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Mutilação Genital Feminina. Dos 14 inquéritos 11 foram arquivados, em cinco anos

[Fotografia: Pexels/Cottonbro Studio]

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Em Portugal foram instaurados, nos últimos cinco anos, 14 inquéritos pela prática de Mutilação Genital Feminina, um crime que consiste na remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos femininos e quando as meninas são ainda muito pequenas. Um processo que só é frequentemente detetado muitos anos após ter sido feito e frequentemente quando a mulher excisada tem de ir ao médico por se ver confrontada com problemas graves de foro ginecológico e urinário ou está perante uma gravidez.

Até ao momento, existem dois inquéritos que estão sob investigação, que foram interpostos entre 1 de janeiro e 22 de outubro 2023, e um acabou em condenação, com posterior suspensão da pena no Tribunal de Relação. Todas os restantes foram, de acordo com os dados da Procuradoria-Geral da República (PGR) à Delas.pt, arquivados.

“Sem prova não há sentença e é por isso que muitos casos são arquivados. É difícil perceber quem fez, a menos que as pessoas contem ou que haja alguma suspeita”, lembra Mia Negrão. A advogada e membro da Associação Portuguesa e Mulheres Juristas (APMJ) crê que, apesar deste desfecho, se está a “fazer caminho” na luta contra este crime.

“Começou com a criminalização, que por si já acaba por dissuadir as pessoas de o fazerem”, refere. A presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Sandra Ribeiro, acrescenta: “Não é fácil aferir do ponto de vista da prova e das responsabilidades, mas é importante olhar para todos estes casos de forma pedagógica e pela prevenção.”

“É preciso ter uma perspetiva feminista,
não podemos estar a punir duplamente estas mulheres”

Mia Negrão lembra que “se as pessoas ainda vão lá fora e cumprem aquilo que lhes é mostrado como tradição [n.r.: muitas vezes em viagens a países como, entre outros, Guiné-Bissau e Guiné], os processos vêm dizer que as pessoas são chamadas a testemunhar, são inquiridas, é gerado um clima de tensão que levam a que percebam que o fizeram não está certo, há uma consciencialização e atua-se junto das camadas mais jovens, que podem começar a fazer diferente”, afirma.

Nesse sentido, prossegue, a “condenação de 2021 já serviu a sua finalidade”. “A suspensão da pena [na relação] surge porque temos de pesar que esta punição ia criar uma dupla penalização: a criança ia ficar sem a mãe, que tinha 19 anos quando a bebé foi alvo da prática de MGF, e a progenitora era a única referência da filha mediante um pai ausente. É preciso ter uma perspetiva feminista, não podemos estar a punir duplamente todas estas mulheres por estarem a fazer uma prática que ainda, muitas vezes, lhes é imposta pela sociedade, pela cultura e possivelmente pela família”, distingue a advogada e membro da APMJ.