Morreu Carla Bley. Pianista tinha 87 anos e foi vítima de um tumor cerebral

Em anexo seguem as fotos de Carla Bley
Pianista Carla Bley num conerto na Casa da Música, no Porto [Fotografia: Arquivo Global Imagens]

A compositora e pianista de jazz Carla Bley morreu esta terça-feira, 17 de outubro, em sua casa, em Willow, no estado de Nova de Nova Iorque, anunciou o seu companheiro, o baixista Steve Swallow.

“Depois de uma carreira de mais de 70 anos e de quase 60 álbuns, a compositora e pianista Carla Bley deixou-nos na manhã desta terça-feira aos 87 anos“, lê-se na mensagem divulgada pelo músico, citada pelo jornal The New York Times.

Carla Bley, criadora “irrepreensivelmente original”, foi “responsável por mais de 60 anos de provocações astutas no jazz e em torno dele”, escreve o jornal norte-americano. De acordo com Steve Swallow, citado pelo The New York Times, Carla Bley morreu na sequência de um tumor cerebral.

Lovella May Borg, de nome de batismo, nasceu em Oakland, Califórnia, em 11 de maio de 1936. Estudou música com seu pai, o músico Emil Carl Borg, professor de piano e organista de igreja. Bley, porém, fez quase toda a formação por si mesma.

Descobriu o jazz aos 12 anos, através do vibrafonista Lionel Hampton, o que a levaria a Nova Iorque, o centro da cena jazzística da época, quando tinha ainda 17 anos. Aí se cruzavam músicos como Miles Davis e John Coltrane, Dizzy Gillespie e Count Basie, o músico residente do clube Birdland, onde Carla Bley começou por vender cigarros, só para poder ouvir os seus heróis.

Não tardou a ser notada. Primeiro, o pianista canadiano Paul Bley, com quem se casou em 1957 e que a encorajou a compor. Depois o também pianista George Russell, que a desafiou a escrever para o seu sexteto, e o saxofonista Jimmy Giuffre, que gravou peças suas como “Ictus” e “Jesus Maria”.

Na década de 1960, fundou a Jazz Composers Guild, que se batia por melhores condições de trabalho para os músicos. A associação acabaria por se transformar na Jazz Composer’s Orchestra, que Carla Bley fundou com o trompetista austríaco Michael Mantler, o seu segundo marido.

Em 1969, começou a compor para a Liberation Music Orchestra, do contrabaixista Charlie Haden, à qual viria a associar-se, e com a qual gravou “Grândola, vila morena”, de José Afonso, no álbum “The Ballad of the Fallen”, de 1983.

Em 1971, concluiu a ópera “Escalator Over The Hill”, estreada e gravada por músicos como Jack Bruce, Don Cherry, Gato Barbieri, John McLaughlin, Dewey Redman e Charlie Haden, nomes que vinham de ambos os projetos e se mantiveram próximos ao longo das décadas seguintes, nas suas Big Bands, à semelhança de outros como Sharon Freeman, Paul Motion, Gary Valente, Dewey Redman, Jim Pepper. Solistas do jazz e músicos das grandes orquestras que Carla Bley dirigiu.

No início dos anos de 1970, Carla Bley era já reconhecida como compositora. A bolsa Guggenheim que lhe foi então atribuída, permitiu-lhe fundar a discográfica Watt, em 1972, através da qual editou quase toda a discografia, durante perto de 40 anos, com distribuição da ECM Records, ‘selo’ à qual se manteve ligada até ao fim.

A exceção seria “Nick Mason’s Fictitious Sports”, álbum de 1979-1981, mais próximo do rock, escrito com e para o baterista dos Pink Floyd, num projeto editado pela antiga Columbia, que também mobilizou o guitarrista Mick Taylor e o músico Robert Wyatt, então ainda conhecido pelos Soft Machine.

Os anos de 1990 são sobretudo os das Big Bands, a que regressaria mais tarde, após a morte de Charlie Haden, ocorrida em 2014, quando retomou a Liberation Music Orchestra, o seu compromisso social e uma nova versão de “Silent Spring”, que compôs nos anos de 1960, para o álbum de homenagem “Time/Life”, lançado em 2016.

O nome de Carla Bley tornou-se conhecido e regular em Portugal, na viragem dos anos de 1980 para os anos de 1990, primeiro com festivais como o Jazz em Agosto, da Fundação Calouste Gulbenkian, depois, um pouco por todo o lado, tendo atuado em Lisboa, no Porto, em Coimbra, em Espinho, nos principais festivais de jazz do país, nas principais salas, da Gulbenkian à Casa da Música, onde atuou com a Orquestra Jazz de Matosinhos.

Na última década, trabalhou sobretudo com o seu companheiro de mais de 30 anos, Steve Swallow, e com o saxofonista Andy Sheppard, que vinha das suas últimas big bands; trabalhou quase sempre em trio, ora cumprindo programas mais intimistas, ora mais expansivos, sem nunca esquecer a inquietação, o humor e o silêncio, que também gostava de usar.

Numa discografia que conta com títulos como “Tropic Appetites”, “Dinner Music”, “Musique Mecanique”, “Social Studies”, “I Hate to Sing”, “Night-Glo”, “Fleur Carnivore”, “The Very Big Carla Bley Band”, “Big Band Theory” e “Fancy Chamber Music”, contam-se ainda “Songs with Legs”, em trio, ainda nos anos de 1990, com Sheppard e Swallow, e também “The Lost Chords”, com Paolo Fresu, já de 2005.

Depois de “Carla’s Christmas Carols”, em 2009, com o Partyka Brass Quintet, seguir-se-iam três álbuns na intimidade dos mais próximos, sempre Sheppard e Swallow, com algumas das composições mais simples e sedutoras de Bley: “Trios”, de 2013, “Andando el Tiempo”, de 2015, e o derradeiro, de 2020, “Life goes on”.