“O discurso de autoajuda é muitas vezes parecido com o populista na política”

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[Fotografia: Khoa Vô/Pexels]

A autoajuda pode ser um caminho para a superação de problemas e a psicologia não a nega. Porém, com a proliferação de cursos, de táticas, de livros e palestras, de recomendações para respirar e aceitar a vida, está cada vez mais difícil distinguir trigo do joio, especialistas verdadeiramente habilitados dos impreparados que se apresentam como a salvação para todos os males. “Todos os anos recebo pessoas que passaram por esses aprendizes de feiticeiros”, afirma o especialista Jaime Ferreira da Silva em conversa com o Delas.pt.

De entre os riscos mais gravosos de se cair nas malhas que de quem, afinal, apenas apresenta frases feitas, o psicoterapeuta e um dos primeiros a formar-se em coaching psicológico, em Portugal, lembra que há vários patamares. “Se forem pessoas com doença mental como bipolaridade podem ficar descompensadas. Esses pseudo coaches não têm conhecimentos de psicologia e psicopatologia. O discurso de autoajuda é muitas vezes parecido com o populista na política. Apresentam soluções fáceis para problemas complexos. E se os pacientes estão numa chamada fase de mania, pode ser muito arriscado”, refere. Do ponto de vista menos gravoso, o responsável da Ordem dos Psicólogos Portugueses, recebe pacientes que “após o serviço desses pseudo coaches gastaram o dinheiro e que não serviu para nada”.

Jaime Ferreira da Silva, psicólogo, coach psicológico e presidente do Conselho de Especialidade - Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações, na Ordem dos Psicólogos Portugueses [Fotografia: DR]
Jaime Ferreira da Silva, psicólogo e especialista em psicoterapia e coaching psicológico e presidente do Conselho de Especialidade – Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações, na Ordem dos Psicólogos Portugueses [Fotografia: DR]

E se se tratar de ansiedade ou depressão, quais os perigos? “O risco passa por gastar dinheiro e não ter resultados, sendo que o problema não é acompanhado. Há um agravamento dos sintomas e, progressivamente, a pessoa pode ficar mais fragilizada e com menos esperança”, sequencia Jaime Ferreira da Silva.

“Há muitos problemas resultantes de processos conduzidos por pessoas que não estão devidamente preparadas. Apesar de a ida ao psicólogo estar mais normalizada, ainda há pessoas que receiam a estigmatização. Esse receio empurra-os para o embuste do lifecoaching é uma forma adocicada do ‘eu ajudo’, mas as pessoas que estão a dar esse serviço, atuam com base num livro de receitas e um curso de fim de semana. Se não houver um bom background e conhecimento de suporte em psicologia, é difícil teorizar sobre a prática e ajudar a pessoa concreta, que não se encaixa nas fórmulas que foram aprendidas em cursos rápidos”, alerta.

Dos centros de saúde às escolas

Para Jaime Ferreira da Silva, o sistema ajustar-se-ia se as políticas fossem noutro sentido. Entre as propostas, o presidente do Conselho de Especialidade – Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações, na Ordem dos Psicólogos Portugueses, fala na “melhoria da acessibilidade da população aos psicólogos, com recurso aos centros de saúde”.

“A primeira despistagem devia ser feita por psicólogos nesses espaços”, sugere. Um caminho que, no entender do psicoterapeuta, arredaria quem não dispõe de formação especializada e certificada.

Mas a matéria não se esgota apenas no plano da saúde, ela deve estar patente no da educação, fazendo-o a partir dos bancos das escolas. “Deveriam ser incluídas, nos curricula escolares, disciplinas de literacia emocional e de autocuidados psicológicos por forma a ajudar as pessoas ao longo do seu percurso formativo: básico e secundário. As novas gerações estão a perder competências emocionais pelo excesso de online e pouca interação social efetiva”, alerta.

“O coaching feito por não psicólogos tornou-se numa espécie de albergue espanhol”

Para contextualizar, Jaime Ferreira da Silva explica que “o coaching é um ato psicológico especializado. As pessoas que se autointitulam de coaches sem terem formação de psicologia estão a fazer uma usurpação de profissão. Afinal, são necessários vários anos de formação após a Psicologia para se se ser coach”, vinca. “São necessários cinco anos para formar um psicólogo e mais três anos para formar um especialista em coaching psicológico, que integra formação pós-graduada e prática de coaching)”, especifica.

“Só mediante queixa, só assim é possível ir afastando quem não é profissional”, alerta Jaime Ferreira da Silva.

A entrada neste universo não podia ser mais simples, daí a proliferação. “Só depende do dinheiro da pessoa em comprar um curso de fim de semana e cria-se uma espécie de albergue espanhol aberto a curiosos”, lamenta o especialista. E ressalva: “Não tenho nada contra a autoajuda. Aliás, o manual mais vendido do mundo é a Bíblia. Tenho é contra embusteiros, a abordagem fraudulenta é que me preocupa, feita por pessoas sem formação em psicologia ou especializada em psicoterapia ou coaching psicológico.”