Canadá. País ainda esteriliza mulheres indígenas à força depois de outros territórios já terem parado

pexels-olia-danilevich-5883857
[Fotografia: Pexels/Olia Danilevich]

Décadas depois de muitos outros países desenvolvidos terem parado de esterilizar mulheres indígenas à força, vários ativistas, médicos, políticos e pelo menos cinco ações coletivas alegam que esta prática não terminou no Canadá.

Um relatório do Senado, no ano passado, concluiu que “esta prática horrível não se limita ao passado, mas claramente continua até hoje”. Em maio, um médico foi punido por esterilizar à força uma indígena em 2019, noticiou a agência Associated Press (AP).

Líderes indígenas referem que o país ainda não reconheceu totalmente o seu passado colonial conturbado, ou pôs fim a uma prática de décadas que é considerada genocídio.

Não há estimativas sólidas sobre quantas mulheres estão a ser esterilizadas contra a sua vontade, mas especialistas indígenas garantem que ouvem regularmente reclamações sobre este tema.

A senadora Yvonne Boyer, cujo gabinete está a recolher os dados limitados disponíveis, destacou que pelo menos 12.000 mulheres foram afetadas desde a década de 1970. “Sempre que falo com uma comunidade indígena, fico inundada de mulheres a dizerem-me que foram alvo de esterilização forçada”, frisou Boyer, que tem herança indígena Metis, à AP.

Autoridades médicas nos Territórios do Noroeste do Canadá sancionaram um médico em maio por esterilizar à força uma mulher indígena, de acordo com documentos obtidos pela AP.

Andrew Kotaska realizou uma operação em 2019 para aliviar a dor abdominal de uma mulher indígena, sendo que tinha o consentimento por escrito desta para remover a trompa de falópio direita, mas não a esquerda, o que a deixaria estéril.

Apesar das objeções de outra equipa médica durante a cirurgia, Kotaska retirou as duas trompas de falópio. A investigação concluiu que não havia justificação médica para a esterilização e descobriu que Kotaska se envolveu numa conduta não profissional.

Milhares de mulheres indígenas canadianas nas últimas sete décadas foram esterilizadas coercivamente, em linha com a legislação de hominicultura que as considerava inferiores.

As Convenções de Genebra descrevem a esterilização forçada como um tipo de genocídio e crime contra a humanidade e o governo canadiano condenou a esterilização forçada em outros locais, inclusive de mulheres uigures na China.

Em 2018, o Comité das Nações Unidas contra a Tortura disse ao Canadá que estava preocupado com relatos persistentes de esterilização forçada, referindo que todas as alegações deveriam ser investigadas.

Em 2019, o primeiro-ministro Justin Trudeau reconheceu que os assassinatos e desaparecimentos de mulheres indígenas em todo o Canadá representavam “genocídio”, mas ativistas dizem que pouco foi feito para lidar com os preconceitos enraizados contra os indígenas, permitindo que as esterilizações forçadas continuem.

Num comunicado, o governo canadiano realçou à AP que estava ciente das alegações de que mulheres indígenas foram esterilizadas à força e que o assunto está nos tribunais.

Os povos indígenas correspondem a cerca de 5% dos quase 40 milhões de habitantes do Canadá. As mais de 600 comunidades indígenas em todo o Canadá, conhecidas como Primeiras Nações, enfrentam desafios de saúde significativos em comparação com outros canadianos.

Até a década de 1990, os indígenas eram, na sua maioria, tratados em hospitais segregados, onde havia relatos de abusos.