EUA. Mais de 64 mil gravidezes indesejadas fruto de violações em estados que proibiram o aborto

USA LOS ANGELES ABORTION RIGHTS RALLY
Manifestante usa bandana verde, símbolo da luta pelos direitos ao aborto, nos protestos contra a possível restrição de direitos que corre no Supremo Tribunal norte-americano, [Fotografia; Caroline Brehman/EPA

Mais de meio milhão de violações terão resultado em 64.565 gestações fruto desse crime, em 14 estados norte-americanos que implementaram a restrição ao aborto depois da reversão da lei Roe v. Wade.

As estimativas foram publicadas na revista científica JAMA Internal Medicine (cuja síntese pode ser lida aqui) e impressionam. Falamos de 14 estados que reverteram o direito e que, na sua maior parte, não permitem abortos em casos de violação. “Embora cinco destes estados permitam exceções para gravidezes relacionadas com violação, aplicam-se limites rigorosos de duração da gestação e as sobreviventes devem denunciar a violação às autoridades, um requisito que provavelmente desqualificará a maioria das sobreviventes de violação, das quais apenas 21% denunciam a violação à polícia”, lê-se no documento da investigação científica.

A mesma análise, liderada pelo médico e diretor da plataforma de apoio Planned Parenthood do Montana, aponta para o facto de quase metade das gestações na sequência de abuso sexual terem ocorrido no estado do Texas (45%), um dos mais radicais na proibição do aborto. O estudo recorreu a uso de dados de Centros de Controle e Prevenção de Doenças, do Bureau of Justice Statistics e do FBI para criar estas estimativas consideradas “chocantemente altas”.

Desde que a lei foi revertida, o número de mulheres que atravessam as fronteiras dos estados para conseguirem fazer um aborto tem vindo a disparar. No primeiro semestre do ano passado, ou seja, seis meses depois de o direito ao aborto ter sido federalmente anulado, quase uma em cada cinco mulheres que abortou viajou para fora do seu estado e foi para outro com enquadramento legal mais amplo, como revelou em dezembro um estudo do Instituto Guttmacher.

Aliás, esta análise da Jama Internal Medicine alerta que “as sobreviventes de violação que engravidam em estados onde o aborto é proibido procuram um aborto autoinduzido ou tentam viajar (muitas vezes centenas de quilómetros) para um estado onde o aborto é legal, deixando muitas sem uma alternativa prática que não seja levar a gravidez até ao fim”.

E se a lei tem implicações que se revelam abusivas sobre a vida das vítimas, ela consegue imiscuir-se na intimidade de todos. Os resultados do estudo anual do Match Group [que detém plataformas de encontros como o Tinder e o Hinge], com uma amostra de cinco mil pessoas, diz notar alterações de comportamento após a reversão do clausulado Roe vs Wade e a mais evidente é a de que mais de uma em cada dez pessoas solteiras inquiridas e até aos 50 anos dizem que estão a ter menos sexo. Pelo segundo ano consecutivo, as conclusões apontam para o facto de a perda de um direito como o aborto está a mexer com as relações e com a libido.

Olhando ao detalhes para os resultados (que pode consultar na globalidade e no original aqui), um em cada dez inquiridos afirma que, quando faz sexo, fica mais nervoso ou ansioso. Ou seja, para lá da restrição, a experiência sexual ameaça ficar comprometida por não ser vivida na sua plenitude.