EUA em vaga de legislação contra o aborto. Famosos condenam

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"Sai do meu útero". Este foi um dos cartazes levados ao senado do Alabama para protestar contra as medidas restritivas em torno do aborto, aprovadas esta semana [Fotografia: Christopher Aluka Berry/Reuters]

Primeiro Alabama, hoje, sexta-feira, 17 de maio, Missouri. Os EUA estão a aprovar leis absolutamente restritivas no que diz respeito ao aborto, e aqueles dois estados juntam-se a nove que já têm medidas de natureza semelhante.

Mais: podem ser o início de um futuro que implica, segundo estimativas dos especialistas, a discussão de mais 30 diplomas um pouco por todo o território norte-americano e que vai ter lugar a breve trecho.

A indignação contra estes diplomas “pró-vida” já saiu às ruas, já corre mundo e já com mais de duas dezenas de personalidades, entre elas Lady Gaga, Barbra Streisand, Chelsea Handler, Gigi Hadid, John Legend ou Chris Evans, que vieram a terreiro denunciar o que condenam veementemente e o que dizem, com todas as letras, ser um retrocesso.

No Alabama, o diploma aprovado esta semana, e que vai entrar em vigor a 10 de julho, inclui a proibição de interrupção da gravidez para quem engravidar vítima de violação ou incesto, prevendo uma pesada pena de prisão de 99 anos para os médicos que fizerem o aborto. As únicas exceções previstas no clausulado, votado por uma maioria de 25 republicanos, aplicam-se a casos em que a saúde da mãe está em sério risco, para gravidezes ectópicas e para fetos com anomalia letal.

Esta sexta-feira, 17 de maio, todos os olhos estão postos na Câmara dos Representantes, de maioria republicana, do Missouri, onde será votada uma lei igualmente restritiva no que diz respeito ao aborto.

Recorde-se que, a meio desta semana, o Senado daquele estado tinha dado luz verde à interdição da interrupção da gravidez a partir das oito semanas de gestação, mantendo as mesmas proibições que no Alabama: vitimas de violação e incesto não podem abortar. Exceções mesmo só em casos de urgência médica. Já sobre as penas, refere a Associated Press, as dos médicos podem chegar aos 15 anos de prisão e as das mulheres que se submetam à prática não serão processadas judicialmente.

Já antes, no mês passado, o Indiana interditou o tipo de aborto mais comum no segundo trimestre e o Ohio estabeleceu o batimento cardíaco fetal, medido logo nas primeiras semanas de gestação, como o início da proibição.

Famosas contestam medidas e falam de recuo de direitos

Se não foi das primeiras, foi seguramente das mais audíveis até ao momento. Lady Gaga já veio condenar duramente o recuo legislativo do Alabama. “É vergonhoso proibir o aborto no Alabama, e ainda mais que a lei se aplique àquelas que foram violadas ou vítimas de incesto”, escreveu a compositora na sua conta da rede social Twitter.

 

E, para que não restassem dúvidas, estabeleceu uma comparação clara: “Então, as penas para os médicos que façam abortos são mais longas do que as da maior parte dos violadores? Isto é uma vergonha e eu rezo por todas as mulheres e jovens que sejam vítimas deste sistema”.

“Dos 25 homens que aprovaram a proibição no Alabama, gostaria de perguntar quantos deles estiveram, alguma vez, grávidos. Ou estiveram fruto de uma violação”, indagou a apresentadora Chelsea Handler. “Gostaria de saber quantos deles sabem exatamente o que é ser mulher. A resposta é zero”, afirmou.

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Uma posição que foi na mesma linha da da manequim Gigi Hadid. Num post do Instagram, repetiu, sobre fundo negro, a frase: “Os homens não deveriam fazer lei sobre os corpos das mulheres”

https://www.instagram.com/p/BxiXZx7n8yd/

Handmaisd’s Tale dos republicanos”, escreveu a cantora Barbra Streisand. E acrescentou: “O retrógrado Alabama criminaliza o aborto mesmo em casos de violação e incesto. Votado esmagadoramente por homens”.

Não sigas em frente depois de ler isto como se tudo fosse normal. Não balances a cabeça sobre o Alabama e não continues o teu dia como se nada fosse. Isto é um aviso. É o Alabama e o aborto hoje. É o teu caso e os teus direitos que amanhã estarão em causa. O teu silêncio não te vai salvar. Fala”, escreveu a realizadora Ava DuVernay.

Para milhares de mulheres americanas tal já acontece e é a matemática da atriz e cantora Alyssa Milano que mostra isso mesmo: “Já foram perto de 30 as interdições ao aborto introduzidas, aprovadas e ratificadas nas instituições estatais um pouco por todo o país, em apenas um ano. Esta é a agenda anti-escolha de Trump e parte da guerra dos republicanos contra as mulheres.

Mas se há celebridades femininas a condenar este recuo, também há homens famosos a juntarem-se ao coro de protestos. O cantor John Legend é um deles. “Estas instituições estão a promover uma guerra total contra as mulheres e o direito delas em controlar as suas decisões reprodutivas, Isto é horrível”. “Isto é absolutamente inacreditável”, escreveu o ator Chris Evans. “Se não está preocupado com o Roe & Wade [um caso histórico de 1973, que definiu proteções para casos de aborto e as estendeu a nível federal] não está a prestar a devida atenção. É por isso que votar importa”, acrescentou.

A primeira tentativa discreta… e a medida que definiu a partida

Bastou a mexida no Supremo Tribunal e a nomeação por parte de Donald Trump do juiz conservador Brett M. Kavanaugh, de 53 anos, para que esta corrida a legislação mais restritiva do aborto começasse a ganhar força. Com aquela indigitação, no final do verão do ano passado, o presidente dos Estados Unidos assegurou a existência de um quinto voto favorável na limitação à interrupção voluntária da gravidez.

E, desta forma, se deu o tiro de uma partida que, em cerca de três meses, já levou cerca de 20 estados norte-americanos de maioria republicana a apresentar restrições ao aborto. A continuar a esta velocidade – e com cerca de três dezenas de propostas esperadas nos Estados Unidos da América -, os especialistas temem que este movimento pode levar à revisão da lei do aborto a nível federal.

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E, se assim for, os EUA podem voltar a propor mexidas conservadoras mais contundentes, depois de uma tentativa ‘discreta’ que tinha tido lugar em dezembro de 2017 e a propósito das mexidas na reforma fiscal.

Uma ligeira alteração na lei que, uma vez aprovada pelo presidente Donald Trump, abriria espaço para mexer no direito ao aborto. Na ocasião, notava a revista norte-americana Quartz, que a a introdução de apenas duas palavras na lei (três em português) – “unborn child”/crianças por nascer – iria mexer com os direitos das mulheres, arriscando recuo de décadas.

Segundo a mesma publicação, este detalhe que escapou ao debate no Senado dizia respeito à secção 1202 e no qual o projeto de lei fazia referência ao Plano 529: um programa que existe desde 1996 e que permite às famílias americanas poupar para oferecer os estudos aos seus filhos, beneficiando de vantagens fiscais por isso mesmo. É neste ponto do projeto que as novas palavras ameaçam fazer toda a diferença. De entre os beneficiários dos planos de poupança para estudos, o novo articulado acrescenta “crianças por nascer”(unborn child, em inglês).

Ou seja, à primeira vista tudo indica que os benefícios fiscais até vão alargar. Porém, não foi isso, porém, que levou a Quartz.com a falar nesta matéria. Aquela publicação mostrou a definição de”unborn child” que constava no documento. “Nada deve impedir que um feto seja tratado como um beneficiário designado ou um indivíduo sob esta secção. O termo ‘criança não nascida’ significa uma criança no útero. O termo ‘criança in utero’ significa um membro da espécie homo sapiens, em qualquer estágio de desenvolvimento, que é transportado no útero “, lê-se.

Imagem de destaque: Christopher Aluka Berry/Reuters

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