As mulheres na rua contra a insolvência da antiga Triumph

Isabel, Rosa, Maria José, Felismina, Rute, Mónica, Sandra. Mas também Rui, Ismael, Rodrigo e tantos outros. São 463 trabalhadores, das quais cerca de 90% de mulheres, que estão agora a enfrentar a insolvência da empresa que fabricava roupa íntima. A Têxtil Gramax Internacional (TGI), a companhia germano-suíça que comprou a fábrica da Triumph de Sacavém em 2016, deu entrada do processo em dezembro, depois de cortes nos salários em outubro e novembro, anúncio de uma reestruturação e não pagamento de um ordenado e subsídio de natal.

Com a promessa de desemprego diante dos olhos, estas quase cinco centenas de mulheres e homens juntam esforços, à porta da companhia da Portela, Lisboa, para garantir que terão a possibilidade de, pelo menos, receberem as indemnizações a que têm direito. Para já, algumas das mulheres e homens dão a cara ao Delas.pt e revelam, na galeria acima, como olham para o que está a acontecer e para o futuro que se avizinha.

Para não perderem de vista o dinheiro que lhes é devido, os trabalhadores não podem deixar a fábrica ao abandono sob pena de o património desaparecer e, por essa via, não ser realizado dinheiro no âmbito do processo de insolvência. “Há 30 mil euros em produto acabado e há as máquinas e tudo o resto. Estão aqui milhares, se não milhões de euros que têm de ser pagos aos trabalhadores por direito”, diz Mónica Antunes, trabalhadora na TGI e delegada do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Curtumes do Sul.

É que se a média salarial líquida desta empresa rondava – conta a mesma responsável sindical – os “800 a 850 euros”, este valor baixou para “530 em outubro, quando foram retirados os prémios”. “Em novembro, tiraram-nos cinco dias ao salário e em dezembro já não recebemos”, recorda Mónica Antunes. Para lá dos números, há, dizem as trabalhadoras ao Delas.pt, “cerca de 12 famílias – marido e mulher – a trabalhar aqui” e “muitas mulheres que estão sozinhas, mães, solteiras, viúvas. É dramático”, repetem.

“Estão aqui milhares, se não milhões de euros que têm de ser pagos aos trabalhadores por direito”

E não têm dúvidas quanto à culpa. “É da Triumph, eles é que nos puseram nesta situação. Nós não fomos vendidas, fomos dadas”, atira Dora Viegas. “Fomos oferecidas”, corrige Felismina Mata. “Foi tudo uma lavagem da Triumph e da Gramax. As duas empresas são alemãs… está a entender, não está?”, ironiza Rute Ferreira.

Pensavam que por sermos costureiras, por termos o quarto ou o sexto ano, que éramos burras. Logo quando a empresa foi comprada fomos ver o que era a Gramax e vimos que ao fim de um ano dispensavam as empresas que tinham comprado”, diz Mónica Antunes.

(PAULO SPRANGER/Global Imagens)

A Triumph nega qualquer responsabilidade, lembra que procurou garantir os direitos de todos os trabalhadores e lamenta o que está a suceder com os funcionários da TGI. Mas nem Mónica, nem Marta Marinho se compadecem com aquelas explicações: “Eles negam, eu sei, mas a Triumph é que é a grande responsável. A marca não pode continuar a vender em Portugal depois disto”, diz a primeira. A segunda concorda e acrescenta: “Eles têm a responsabilidade e a Gramax não foi mais do que uma testa de ferro.”

Apesar das diversas tentativas e mesmo com a garantia de que uma das ex-gerentes da empresa estava no local nesta manhã de quarta-feira, não houve margem para recolher quaisquer declarações.

À espera do subsídio de desemprego enquanto a população ajuda

A Junta de Freguesia de Prior Velho tinha dado alguma lenha para os trabalhadores se aquecerem enquanto policiavam as entradas e saídas da TGI, uma fábrica que agora está na mão dos funcionários. Os bombeiros foram cortar a madeira e agora, em grupos de dez a 20, os trabalhadores em protesto revezam-se de quatro em quatro horas à porta do prédio onde está a empresa insolvente, na Portela, em Lisboa.

Para não ficarem à chuva, Mónica Antunes, conta que a “Câmara Municipal de Loures montou, na terça-feira, 9 de janeiro, um stand de madeira, os escuteiros emprestaram a tenda e os restaurantes têm vindo deixar comida”. Tem sido com o apoio da população que a luta tem prosseguido. E elas, as mulheres dos piquetes, não parecem ter vontade de desmobilizar. “Temos colegas que estavam de baixa e que vêm para cá para defender os direitos de todas”, conta Dora Viegas, enquanto segura na mão uma sopa quente para o almoço.

 

(PAULO SPRANGER/Global Imagens)

 

Ao fim desta quarta-feira, 10, é esperado que um hipermercado chegue com um carregamento de mantimentos. E estes já têm destino. “Quando chegar, vamos começar a fazer avios, em sacos, para quem mais precisa, há gente que já não tem comida em casa”, lembra Dora Viegas, enquanto recolhe o assentimento das colegas. É Isabel Fernandes, é Elisabete Cristóvão, é a Rosa Rodrigues, mas seriam muitas mais, que o fazem, sentadas nas cadeiras sob a tenda e diante de um fogareiro com uma grande panela de água ao lume. “Veja lá, não se esqueça de escrever que agradecemos muito a todos o que nos têm apoiado”, pede Felismina.

“Vamos começar a fazer avios, em sacos, para quem mais precisa, há gente que já não tem comida em casa”

E enquanto populares, empresas, edilidades e coletividades vão dando ajudas, os trabalhadores aguardam a visita do Centro de Emprego e da Autoridade para as Condições do Trabalho, marcada, diz Rute Ferreira, “para sexta-feira”. “É para ver se temos subsídio de subsistência enquanto o processo de insolvência não fica terminado e possamos receber a carta para o desemprego”, justifica.

Nem sempre aparecem para os beijinhos e selfies”

Na mensagem de Ano Novo, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa elogiou a capacidade de os portugueses se entreajudarem e pediu para se reinventarem ante as suas circunstâncias. Mas agora, o Chefe de Estado parece não estar a comover estas mulheres e homens que exibem faixas a pedir a intervenção do executivo neste caso, que já se arrasta há meses. “O governo não chegou e Marcelo também foi convidado e não veio. Deve estar à espera que chegue primeiro o governo… Ou então, está à espera que aconteça alguma desgraça… Sabe, já não conseguimos acreditar em mais nada”, desabafa Mónica.

Há lágrimas que, a espaços, obrigam estas mulheres a um abraço mais aconchegado, para apoiar quem está mais desamparado (PAULO SPRANGER/Global Imagens)

 

Manuela Prates, dirigente sindical, mas não funcionária da TGI, também não escondia a tristeza relativamente à falta de comparência de Marcelo para o pequeno-almoço solidário para o qual tinha sido convidado. “Eles não aparecem para todos os beijinhos, selfies e abracinhos. Enfim… o que sabemos é que elas estavam prontas para o receber”, afirmou.

Incompetentes”, um “fardo” que produzia 50 mil peças por dia

De telemóvel na mão e resposta pronta, as trabalhadoras que estão de vigília à fábrica são rápidas a responder. “Cada linha produzia mais de sete mil peças por dia, dava um total de 50 mil cuecas, soutiens, lingerie em geral”, revelam, lembrando o tempo em que a Triumph ainda era dona e senhora da fábrica. Mas assim que saiu – tal como tinha sido acordado aquando da aquisição, em agosto de 2017, a vida passou a ser muito diferente. “Houve dias em que fiz 10 ou 20 soutiens”, recorda Dora Viegas.

(PAULO SPRANGER/Global Imagens)

 

Mas os problemas não vinham de agora. “Em 2015, vieram ter connosco para uma reunião e disseram-nos que nós éramos um fardo para eles. Ouviu bem: um fardo. Disseram que nós éramos um fardo”, repete Dora. Uma colega acrescenta: “Nesse dia, a D. Anabela Gomes [agora ex-gerente] disse que éramos umas galinhas, um fardo para a empresa e umas incompetentes.” Todas garantem que tal episódio teve lugar. O Delas.pt não conseguiu recolher uma resposta desta responsável, apesar de se encontrar nas instalações.

Certo é que, em 2016, Triumph saía da empresa, dirigia – vincam as funcionárias – a produção para os “países asiáticos como o Vietname”, e assegurava mais um ano de encomendas. A Gramax teria até agosto deste ano para arranjar novos clientes. Fechou portas e pediu insolvência. Espera-se agora a documentação que falta para o Tribunal de Loures acionar o processo.

Imagem de destaque: Paulo Spranger/Global Imagens