‘Barriga de Aluguer’. Três recomendações e um alerta que entidades “esperam” que governo tenha acolhido

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[Fotografia: pexels/Lazaro Rodrigues]

O prazo da entrega da criança após ponderação da gestante, a clarificação dos direitos e deveres das partes envolvidas, a necessidade de evitar tribunal após a criança nascida e a alocação de mais recursos a quem deverá fazer cumprir e acompanhar todo o processo. Esta última condicionante vai ter de convocar o envolvimento da Assembleia da República, agora dissolvida, a este processo.

Estas foram as três recomendações e o alerta feitas por duas entidades que deram pareceres não vinculativos à regulamentação para a Lei da Gestação de Substituição, conhecida comummente como ‘Barriga de Aluguer’, e que esperam que tenham sido acolhidas. Mas já lá vamos.

Antes, recorde-se que o decreto-lei que define as regras para a gestação de substituição foi aprovado em Conselho de Ministros, na quinta-feira, 16 de novembro, quase dois anos depois do fim do prazo legal para o efeito, fevereiro de 2022. Ainda assim, o diploma, ainda desconhecido, é celebrado pelas associações de apoio à fertilidade. “Recebemos esta notícia com enorme entusiasmo, a APFertilidade luta há vários anos pela Gestação de Substituição, no último ano e meio aguardávamos a aprovação desta regulamentação”, congratula a diretora executiva da Associação Portuguesa de Fertilidade. Joana Freire, que afirma não conhecer detalhes do diploma, acrescenta que “houve críticas fortes do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) que apontavam fragilidades importantes nos direitos do casal e da criança nascer”.

São exatamente esses pressupostos que ambas entidades esperam agora terem sido acolhidos pela regulamentação aprovada e que ainda terá de ir a Belém, para ser apreciada pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Maria do Céu Neves, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida espera que “todas as chamadas de atenção para a proteção máxima da criança e a clarificação dos direitos e deveres das partes envolvidas – beneficiários e gestantes – tenham sido contempladas”. E para lá do “lapso” do legislador em sugerir perguntar à gestante que não terá sido mãe porque não o foi, pedia clarificação quanto ao prazo da entrega do bebé após o período de arrependimento da gestante, até 20 dias após o nascimento. “Renovo a minha confiança de ver os prazos incluídos na regulamentação porque é importante não deixarmos as crianças e candidatos a pais biológicos numa situação de ambiguidade e dependência da gestante, segurando também o direito desta a refletir e ponderar”, acrescenta.

CNPMA pede meios urgentes à Assembleia da República

A presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), Carla Rodrigues, também pede acolhimento das recomendações feitas e volta a fazer um alerta. “Neste último projeto de regulamentação, o governo não previa as possíveis situações de conflito e também não as prevenia, remetendo qualquer falta de entendimento para os tribunais, sendo que não vamos dirimir eventuais conflitos decorrentes de uma criança entretanto nascida para esse processo porque ela tem de saber quem é, quem é a família, com quem fica”, sublinha a presidente

Carla Rodrigues reitera ainda que, uma vez aprovada a regulamentação, a CNPMA “não tem condições para cumprir estas novas competências” por “falta de meios”. “Já deixamos isso mesmo escrito preto no branco, em vários momentos e até já antes em pareceres à lei, ainda em 2021, e ninguém nos quis ouvir”, sublinha a presidente do organismo que vai ter de “analisar, receber, entrevistar as partes, emitir pareceres e fazer toda a gestão ulterior do processo de gestação de substituição”.

Cabe à Assembleia da República, agora dissolvida, dotar a CNPMA de meios, “problema que ainda não foi resolvido até agora”, alerta a presidente.

Marcelo ainda terá de analisar as novas regras

Tratando-se de um decreto-lei, este pode ser aprovado, mas pode ser também vetado ou seguir para fiscalização no Tribunal Constitucional.

Um processo que, portanto, pode ainda não acabar aqui, que há mais de seis anos tem andado em avanços e recuos e tem sofrido de timings difíceis, surgindo em momentos em que a Assembleia da República está dissolvida (finais de 2021 e outubro de 2023).

A lei da Gestação de Substituição saiu da Assembleia da República a 25 de novembro de 2021, com Marcelo Rebelo de Sousa a dar-lhe luz verde quatro dias depois. Entraria em vigor em janeiro de 2022 com prazo de 20 dias para a regulamentação, que chega agora quase dois anos depois.

Recorde-se que esse clausulado vinha definir um período de arrependimento para a gestante de substituição e que teria de coincidir, no limite, com o prazo para o registo da criança: 20 dias após o nascimento.

Uma decisão que chegou mais de três anos depois, após diplomas do Bloco Esquerda e do Partido Pessoas-Animais-Natureza.

Uma resposta que surgiu na sequência de o Presidente da República ter requerido a fiscalização preventiva da alteração ao regime jurídico da gestação de substituição. Esta tinha sido aprovada pelo parlamento a 19 de julho de 2019, que não incluiu a revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança e que foi imposta pelo Tribunal Constitucional.

Agora, o Conselho de Ministros fixou as regras que visam clarificar a lei de gestação de substituição, aprovada em novembro de 2021, para entrar em vigor no início de 2022. O decreto-lei, cujos detalhes não foram revelados, chega mais de 20 meses depois de findo o prazo concedido para regulamentação.

Segundo o comunicado, o novo diploma “cria condições para a concretização plena do regime da gestação de substituição, prevendo, nomeadamente, o procedimento administrativo de autorização prévia à celebração do contrato de gestação de substituição e o regime de proteção na parentalidade aplicável aos beneficiários e à gestante de substituição”.