Catarina Mira: “O blogue é o meu trabalho a full-time, mas durante muito tempo fiz tudo o que me aparecia à frente”

Catarina Mira é uma das protagonistas do filme Solum, de Diogo Morgado, que estreia esta quinta-feira nas salas de cinema nacionais. Começou a entrar na casa dos portugueses com apenas 14 anos, na série Pica, da RTP2. Foi descoberta por um realizador enquanto fazia um videoclipe para o irmão, o famoso rapper Sam The Kid. Aos 16 mudou-se do Algarve para Lisboa, para ser apresentadora do programa de televisão da SIC Disney Kids.

Veio sozinha, mas a maturidade que já tinha na altura permitiu-lhe conciliar os estudos com o trabalho em televisão. Sempre sem se iludir com a fama. Aos 21 anos deixou-se guiar pela vontade de viajar e o sonho de ser atriz. Mudou-se para Londres, onde vive atualmente.

Nos primeiros anos, para pagar os estudos, trabalhou em restaurantes, call centers e lojas. Um percurso de que muito se orgulha e que fez dela a mulher desenrascada que é hoje. Além de atualizar o blogue, onde alimenta o gosto pela escrita e fotografia, tem vindo a fazer alguns trabalhos como atriz e espera, nos próximos tempos, poder levar ao ecrã a série e a curta-metragem que está a escrever.

Numa breve passagem por Lisboa, para a estreia de Solum, falou-nos sobre as gravações deste filme – poucas horas antes de o ver pela primeira vez – que conta a história de 8 concorrentes de um reality show, que os obriga a lutar pela sobrevivência, e da carreira que tem vindo a construir nos últimos 13 anos.

Como foi filmar este Solum?

Foi maravilhoso, muito desafiante em termos físicos e de trabalho de equipa porque é um filme de financiamento próprio, vem tudo do bolso do Diogo e do irmão, Pedro Morgado. Fazer um filme nessas condições é sempre complicado. Estou muito orgulhosa por termos feito um filme completamente diferente daquilo que se faz em Portugal, independentemente do resultado e da adesão das pessoas.

Ainda não viu o filme?

Fizeram um jantar de Natal onde reuniram todos, fizeram peru e viram o filme, mas eu não estava cá. Vivo em Londres, sou uma emigrante e vou ver hoje o filme pela primeira vez no grande ecrã. Estou um bocadinho nervosa, confesso.

Este filme conta a história de 8 concorrentes de um reality show que acontece numa ilha deserta. Como caracteriza a sua personagem, a Carol?

Ela é uma botânica, ou seja, muito ligada à natureza. Não quero dar spoilers, mas o outcam do filme acontece um bocadinho por acaso. Não é que ela tenha uma qualidade superior à dos outros concorrentes deste reality show, ela encontra aquele caminho um pouco por ordem do destino, tem uma sensibilidade e capacidade de andar entre realidades que os outros não têm. Foi essa a ideia do Diogo com a Carol, apostar nessa sensibilidade. É uma miúda que está muito em contacto com a humanidade e com ela própria. É isso que a salva. Às vezes é isso que acontece na vida real, só precisamos de saber quem somos. Espero que a minha Carol transmita isso.

Este filme foi gravado em várias ilhas dos Açores.

Sim, fomos a várias ilhas: Faial, Pico, Flores, São Miguel e Terceira, onde é a maior parte do filme. Os Açores, para mim, são o grande protagonista. A beleza que existe no arquipélago é surreal, nunca lá tinha ido. É incrível termos aquele pedacinho de paraíso a fazer parte do nosso país. Passar um mês naquele tipo de natureza é uma experiência que não temos na nossa vida normal. Especialmente as Flores. Lembro-me de estarmos a conduzir, fazermos uma curva na estrada e, de repente, vermos umas duas cascatas com cerca de 100 metros. É realmente arrebatador, parecia que estava no Jurassic Park. Os Açores fazem o filme, é uma homenagem muito grande ao nosso país e à sua beleza.

Quais foram as maiores dificuldades que sentiram durante as gravações?

Foi um filme difícil de se fazer porque não há dinheiro. O Diogo costuma dizer esta frase do António-Pedro Vasconcelos: “Num filme independente as coisas que falham são as coisas que o dinheiro podia pagar.” Foi mesmo um esforço de equipa enorme e estou mesmo muito orgulhosa disso. Os atores que estavam naquele filme não eram só atores, eram pessoas que estavam completamente imersas naquele projeto. Éramos produtores, guionistas, uma corrente criativa a tentar fazer o melhor possível dentro das condições que tínhamos. Foi mesmo desafiante em termos físicos por chovia muito e tínhamos um período de dias curto para fazer um filme. Se num dos dias chove tanto que nos impossibilita de gravar é uma catástrofe total e isso aconteceu. Felizmente houve um ambiente tão bom que conseguimos sempre reunir forças e voltar a trabalhar com o positivismo que é necessário neste tipo de projetos.

“Foi um filme difícil de se fazer porque não há dinheiro.”

Como se preparou para esta personagem?

O Diogo indicou-me alguns filmes para ver, inspirados em várias coisas. Um deles foi o Contacto, que realmente teve alguma influência no tipo de interpretação que ele queria que eu tivesse. É engraçado porque fiz um casting aberto para este filme. Vi um post no Instagram e candidatei-me sem fazer ideia se ia ficar ou não. Entretanto recebi um email em que diziam que gostavam de falar comigo. Aliás, o meu namorado estava em Portugal e na altura disse-lhe: “Vamos só ali a um recall (que é o nome que damos, em Londres, à segunda fase de um casting) de 10 minutinhos e depois vamos para a praia, prometo.” Três horas depois ele ainda estava à porta do estúdio do Diogo, que é em Almada, no meio do nada. Um amor. Só me perguntou: “Ficaste?” Nem reclamou por ter esperado três horas. Na altura disse-lhe que não sabia, mas que tínhamos tido uma grande conexão e falámos imenso tempo. Depois o Diogo partilhou o guião, sem saber se eu ficava ou não, e falámos imensas vezes sobre as personagens, contribuímos muito para a mudança da história. Ele é muito colaborativo nesse sentido. Para mim é importante falar sobre a personagem, mais importante do que qualquer ensaio, para perceber mesmo quem é essa pessoa e o Diogo funciona muito dessa forma também.

Aceita bem as vossas sugestões?

Completamente. Ter um realizador que também é ator é maravilhoso. Ele chega perto de nós e diz umas palavrinhas que mudam completamente a nossa performance. Não tenho nada a apontar, apesar de ser um filme com pouco budget fomos tratados maravilhosamente bem. O Diogo e o Pedro são os responsáveis por isso. O Diogo tratou-nos como gostaria de ser tratado em qualquer produção.

Qual foi a cena que mais gostou de gravar?

Uma cena à noite, numa fogueira com o Gonzalo Ramos. É uma conversa, um momento em que o filme respira um bocadinho. Isso para mim foi muito prazeroso porque andava há dias a correr em montanhas. Houve momentos mesmo muito difíceis. Lembro-me de estar num penhasco enorme, mesmo assustador, e estar uma chuva e vento intensos que parecia que me iam levar dali para fora. Era assim todos os dias. A cena em que estamos só na fogueira, a conversar, é a que dá ritmo ao filme. De resto estamos sempre a correr, a tentar sobreviver e com o tempo a acabar. Nessa cena respiramos um bocadinho e conhecemos essas duas pessoas. É um lado mais humano das nossas personagens que gostei muito de explorar.

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Preparou-se fisicamente?

Nem por isso. Não tinha ideia do quão difícil seria fisicamente, mas faço desporto regularmente. O mais difícil foi o facto de estarmos a correr no meio da natureza e não conseguirmos olhar para o chão porque tínhamos uma câmara à frente. Não dá para nos prepararmos para isso, só queríamos não cair. Não aconteceu nada, ninguém partiu uma perna nem nada do género. Só um acessório de uma câmara é que se partiu e o Pedro não ficou muito contente quando soube desse estrago.

Via-se a participar num reality show?

Talvez se fosse para estudar o meu comportamento, mas nunca ambicionei, apesar de não condenar. Há um que gosto muito de ver, o Love Island. É um programa a que as pessoas vão tentar encontrar o parceiro amoroso. Considero interessante a nível social e humano.

“Lembro-me de estar num penhasco enorme, mesmo assustador, e estar uma chuva e vento intensos que parecia que me iam levar dali para fora.”

Apesar de não ser português, o Solum foi feito por uma equipa maioritariamente portuguesa. Ainda há preconceito em relação ao cinema nacional?

O problema é que não existe uma indústria cinematográfica. O cinema é um hobbie para ricos, não se faz muito dinheiro e, por isso, só há duas opções: ou se faz cinema de autor ou comédias. O Diogo propôs-se a fazer algo fora da caixa, um filme que entretém mas, ao mesmo tempo, tem uma questão moral em relação ao nosso planeta. As pessoas também gostam disso. Vou ao cinema ver os Avengers e o Hunger Games, mas também vou ver o Roma. Gosto de todo o tipo de cinema e é isso que falta em Portugal por falta de apoios, de toda uma estrutura.

O facto deste filme estar em inglês pode fazer com que seja exibido noutros países?

Sei que o Diogo e o Pedro ambicionam fazer isso, não sei em que estado é que isso está. O inglês poderá facilitar a divulgação do filme, que é neste idioma por uma simples razão: o reality show é um evento mundial com personagens de várias partes do mundo. O planeta está inabitável e a língua comum entre eles é o inglês. Não foi propriamente para tentar vender o filme para outros países que o Diogo e o Pedro escolheram fazer isto nesta língua. Cada vez mais as pessoas estão abertas a outro tipo de línguas e culturas. Vemos isso na Netflix, onde há imensas séries espanholas, japonesas e coreanas, mas a mais vista é A Casa de Papel e é em espanhol. A língua, hoje em dia, não é uma barreira como era antigamente.

Este ano temos tido muitos filmes portugueses em cartaz. Por que razão é que isso está a acontecer?

Não tenho muita informação sobre isso. O Solum aconteceu porque tens dois irmãos que são completamente malucos da cabeça, endividam-se e não vão de férias porque querem fazer acontecer. Estamos a pôr-nos numa arena para a crítica. É muito fácil criticar, mas é muito difícil fazer acontecer, reunir as pessoas, o dinheiro e a equipa. Só por isso merece todo o sucesso que espero que tenha. Isto também é um apelo para que as pessoas se desloquem ao cinema e consumam aquilo que é feito em Portugal. Os Açores são um cenário lindíssimo, porque é que não há mais coisas a acontecer por lá? Sei que a deslocação torna difícil fazer-se um filme nas ilhas e deparámo-nos com isso. Imaginem o que é empacotar material de um filme inteiro e éramos todos a fazer isso, não existia propriamente uma equipa de produtores.

Começou a trabalhar em televisão muito cedo, durante a adolescência. Como é que isso aconteceu?

Comecei aos 14 anos numa série da RTP2, o Pica. Sou do Algarve e mudei-me para Lisboa aos 16 anos, quando comecei a fazer o Disney Kids. Foi o programa mais longo que tive, quatro anos e adorei a experiência, foi maravilhoso. Viajei imenso e aprendi muito. Vim parar a esta indústria um bocadinho por acaso. O meu irmão [Sam The Kid] é músico e a minha família sempre foi muito aberta a todo o tipo de artes. Quando tinha 12 anos ele fez uma música na qual me incluiu e convidou-me para fazer o videoclipe. Lembro-me que era uma reprodução do quarto dele no estúdio e o realizador, no final das gravações, perguntou: “A tua irmã não gostava de fazer um casting? Estou a fazer uma série para a RTP2.” Foi assim que aconteceu. Fiz essa série e depois disso fiquei agenciada pela Elite, que já é a minha agência desde essa altura. A partir daí fiz um filme do Marco Martins, Como Desenhar um Círculo Perfeito, as coisas desenvolveram-se e depois decidi ir embora, quando as coisas estavam a andar.

Na altura veio sozinha para Lisboa?

Sim, vim. Não sei como é que a minha mãe me deixou. Dei-lhe provas suficientes de que tinha a cabeça no sítio. Aos 16 anos já vivia sozinha, a minha escola secundária era mesmo ao lado de casa e ia a pé. Quando acabava a escola tinha alguém da produção do Disney que me ia buscar para gravar à tarde ou aos fins de semana. Eles foram maravilhosos durante essa altura. Continuei a estudar e fiz a faculdade ao mesmo tempo que fazia o programa.

“O Solum aconteceu porque tens dois irmãos que são completamente malucos da cabeça, endividam-se e não vão de férias.”

Conseguiu manter-se disciplinada.

Sempre consegui. Estou muito grata a essa experiência porque criei uma ética de trabalho que é fixe. Quando me mudei para Londres também fui estudar, tinha de pagar a escola e não havia outra hipótese sem ser trabalhar. Tinha aulas das 9h00 às 17h00 e depois trabalhava num restaurante desde as 18h00 até ao fecho. Essa ética de trabalho vem dessa altura do Disney, em que tentei coordenar as coisas todas.

Em que altura é que soube que queria fazer da representação a sua profissão?

Primeiro senti-me bem em palco através da dança. Sempre adorei dançar, foi a forma que encontrei de me sentir mais livre em toda a vida. Adoro a sensação de saber uma coreografia tão bem que não tenho de pensar e foi através da dança que pensei: este é o meu sítio. A partir daí as coisas aconteceram um bocadinho espontaneamente. Aos 13/14 anos não temos qualquer ligação com a rejeição. Não tinha noção do que estava a fazer, simplesmente fazia. Isso é uma grande vantagem quando estamos a representar. Quem me dera poder ter essa atitude hoje em dia e não me preocupar com aquilo que estou a fazer, com as expectativas do casting. É mágico quando temos essa confiança em nós e é algo que acontece muito mais facilmente na infância ou início da adolescência.

Porque decidiu ir para Londres?

Sempre quis viajar muito. Há momentos da minha vida que a mudam completamente e que não sei desconstruir. Lembro-me de que quando fui para Londres não sabia se ia entrar na escola ou não, mas marquei a viagem e decidi que me ia mudar para lá. Estava trabalhar desde os 14 anos, tudo o que estava a fazer era instintivo, não tinha qualquer tipo de formação, e pensei que gostava muito de explorar a minha vida profissionalmente e pessoalmente. Propor-me a essa aventura de estar num país onde não conheço ninguém e tentar desenrascar-me. Obviamente que fui com expectativas muito altas em termos profissionais. Achava que era muito fácil e é muito difícil. Funciona de uma forma incomparável à indústria portuguesa. Na altura Portugal só tinha uma diretora de casting, a Patrícia Vasconcelos, e em em Londres não é assim. Há centenas de diretores de castings, agentes, produtores e temos de saber exatamente quem são as pessoas. Demorei imenso tempo a arranjar um agente, é um processo muito difícil, como esculpir uma escultura com muitos detalhes. Temos mesmo que mergulhar fundo na indústria para perceber. Como estava a estudar ao mesmo tempo andava feliz da vida, não estava muito preocupada com o trabalho em televisão. Gostei desse desafio de estudar e trabalhar num restaurante. Não recordo esse momento como algo difícil. Foi um momento de descoberta incrível, diverti-me muito em Londres. A nível pessoal fez de mim alguém muito mais desenrascado, capaz de falar com qualquer pessoa e hoje em dia continuo lá, o meu coração está dividido.

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Foi sozinha?

Sim, completamente. Não conhecia lá ninguém. Zero.

Que trabalhos tem feito por lá?

Tenho o meu blogue, que agora é o meu trabalho a full-time, mas durante muito tempo fiz tudo o que me aparecia à frente, desde trabalhar em restaurantes, call centers e lojas. Percebo que seja complicado fazer isso em Portugal, até porque os salários nesse tipo de coisas não compensam tanto como compensam nesses países, mas em Londres é normal. As pessoas tão depressa estão a fazer uma novela na BBC como estão a trabalhar num call center, até há sítios próprios em que só empregam atores e te dão essa flexibilidade de poderes sair e ir fazer um casting. Não há qualquer tipo de preconceito em relação a isso, é o processo deste tipo de arte em que somos muitos a tentar comer o mesmo osso. Temos de subsistir de alguma forma e não tenho medo de trabalhar no que quer que seja.

“Tinha aulas das 9h00 às 17h00 e depois trabalhava num restaurante desde as 18h00 até ao fecho.”

Em Londres ainda há grandes diferenças, em termos socioeconómicos, entre homens e mulheres?

Não há igualdade de género, seja em Inglaterra, Portugal ou em qualquer outra parte do mundo. Sinto que há mais liberdade humana no sentido em que podemos ser quem somos mais livremente, não há muito esse julgamento quando andas na rua e te vestes de certa forma, mas em relação ao papel da mulher ainda há muito a fazer. Ser mulher é estar constantemente com medo, não sabemos o que nos vai acontecer. No outro dia, por acaso, estava a ouvir um podcast de um rapaz que mudou de sexo. Perguntaram-lhe qual era a maior diferente que sentia e ele disse: “Agora tenho muito mais medo.” As mulheres estão numa posição mais vulnerável e isso acontece em qualquer parte do mundo. Em relação à situação socioeconómica, é uma luta que ainda bem que está a acontecer. Há pessoas que pensam que o feminismo tomou proporções ridículas, mas não. Tem de acontecer e continuar. Estamos a anos-luz de as coisas estarem como deveriam estar.

No seu blogue, catarinamira.com, escreve em português e em inglês. Já tem muitos leitores no Reino Unido ou a maioria ainda são portugueses?

No blogue noto que é 50/50, no Instagram ainda tenho um público maioritariamente português, mas tenho muitos portugueses que vivem em Londres. É curioso e engraçado. Às vezes encontro alguém num avião ou no aeroporto e vêm falar comigo. Clicamos logo, há ali um ADN comum, de emigrante. Há muito pouco tempo conheci uma rapariga num avião e ficámos amigas. Tenho muito prazer em fazer o blogue e, para mim, é um trabalho tão importante como aquele que faço no ecrã. Às vezes as pessoas têm algum preconceito em relação à palavra blogger porque não há regras, qualquer pessoa pode ser, basta criar um site e começar a escrever, mas na minha cabeça é um conceito um bocado autodidata e abrangente. Fotografo, escrevo em português e inglês, faço todo o design do meu site e em Portugal tenho um agente para a relação com as marcas, mas em Londres faço isso sozinha, brand management e creative direction. As pessoas esquecem-se desse lado. É um trabalho como qualquer outro, mas percebo que os outros não entendam que isso é uma profissão. Gosto mesmo muito de comunicar, escrever, contar histórias e trabalhar com marcas que consumo. Adoro moda. O facto de ter um blogue não me impossibilita de fazer outras coisas, muito pelo contrário. Não tenho de estar a trabalhar num call center ou no que quer que seja. Posso desenvolver os meus guiões e outros projetos à parte.

Via-se a fazer mais qualquer coisa na área de moda?

Gosto muito de moda enquanto arte. Nunca fiz trabalho de manequim, apesar de ter tentado quando fui para Londres através da candidatura a algumas agências porque me dava jeito, mas na altura não aconteceu e está-se bem, não é a minha cena. Gosto de brincar com a roupa, descobrir designers que não são conhecidos e da sensação de ver um desfile de moda. É mesmo uma forma de comunicar e contar histórias. A roupa é muito importante. Sinto-me diferente consoante aquilo que visto, isso para mim não é fútil. Preocupo-me muito com a sustentabilidade. Compro coisas vintage, praticamente não compro nada que seja produzido em massa e faço muitas trocas com amigas. Cada vez mais tento conectar-me a essa causa também porque só 1% das roupas no mundo são recicladas, é ridículo.

Sente que dita tendências e influencia muitas pessoas no Instagram?

Em relação às tendências não sei, mas sei que o que as pessoas mais guardam e questionam das minhas partilhas são os livros. Tinha um clube do livro, a que achava que ninguém ia aderir. Deixei de fazer por isso mesmo e agora mandam-me mensagens a perguntar quando é que trago o clube do livro de volta. É algo que também me dá imenso prazer, adoro ler e não me importava nada de ser paga para isso. As publicações de moda também têm bastante engagement, mas não gosto muito da palavra influencer. Todos somos influencers, a minha mãe é uma influencer, ela influencia-me todos os dias. Gosto mais da palavra blogger porque associo isso a um conceito jornalístico e nem me descrevo como alguém que pretende influenciar, descrevo-me como alguém que comunica e gosta de contar histórias.

Que tipo de livros mais gosta de ler?

Leio maioritariamente livros de ficção. Não leio muito em português. Os livros cá são caríssimos. Em Londres consigo comprar um livro acabadinho de sair por 5 libras. Não me admira que as pessoas não leiam porque é mesmo muito caro ter acesso a esse tipo de cultura. Fui a uma livraria cá e os clássicos custavam 40 euros, como é que é possível? Sinto necessidade de ler mais em português, às vezes sinto que não me estou a conectar com a língua. Passo 80% do meu tempo a falar inglês e leio muito nessa língua, fico um bocadinho perdida.

“Não há igualdade de género, seja em Inglaterra, Portugal ou em qualquer outra parte do mundo.”

Fez também parte da série Morangos com Açúcar, que deve voltar em breve. Vai ser possível fazer uma série que consiga cativar uma geração que passa grande parte do tempo na Internet?

Espero que sim. Os Morangos foram uma série muito importante para a nossa geração, saíram de lá bons profissionais. Lembro-me perfeitamente de chegar a casa e lanchar em frente à televisão para ver. Isso ainda acontece hoje em dia.

Sim, mas temos a liberdade de escolher quando queremos ver.

Isso não há forma de contornar, mas olha agora com o Game of Thrones. No domingo todos ficam acordados até tarde. Em vez de se apostar numa melhor tecnologia deve-se apostar numa história melhor e personagens mais ricos. O esqueleto da história é sempre o mais importante.

Tem 27 anos. O que se vê a fazer daqui a 10?

Quero continuar numa descoberta. Não gosto de me impor metas nem de criar expectativas em relação ao meu futuro. É bom ter ambições sem definir o resultado. É por isso que quero continuar a minha luta em Londres porque gosto de me desafiar, de fazer castings numa língua que não é a minha e de desmistificar uma indústria que é completamente diferente da nossa. Isso faz-me crescer como pessoa e como profissional. Se não me levar ao estrelato não é problema desde que eu seja capaz de criar. Foi por isso que criei o blogue, a minha criatividade precisava de fluir de alguma forma e encontrou naquela janelinha online uma forma de se concretizar. Desde que continue a criar, seja em televisão, a escrever ou a fotografar, vou ser feliz.

Que trabalhos, na área de representação, tem para breve?

Escrever é das coisas que mais gosto de fazer e está no meu ADN. O meu pai e o meu irmão escrevem muito, sempre foi algo muito praticado em nossa casa. Gostaria de continuar a desenvolver os meus projetos, um bocadinho influenciada pelo Pedro e Diogo Morgado porque eles também vão à luta e fazem acontecer aquilo que desejam. Agora quero concretizar esses meus sonhos de trazer para o mundo ideias que tenho aqui na minha cabecinha, histórias que quero contar e fazer acontecer. Não tenho que protagonizar essas histórias sequer.

“Se não me levar ao estrelato não é problema, desde que eu seja capaz de criar.”

Esses guiões vão ser para teatro ou televisão?

Um dos guiões é uma curta-metragem e outro é uma série. Estou a ser muito ambiciosa, mas se não nos pusermos nessa posição de risco as coisas não acontecem. Se tiver de falhar não há problema.

Será em inglês ou português?

Está a ser escrito em português. Mesmo quando escrevo para o blogue escrevo em português e depois traduzo para inglês. Uma das histórias que quero contar é sobre Portugal e passa-se na ditadura, por isso faz sentido ser em português. A nossa língua é tão linda que merece ser celebrada e ouvida muito mais vezes pelo mundo fora.

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