Jyoti Kirit Parikh, de 76 anos, é uma das cientistas que em 2007 ganhou, com Al Gore e outros investigadores, o Prémio Nobel da Paz, atribuído a um Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPPC). Vive em Nova Deli, a capital da Índia e a cidade mais poluída do mundo. Na semana passada, os níveis de poluição do ar ultrapassaram sete vezes os limites considerados prejudiciais pela Organização Mundial de Saúde, o que levou o governo indiano a encerrar todas as escolas da cidade. As autoridades decidiram também estabelecer a circulação alternada de carros. Todas estas medidas são amplamente conhecidas da cientista que é diretora executiva do instituto Integrated Research for Action and Development (IRADe) e que esteve em Lisboa para falar na Web Summit, precisamente, sobre as questões das alterações climáticas. Em entrevista ao Delas.pt, Jyoti Kirit Parikh explicou como deve ser a relação entre ambiente e tecnologia, apontou o que tem sido feito para combater a poluição em Nova Deli e o que é urgente mudar, e falou também do seu percurso como cientista, num país onde ainda nem todas as mulheres podem seguir o seu exemplo.
A Web Summit começou ao mesmo tempo que a conferência mundial do clima, organizada pela ONU – e que decorre até 17 de novembro, em Bona, na Alemanha. Quais são as suas expectativas sobre esta última?
Esta é mais focada na questão do clima, enquanto a primeira se dedica a um conhecimento mais geral, pelo menos é o que sinto, que há coisas que não conhecia e que podem ajudar no meu trabalho, mais oportunidades e formas de pensar. Por isso, acaba por ser mais aberta, enquanto a outra é um grupo de personalidades focadas num objetivo particular que são as alterações climáticas. Este ano estão a olhar para muitas questões e a abrir a mente a outras possibilidades. Essa é a expectativa que tenho.
Na Web Summit foi uma das oradoras do painel, só para convidados: “O planeta está sob ameaça. A tecnologia tem respostas?’. Além dessas repostas, neste momento, a tecnologia é um aliado ou um inimigo do ambiente? Que conclusões leva daqui?
A tecnologia e o ambiente podem ser aliados se a questão for planeada e debatida nesse sentido. Mas sem se olhar a todas as suas consequências e se se optar por uma tecnologia qualquer, podemos ter resultados inesperados. Nos anos 50, ninguém esperava que os carros e a mobilidade pudessem trazer tantos problemas ambientais e agora sabemos. Para a minha cidade, Deli, talvez seja demasiado tarde, porque estão a ser encerradas escolas e muitos outros sítios por causa da poluição do ar. E mesmo na energia, só agora estamos a pensar e a ver o que podemos fazer, e eu estou a tentar fazer um projeto que pretende avaliar qual seria o impacto de ter tantos painéis solares no armazenamento de energia e quando eles ficarem obsoletos como os vamos reciclar. Ninguém fala disso. Por isso, quando apostamos na tecnologia temos de o fazer de uma ponta à outra.
A energia e o seu consumo estão entre os principais entraves à redução das emissões de carbono e ao estabelecimento de compromissos por parte dos governos. É possível virmos a depender apenas das energias renováveis?
A questão das energias renováveis veio numa altura específica e depois ficou esquecida. Teremos de planear as nossas atividades de maneira diferente, desenvolver a tecnologia adequada. Demorará algum tempo, mas penso que será possível.
Disse que era demasiado tarde para Nova Deli e os cientistas que estudam o clima avisaram que estamos no ponto de não retorno para reverter os efeitos do aquecimento global. O que tem de ser feito já para conter esses efeitos?
Temos de reduzir imediatamente as emissões de CO2 o máximo possível e os países desenvolvidos têm dar o exemplo, porque eles assumiram sempre uma posição de liderança em tudo e aqui também têm de assumir. Depois é prepararmo-nos para um mundo e uma economia alternativos onde possamos ter um sistema de energia amigo do clima.
Mas como se convencem os governos e os políticos a fazê-lo? Temos o exemplo recente de Donald Trump, que retirou os EUA do Acordo de Paris.
Depende dos políticos, claro. O nosso primeiro-ministro, Narendra Modi, está convencido. Alguns indivíduos estão convencidos, outros não, e isso é muito triste porque uma vez que um país aceite e decide determinada coisa, não devia ser possível voltar a atrás e isso não devia estar dependente da decisão de apenas um indivíduo [neste caso, Trump]. É importante manter-se como sistema o que foi ratificado. Mas a maioria dos políticos, os líderes mundiais estão conscientes destes problemas e estão convencidos que é preciso atuar.
E no seu país, quais têm sido as medidas aplicadas para reduzir o efeito de estufa e combater as alterações climáticas?
No meu país, Narendra Modi, atribuiu uma verba de 175 milhões de dólares para esse combate [através de um empréstimo do Banco de Desenvolvimento da Ásia para painéis solares]. É uma meta muito, muito ambiciosa para o globo, não apenas para a Índia, um país em desenvolvimento. E não é a única coisa. Ele está a tentar mudar muitas outras coisas a nível da mobilidade, promovendo os carros elétricos. Queremos mudar as fontes de energia, a agricultura de regadio. Este tipo de decisões está constantemente a ser tomado.
Está, portanto, otimista em relação ao que está a ser feito.
Acho que estamos a fazer mais do que a nossa quota-parte, que é pequena quando comparada com a de muitos outros países.
Quando é que se começou a interessar por estas questões da ciência e do ambiente?
Em relação à ciência, sou cientista desde os 22 anos, quando tirei um mestrado e doutoramento em Física e continuei a desenvolver trabalho em Teoria Física durante algum tempo. Depois casei e virei-me para o setor da Energia e da Energia para o Ambiente e as alterações climáticas foi um passo. A Energia é a razão principal para todo este trabalho que tenho desenvolvido ao longo destes anos.
Referiu os passos que o seu país tem dado nas questões ambientais. Como tem sido a evolução das mulheres indianas nas áreas de estudo que mencionou?
Penso que agora essa escolha é bastante livre. As grandes limitações na Índia em relação a isso estão mais relacionadas com as famílias e a sua condição. Há famílias que querem que as filhas se formem, sejam rapazes ou raparigas, por exemplo, e façam a diferença. E há outras famílias onde não lhes é permitido prosseguirem os estudos a um nível superior.
É muito diferente do que acontecia no seu tempo, se uma mulher quisesse ser cientista?
Bom, é uma época diferente, claro. Mas eu era de uma área urbana e além disso o meu pai era um progressista. Sim, mas nessa altura era mais difícil, em termos da sociedade. Para mim não foi tanto, porque tinha um pai assim.
As alterações climáticas são apontadas como a causa de uma próxima grande vaga de refugiados, na qual as mulheres e as crianças serão as mais afetadas. O que deve ser feito nesse campo?
As alterações climáticas afetam sobretudo os pobres e isso é algo que tenho vindo a dizer desde os anos 90. Os ricos podem comprar ares condicionados, mas os pobres não, pelo menos no meu país. E são eles que sofrem mais com as condições extremas do clima: secas, chuvas torrenciais, ciclones… Não têm casas em condições. As mulheres são mais afetadas porque não conseguem nadar, fugir, não são educadas para fazer nada dessas coisas. Estatisticamente representam frequentemente 70 a 75% dos afetados.
E o que podemos fazer para as ajudar já?
Em primeiro lugar, reconhecer o facto e educá-las e treiná-las para situações de emergência. Pelo menos isso.