovelo”, revela.

“É uma espécie de comunidade de aprendizagem, partilha e empoderamento”

O psicólogo Ângelo Compota e a designer Susana António são os responsáveis pelo projeto ‘A Avó Veio Trabalhar’, que arrancou em 2014. “Senti que não queria ser aquela designer que produz para a indústria, gostava de criar mais impacto na comunidade. É uma espécie de comunidade de aprendizagem, partilha e empoderamento, fazendo com que os idosos acabem por reivindicar o seu espaço na comunidade, é-lhes dado valor”, explica Susana António.

Começaram por ser 12 avós. Hoje são “60 e muitas”. E o número aumenta todos os dias. “As pessoas continuam a crescer aos 70, 80 ou 90 anos. Em todas as nossas coleções fazemos um shooting profissional com algumas das nossas avós e isso é muito importante em termos de autoestima”, acrescenta a designer.

No ateliê que o projeto tem na Rua do Poço dos Negros, em Lisboa, dezenas de avós juntam-se todos os dias para trabalharem e divertirem-se. Se passar por lá, não perca a oportunidade de conhecer estas avós tão animadas e o trabalho fantástico que têm desenvolvido nos últimos dois anos.

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