Publicidade Continue a leitura a seguir

Eutanásia só com parecer prévio 24 horas antes da morte assistida

Percorra a galeria e fique a conhecer o que já é feito noutros países que preveem a morte medicamente assistida [Fotografia: Shutterstock]
Holanda: Foi o primeiro país a despenalizar a prática, em abril de 2002. Na iniciativa prevê-se que a morte medicamente assistida possa ser pedida voluntariamente e de plena consciência pelo doente a um médico, a partir dos 12 anos. Ao mesmo tempo, o paciente tem de ter uma doença incurável, estar num sofrimento insuportável e estar ciente de que não existem alternativas. Em 2015, foram registados mais de 5500 casos, equivalendo a 3,9% das mortes. Dos que optaram pela “boa morte”, mais de 2/3 sofriam de cancro e 2,9% viviam em situação de demência ou com doenças do foro psiquiátrico. Em outubro do ano passado, a Holanda estava a preparar um diploma no sentido de permitir o suicídio assistido a pessoas idosas que sentissem que estavam no fim da vida.
Bélgica: Acautelados que foram os acessos a cuidados paliativos em fim de vida, o país só avançou para a morte medicamente assistida depois de cumprido aquele requisito, e mediante decisão voluntária. Estávamos, então, em 2002. Já em 2014, a eutanásia foi legalizada para menores de idade que “tenham capacidade de discernimento”. Nesse sentido, a Bélgica é o único território a permitir a prática sem limite etário. Em outubro do ano passado, foi posta em marcha, pela primeira vez, a morte medicamente assistida a um menor. Também na mira dos legisladores está a possibilidade de pedir eutanásia por parte de doentes que saibam antecipadamente que vão sofrer de demência. Em 2015, foram declarados 2021 casos. No ano anterior, foram contabilizados 1924 pedidos. Um processo que em 2002 – quando a lei entrou em vigor – foi aplicado a 24 casos. Críticos da prática alertam para um eventual descontrolo da prática no país.
Alemanha: Desde 2009 que não é crime interromper procedimentos médicos que permitem manter vivos doentes terminais. Assim sendo, uma vez que haja autorização dos pacientes, o país prevê a prática da eutanásia passiva. Proíbe, contudo, a ativa e não pune quem adquirir um medicamento mortal para os pacientes, mas o mesmo deve ser ingerido pelos próprios. O mesmo sucede com o suicídio assistido. Em novembro de 2015, o parlamento germânico criminalizou o incentivo ao suicídio assistido com fins lucrativos, tendo como principal objetivo fazer frente às associações que comercializam medicamentos fatais. “Não podemos oferecer morte como prestação de serviços”, afirmou a social-democrata Eva Högl, citada pelo Deutsch Welle. No caso da Alemanha é importante referir que este é ainda um tema tabu, um trauma que o país vive e que decorre do tempo do nazismo. Recorde-se que em 1939, a lei exigia que parteiras e médicos informassem as autoridades sobre bebés nascidos com deficiências, recorrendo-se à injeção letal. Foi também nesse ano que os nazis assassinaram as primeiras crianças “indignas de viver”. Pouco tempo depois, a prática – que era denominada precisamente de eutanásia - alargava-se a adultos com deficiências físicas e mentais e, em 1941, o número de execuções perpetradas no território ascendia a mais de 70 mil pessoas. As injeções e as câmaras de gás foram depois as práticas usadas para o assassinato em massa ordenado pelo regime nacional-fascista.
Áustria: Tal como na Alemanha, o país prevê a eutanásia passiva, a pedido do paciente
Canadá: A lei e a respetiva regulamentação chegaram em junho do ano passado e sob troca intensa de argumentos entre defensores e detratores. O diploma foi pedido pelo Tribunal Supremo do país que defendeu que o diploma existente – e que penalizava a morte medicamente assistida – era anticonstitucional. Aquele órgão judicial concedeu, então, um ano ao Parlamento para redigir uma nova lei. Apesar da dificuldade dos deputados chegarem a acordo, certo é que o Tribunal sentenciou que a eutanásia deveria estar disponível para qualquer um que sofresse uma “condição médica dolorosa e irremediável”. O diploma governamental impôs, ainda assim, limites bem claros, salvaguardando que o acesso à morte medicamente assistida só seria permitida a doentes terminais.
Catalunha, Espanha: Em finais de janeiro deste ano, a Catalunha anunciou que iria levar ao Congresso uma proposta de lei no sentido de despenalizar a eutanásia. De acordo com o jornal espanhol El País, os grupos parlamentares (exceção feita ao PP e aos Cidadãos) apoiaram o primeiro ponto da moção Catalunya Sí Que Es Pot (Catalunha pode ser, em tradução literal) que pede a alteração do Código Penal, descriminalizando a prática de eutanásia e de suicídio medicamente assistido. Aguarda-se agora marcação de data para discutir o tema. Em Espanha, contextualiza a mesma notícia publicada pelo diário, é permitida a sedação profunda: a administração de fármacos que permitem o alívio do sofrimento físico e psicológico e previsivelmente irreversível da consciência num paciente cujo fim de vida esteja próximo. É também realizada a chamada limitação de esforço terapêutico, prática segundo a qual se aceita que a doença é irreversível e se aceita que o melhor é abandonar os tratamentos que tenham por finalidade prolongar a vida. Por fim, está ainda prevista a retirada de apoio vital, que passa por não aplicar tratamentos como a ventilação, a reanimação cardio-respiratória ou nutrição artificial.
Colômbia: Regulamentada desde abril de 2015, a eutanásia é gratuita, realizada nos hospitais, só se aplica em doentes maiores de idade e perante uma doença terminal. E bastaram três meses para se conhecer o primeiro caso. De acordo com o enquadramento jurídico colombiano, o médico deve apresentar todas as alternativas terapêuticas ao paciente, que deverá – uma vez informado – reiterar a sua vontade em abreviar a vida. O clínico deverá entregar toda a informação relativamente ao processo a um comité científico (constituído por um médico, um especialista, um advogado, um psiquiatra e um psicólogo clínico) que decidirá se se cumprem todas as condições. Esta estrutura tem dez dias para se pronunciar sobre o caso e, uma vez, aceite, o hospital tem 15 dias para efetuar o protocolo médico. Deve estar acautelado o facto de o paciente poder desistir da intenção inicial em qualquer momento do processo. Caso esteja inconsciente, o doente deverá ter vincado bem a sua vontade, prévia e claramente e de forma verificável, com a família. As gravações, os documentos escritos ou os vídeos são aceites como meio de prova. O país tem inclusivamente o Dia Nacional da Eutanásia (a 23 de fevereiro), que homenageia o primeiro paciente que se submeteu à prática, Ovidio González.
Reino Unido: Desde 2002, autoriza a suspensão dos cuidados em alguns casos. O Ministério Púúblico britânico tem sido tolerante com as pessoas que ajudam um familiar a encurtar a vida e pôr termo ao sofrimento, quando o doente manifesta claramente essa intenção.
Estados Unidos da América: Califórnia é, desde 2015, o quinto estado norte-americano que permite o suicídio medicamente assistido, facultando aos doentes terminais, com uma esperança de vida inferior a seis meses, a possibilidade de procurar ajuda médica no sentido de abreviar a vida. Já antes Oregon e Washington (lei aprovada por referendo) Montana e Vermont tinham caminhado na mesma direção. Aliás, o diploma traz referências da legislação em vigor no Oregon e que data de 1997.
França: Desde 2005 que a eutanásia passiva é autorizada, recorrendo à suspensão de remédios e de tratamentos, desde que essa seja a vontade do paciente, e ministrando cuidados paliativos. Em janeiro de 2016, os deputados franceses aprovaram, em projeto de lei, a sedação terminal assistida, "profunda e continua" de doentes em fim de vida, exercida por clínicos e sempre mediante solicitação. França ainda não está perante a eutanásia, mas há quem defenda que a aprovação deste diploma é um passo largo para lá chegar. A lei trouxe também mexidas ao nível do testamento vital, obrigando agora os médicos a respeitar a vontade expressa e mediante impossibilidade de o doente manifestar a sua vontade.
Luxemburgo: Foi o terceiro país da União Europeia a despenalizar a eutanásia e o suicídio assistido. Medidas que chegaram em março de 2009, mas só depois de uma alteração constitucional que passou por retirar o poder de veto ao Grão-Duque. A prática só é válida se o sofrimento do paciente – seja a nível físico, seja a nível emocional, for "constante e insuportável". De acordo com os dados da Comissão Nacional de Controlo e Aplicação da Lei, foram praticados, em 2013 e 2014, 15 pedidos de pacientes (quatro homens e 11 mulheres) para a morte medicamente assistida. A maior parte dos doentes tinha 60 anos e tinha cancro. Importante ainda relevar que 11 das intervenções que ditaram o fim de vida foram realizadas em hospitais, as restantes tiveram lugar em lares de idosos.
México: A eutanásia passiva – fosse pela retirada de medicamentos ou de maquinaria de suporte de vida - estava já prevista no enquadramento legislativo mexicano desde 2008, mas com a recente discussão da reforma constitucional, o país aprovou – a 4 de janeiro – a inserção do artigo legislativo que permite o direito à eutanásia. Trata-se, então, do reconhecimento de uma “morte digna”. A igreja já contestou a medida, considerando que se trata de uma medida “assassina”.
Noruega: A eutanásia passiva é permitida a pedido do paciente em fase terminal. Caso esteja inconsciente, a solicitação pode ser feita por um familiar.
Suécia: Em 2010, o país legalizou a eutanásia passiva, segundo a qual é permitida a interrupção dos tratamentos que mantêm o doente vivo artificialmente. A permissão decorreu de um caso concreto de uma mulher de 32 anos que, desde os seis, vivia paralisada e carecia de ajuda respiratória. A declaração do Conselho Nacional Sueco de Saúde e Assistência Social decretou que a prática só poderia ser exercida mediante o cumprimento de condições obrigatórias que passam pela informação e absoluta consciência das consequências por parte do paciente na hora da decisão.
Suíça: Desde 1940 que o suicídio assistido está autorizado no país, mas não a eutanásia, com recurso a medicamentos prescritos pelo médico, sendo que o procedimento deve ser depois levado a cabo pela pessoa que quer antecipar a morte. Interdita está a eutanásia ativa, ou seja aplicada por terceiros. A eutanásia passiva – que passa, por exemplo, por desligar a máquina de suporte de vida – também está autorizada. Em 2016, o Tribunal Federal decidiu alargar esta prática a todas as pessoas, que devem ter o direito de decidir sobre a sua morte, sofram ou não de doença mental. Os casos têm vindo a aumentar, cifrando-se em 742 as pessoas que recorreram, em 2014, ao suicídio medicamente assistido. Tal número representou duas vezes e meia mais de casos registados cinco anos antes. Os pais podem autorizar a eutanásia em crianças a partir dos 12 anos.
Uruguai: Interdita a eutanásia, desde 2009 que o Código Penal no país não penaliza quem praticar “homicídio piedoso”, desde que salvaguarde “antecedentes honráveis” e que pratique a ação por piedade e mediante “reiteradas súplicas” da vítima. Aliás, desde 1934 que o Código Penal dá a possibilidade aos juízes de isentar quem, naquelas circunstâncias específicas, aplicar a prática.
Israel: O knesset, parlamento, legalizou, em 2005, a eutanásia passiva em pacientes em estado terminal. A lei prevê que, só após esforço no sentido de convencer o paciente a ingerir alimentos, a aceitar oxigénio e tratamento médico,é que é possível, para pessoas com 17 anos e mais, decidir se querem que sua vida não seja prolongada. No caso dos pacientes em sofrimento e que não podem manifestar a sua vontade – mas que o tenham feito no passado -, os clínicos estão habilitados a suspender tratamentos. Em 2014, e apesar da oposição dos setores mais ortodoxos, foi apresentada uma proposta ministerial que autorizava a eutanásia ativa, permitindo médicos a prescrever medicamentos letais que pusessem fim à vida. De acordo com a proposta, a medida só podia ser aplicada a doentes terminais, ou seja, cuja esperança de vida fosse menor que “seis meses”. O doente teria de de manifestar o seu desejo de pôr termo à vida pelo menos duas vezes, com duas semanas de intervalo e mediante testemunhas.

Publicidade Continue a leitura a seguir

 

O debate começou há dois anos pela mão do Bloco de Esquerda e este sábado, 3 de fevereiro, o partido deu mais um passo numa discussão que quer trazer para a atualidade e para a Assembleia da República. O objetivo é entregar o diploma na Assembleia da República o quanto antes e agendar a discussão pública até julho, fim da atual sessão legislativa. Na galeria acima fique a conhecer o que estão a fazer outros países e os resultados que têm obtido.

O partido coordenado por Catarina Martins apresentou o projeto de lei para a despenalização da morte assistida e aditou-lhe mais um ponto: a obrigatoriedade de ser dado novo parecer prévio para a morte assistida, um derradeiro passo que deverá ter lugar 24 horas antes do procedimento e será emitido por uma comissão composta por juristas, profissionais de saúde e especialistas em ética ou bioética).

O projeto, apresentado este sábado pelos bloquistas numa conferência sobre a despenalização da morte assistida, em Lisboa, e a que a Lusa teve acesso, mantém a esmagadora maioria dos artigos do anteprojeto, anunciado há cerca de um ano.


Releia aqui um dos pontos do anteprojeto: a eutanásia pode ser feita em casa


Os bloquistas permitem as duas formas de morte assistida – a eutanásia e o suicídio assistido – e a condição essencial é que “o pedido de antecipação da morte deverá corresponder a uma vontade livre, séria e esclarecida de pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável“.

Depois de um ciclo de debates pelo país, organizados pelo partido, o BE fez “algumas afinações”, nas palavras do deputado José Manuel Pureza, e uma delas é a emissão de parecer 24 horas antes de uma comissão já prevista no anteprojeto para fiscalizar a aplicação da lei. Com esta mudança, a referida comissão dá um parecer prévio sobre se o pedido do doente cumpre todos os requisitos da lei, como estipula o artigo 19.º da lei.

Eutanásia só depois de três pareceres médicos

O processo, pelo projeto do BE, prevê vários pareceres de médicos (pelo menos três, incluindo um especialista na área da doença e um psiquiatra) e o doente tem de confirmar várias vezes a sua vontade para pedir a antecipação da morte. Outra das mudanças é relativa ao Testamento Vital. No anteprojeto, previa-se que o procedimento parasse caso o doente, depois de todas as autorizações, ficasse inconsciente.


Mulheres são quem mais recorre ao testamento Vital. Veja os números


“No caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão, ou se estiver disposto em Declaração Antecipada de Vontade constante do respetivo Testamento Vital”, lê-se no artigo 7.º. Imediatamente antes de lhe ser dados os “fármacos letais”, o “médico responsável deve confirmar se o doente mantém e reitera a vontade de antecipar a sua morte” (artigo 7.º).

“Para a verificação do cumprimento” do diploma legal, é sugerida uma Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte, composta por nove “personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento mais diretamente relacionadas” com a lei: três juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em ética ou bioética, sejam ou não profissionais de saúde ou juristas”. O diploma determina ainda que o procedimento “pode ser livremente revogado a qualquer momento”.

O projeto propõe ainda alterações ao Código Penal, despenalizando o homicídio a pedido ou ainda o incitamento ou ajuda ao suicídio, desde que respeite o diploma sobre a morte assistida. Após uma audiência, na sexta-feira, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, José Manuel Pureza, acompanhado por João Semedo, médico, ex-coordenador do Bloco e outro dos impulsionadores da lei, afirmou que o Bloco apresentará dentro de dias o projeto no parlamento, pretendendo que o seu agendamento seja feito até ao fim da sessão legislativa, em julho.

Com Lusa

Imagem de destaque: Shutterstock

Eutanásia: um debate de vida sobre a morte