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Luta das trabalhadoras da antiga Triumph pode render 5,7 milhões

Percorra a galeria e leia os testemunhos de mulheres e homens que não arredam pé da Têxtil Gramax Internacional, que adquiriu em 2016 a fábrica da TRiumph, e que agora abriu processo de insolvência. [Fotografias: Paulo Spranger/Global Imagens]
Mónica Antunes, 41 anos, costureira e trabalha há 18 anos na empresa: Tem sido um dos rostos da luta dos trabalhadores da Têxtil Gramax Internacional. “Estamos nestes piquetes desde 5 de janeiro e vamos continuar, precisamos de lutar pelos nossos direitos”, diz esta responsável sindical que elogia a ajuda que a comunidade tem dado. “As pessoas passam, querem saber, por vezes vêm com os filhos e há um impacto por serem vigílias feitas por mulheres”, revela Mónica, que tem dois filhos aos quais responde, enfrentando a preocupação deles, que está nesta batalha para garantir o que é devido a todos.
Maria José Gomes, 65, anos, cortadora têxtil e trabalha na empresa há quase 51 anos: O número de funcionária não deixa mentir. “Sou a 34ª”, conta ao Delas.pt. No ano passado, aquando da visita do ministro da Economia às instalações da empresa, foi convidada a dar a cara por ser a mais antiga. E lá estava a Zé. Hoje, volta a dar a cara, mas as razões são outras. “Na altura, disse que já estava um pouco cansada derivado a tantos anos de trabalho. Eles disseram-me para não pensar assim porque ainda tinha alguns pela frente. Viu-se! Afinal, foi só um”, lamenta. Maria José sabe que pode “pôr os papéis para a reforma”, mas agora não quer: “quero lutar ao lado das minhas colegas”, afirma. Quando fez 40 anos de casa, Maria José Gomes foi chamada à administração. Queriam oferecer-lhe um “miminho” de “10 mil euros” pela assiduidade e produtividade, recorda. “Recusei porque achei que se havia dinheiro teria de ser para todas” e porque “miminhos recebia a sua neta com, então, dois meses”. Hoje, à beira de completar 51 anos de casa, que se assinalariam em abril próximo, luta pelos ordenados e subsídios em atrasos, enquanto debela “uma depressão” e perdas familiares colossais. “Per di recentemente três irmãos com cancro, tenho uma sobrinha agora com a mesa doença, mas estarei cá com elas a fazer piquetes e a lutar”, afirma ao Delas.pt.
Marta Marinho, 55 anos, costureira na empresa há 30: “Infelizmente dei o meu melhor nesta fábrica, tenho doenças profissionais e uma incapacidade permanente de 29% e agora acontece-me isto”, recorda esta trabalhadora que já tinha levado a Triumph a sentar-se no banco dos reús, em 2007. “depois de ter estado de baixa, chamaram-me para me oferecerem sete mil euros para me ir embora. Recusei. Foram obrigados a aceitar-me num trabalho compatível e mandaram-me para a portaria, cortando-me cerca de 300 euros no ordenado. Fiquei com 530 euros. Fui para tribunal e eles foram obrigados a devolver o meu salário de sempre”, revela. Marta não é branda nas palavras: “Quando vim para cá, em 88, tinha orgulho de dizer que trabalhava na Triumph. Hoje, digo que esta marca tem de ser banida de Portugal, não pode vender cá depois disto”.
Rui Cruz, 40 anos, informático na empresa há ano e meio: Ainda não foi chamado para os piquetes à porta das instalações, mas não diz que não se for convocado. Lamenta o que está a acontecer sobretudo quando foi “contratado para fazer a transição da Triumph para a Gramax”. Agora, sem o seu salário, resta o da mulher, que apenas ajuda a que o “desequilíbrio seja menor”. Mas não resolve. Em casa, à espera, tem um filho de dez anos e a quem pouco ou nada disse para já porque não é preciso “entrar nestes problemas já”.
Dora Viegas, 55 anos, costureira especializada na empresa há 26: “Os piores turnos são à noite, há mais frio, mas há smepre gente a passar que deixa uma palavra, familiares que vêm ajudar na luta”, diz esta trabalhadora, olhada pelas outras como uma “força da natureza”. “Mas também tenho chorado muito com isto tudo, é difícil”, conta esta mulher que trabalha desde muito nova, que vendeu canecas do 25 de Abril no Metro e Bolas de Berlim em bailes. Tem o ordenado do marido em casa que ajuda Às contas, mas não chega.
Rute Ferreira, 41 anos e costureira especializada há 17: Mais do que falar por ela, esta trabalhadora dá a voz a quem cala. “Há pessoas que têm rendas em atraso, já há pessoas sem água e luz e isto não pode ser”, revela. “Até os documentos que pedimos à empresa e que davam autorização para acionar o seguro do empréstimo das casas veio mal preenchido... Não estamos apenas a perder o emprego, estamos a tirar-nos a dignidade”, vinca. “Estamos a contrair dívidas desnecessárias e com elas estamos a dar cabo do nosso bom nome junto do Banco de Portugal. Os bancos, a empresa da luz e da água não querem saber porque é que não estamos a pagar”.
Felismina Mata (à esq) tem 55 anos e é costureira especializada há quase 30: “Dei aqui a minha vida e cortaram-me as pernas”, desabafa. “ninguém merece isto”, diz esta mulher que trabalha desdeos nove anos para ajudar a mãe a alimentar uma família de sete irmãos. “Quando veio o 25 de Abril, eu já estava à frente de uma máquina de costura”, diz, com os olhos marejados. “Isto é uma vergonha para o nosso país, estarem a fazer isto às mulheres”, aponta. Consegue, ainda assim, ver um raio de luz “por ter um bom marido” e por haver ainda “um outro ordenado em casa”, mas isso não vai chegar por muito tempo.
Sandra Carvalho, 40 anos e está há mais de sete como cortadora: Primeiro suspira forte e depois afirma: “Eu e o meu marido somos uma das famílias que trabalha na empresa, acho que somos 12 no total, viemos para a empresa na mesma altura, foi uma coincidência”. Um acaso que agora, conta Sandra, os deixa em silêncio. “ Já não falamos deste problema, já não dizemos nada um ao outro. Isto é muito duro”, atira, enquanto os olhos se fixam. Em casa estão dois filhos, de 13 e 18 anos. Pouco há para lhes dizer sobre o futuro que se avizinha. “Infelizmente, acho que qualquer um deles já pode dar explicações a muita gente de como será viver assim”, remata.
As lágrimas, por vezes, precipitam-se pelos rostos das funcionárias que, mesmo sem terem trabalho, estão de guarda à empresa por forma a que nada desapareça enquanto o administrador de insolvência não comparecer para inventariar os bens.
É sob a tenda emprestada pelos escuteiros que as trabalhadoras se revezam nos turnos de quatro horas de vigilância à TGI
A população, mas também restaurantes, coletividades e edilidade têm colaborado e ajudado quem luta frente à TGI.
Enquanto a panela com água fervia, o fogareiro aquecia a tenda.
Dora Viegas combina com a colega que está de pé como será o turno da meia-noite. Ambas acertam o que é necessário preparar porque estão escaladas para as mesmas quatro horas de vigília.
Rute Ferreira, que lembra que já há funcionários que não têm como pagar a luz ou água, foi buscar uma sopa para as colegas
À porta da TGI e num intervalo do horário de trabalho que as mais de quatro centenas de funcionários cumprem, mesmo sabendo que está por dias a validação, por parte do Tribunal de Loures, do processo de insolvência.
Dora Viegas, Isabel Fernandes, Elisabete Cristóvão, Rosa Rodrigues e Rute Ferreira sob a tenda que as abriga da chuva e diante do fogareiro que as aquece. Uma estrutura criada e improvisada para que as funcionárias não levassem por diante o sua vigília - começada a 5 de janeiro - sem as condições mínimas.
Juntas, as trabalhadoras recordam os episódios e as decisões económicas que trouxeram a antiga fábrica da Triumph até este ponto.
É elogiada por todos por ser "uma força da natureza", mas Dora Viegas também sucumbe à emoção e tristeza

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As instalações, a frota e os equipamentos da antiga Triumph, que está insolvente, vão ser leiloadas a 3 de maio, com um preço base de 5,7 milhões, segundo adianta a leiloeira responsável pela venda.

A empresa alemã Triumph possuía uma fábrica em Sacavém, concelho de Loures, que foi adquirida em setembro de 2016 pela empresa Têxtil Gramax Internacional (TGI), uma sociedade portuguesa de capital suíço. Contudo, em 24 de janeiro deste ano a fábrica de Loures, que produzia roupa interior, foi encerrada e a TGI decretada insolvente, situação que levou ao despedimento coletivo de quase 500 trabalhadores, maioritariamente mulheres.

Uma situação que levou os trabalhadores a instalarem-se na rua, à porta da unidade fabril para garantir que os bens não desapareciam e que seriam usados para pagar salários e subsídios em atraso, bem como indemnizações. Uma luta empreendida sobretudo por mulheres e que acabou bem sucedida. Recorde os testemunhos de algumas trabalhadoras ao Delas.pt e que não arredaram pé desta batalha, desta vigília que durou 20 dias.

[Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens]
A 3 de maio, a unidade fabril, assim como o recheio e a frota, vão a leilão público, sendo o valor base de licitação de 5,7 milhões de euros, segundo refere o catálogo da leiloeira LC Premium, responsável por esta venda. No documento, publicado na página da internet, a leiloeira explica que a ideia é vender os bens no conjunto, mas que, caso isso não seja possível, a venda será feita separando o imóvel dos bens móveis, que serão vendidos lote a lote.

Fábrica da Triumph: uma história longa e longe de um final feliz

O processo de venda da Triumph à TGI, que decorreu durante um ano, chegou a ser muito contestado pelos trabalhadores e pela Câmara Municipal de Loures, que temiam que a fábrica encerrasse definitivamente. Depois de concluída a venda, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, deslocou-se em janeiro de 2017 à fábrica e congratulou-se por esta continuar a laborar em Portugal e manter os postos de trabalho.

No entanto, em novembro desse ano, a administração da empresa comunicou aos trabalhadores que iria ocorrer um processo de reestruturação, que previa o despedimento de 150 pessoas.

Em 5 de janeiro deste ano, depois de tomarem conhecimento de que a administração tinha dado início a um processo de insolvência, as trabalhadoras iniciaram uma vigília à porta da fábrica, tendo durante esse período vários deputados, autarcas e sindicalistas se deslocado ali para levar mantimentos e demonstrar a sua solidariedade.

Em 16 de fevereiro, as trabalhadoras da antiga Triumph começaram a receber o subsídio de desemprego, num processo que decorreu de forma mais “célere” depois de várias negociações entre o sindicato e o Governo.

CB com Lusa

Imagem de destaque: Shutterstock

As mulheres na rua contra a insolvência da antiga Triumph