Filipa Rodrigues: “Vai ser muito difícil voltar a combater incêndios”

incendio GI_ Rui oliveira

Um ano depois dos dramáticos e mortais incêndios de Pedrógão Grande, Filipa Rodrigues, 25 anos, é uma das bombeiras que esteve no terreno – esteve na estrada 236, aquela onde mais de quatro dezenas de pessoas perderam a vida – e que todos os dias luta para saber lidar com a tragédia.

Filipa Rodrigues [Fotografia: Paulo Novais]
Esta administrativa e voluntária em Castanheira de Pera sentiu no corpo e na pele – ficou com 21% de área corporal queimada apenas pelo calor – a finitude que aquelas chamas de 17 junho imprimiram na sua memória e na dos que combateram aquele horror. Ela viu a finitude: perdeu um colega de luta.

Hoje, quase um ano depois, tem indicação médica de apenas voltar ao terreno em brasa após mais um ano. Contudo, o seu coração e a sua cabeça têm estado a pedir-lhe mais tempo. “Queimei-me, com muita dificuldade vou poder voltar a combater incêndios”, refere ao Delas.pt. “Sei que tenho de estar afastada pelo menos dois anos, essa é a indicação médica”, prossegue.

No entanto, as dores que sente estão longe de ser apenas físicas. “Voltar a combater incêndios? Não sei… fiquei amedrontada. Vai ser muito difícil voltar a combater incêndios, é difícil voltar à minha vida normal”, suspira.

Filipa, que todos os dias faz questão de ir ao seu quartel e de ver os colegas, crê que o seu futuro na sua corporação será diferente. “Não sei se volto. Se o fizer, talvez faça emergência hospitalar, transporte de doentes, mas não mais isto [incêndios]…”, diz esta voluntária que combatia fogos há sete anos. Um testemunho duro e difícil que poderá ler esta sexta-feira, 15 de junho.

“Fiquei amedrontada. Vai ser muito difícil voltar a combater incêndios, é difícil voltar à minha vida normal”

Esta voluntária é uma das muitas e dos muitos bombeiros (o pai dela também é) que, em Pedrógão Grande, naquele fatídico dia de junho de 2017, nunca mais olharam para um incêndio de grandes proporções da mesma forma. Estão horrorizados, traumatizados e a desejar que o futuro deles e o do país florestal seja diferente. Um ano depois, as chamas deixaram marcas cravadas em todos: ali, em Pedrógão Grande, e em todo o lado, no país inteiro.

Podem os incêndios afastar quem queira ajudar? Neste momento, é nas palavras do Baltazar Lopes, presidente da direção dos Bombeiros Voluntários da Castanheira de Pera, que a resposta àquela pergunta ameaça ganha forma e número. O recrutamento de operacionais é, avança a agência Lusa, a principal dificuldade dos corpos de bombeiros na região atingida pelo incêndio que eclodiu há um ano em Pedrógão Grande, onde a perda de população não abrandou nas últimas décadas.

Os responsáveis das associações humanitárias de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, no norte montanhoso do distrito de Leiria, partilham esta opinião, realçando que a falta de emprego leva sobretudo os mais jovens a procurar trabalho em municípios vizinhos ou mesmo mais distantes.

“Muitos conseguem emprego noutros concelhos e acabam por desistir”, afirma o presidente da direção dos Bombeiros Voluntários da Castanheira de Pera. Baltazar Lopes salienta que se trata de “um problema transversal” do Interior, onde “a população ativa é muito reduzida” e o voluntariado acaba por enfrentar obstáculos que não se verificam nas zonas mais populosas de Portugal.

Ainda assim, oito novos bombeiros, homens e mulheres, reforçaram em maio o corpo ativo dos Bombeiros Voluntários da vila, comandado por José Domingues, que conta atualmente 75 operacionais. “Ganhámos agora oito novos bombeiros, mas há um ano perdemos cinco“, lamenta, ao recordar que, além da morte de Gonçalo Conceição, de 40 anos, quatro operacionais ficaram feridos com gravidade e ainda estão em tratamento. Filipa Rodrigues é uma delas… Baltazar Lopes admite que “pelo menos três” venham a poder retomar a atividade, numa unidade de bombeiros que, em maio, estreou cinco novas viaturas.

A congénere de Pedrógão Grande tem atualmente 59 elementos no ativo, a que se juntarão em julho nove estagiários que realizaram a formação. Em maio, um bombeiro do corpo local, de 54 anos, morreu num acidente de viação, enquanto um colega passou ao quadro de reserva, refere à Lusa o comandante, Augusto Arnaut.

“Temos agora 45 elementos mesmo operacionais”, descontando os que têm disponibilidade reduzida, explica. Estes são geralmente jovens que “procuram as suas vidas” fora do concelho. “É um grande problema que temos e ninguém vê isso”, sublinha Augusto Arnaut, um dos arguidos da investigação do Ministério Público à tragédia de há um ano, que provocou a morte a 66 pessoas.

Os Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande dispõem atualmente de 25 viaturas, algumas delas novas, número que ainda este ano deverá aumentar para 27. “Embora com mais dificuldades de meios humanos”, o comandante entende que a equipa está “devidamente preparada” e apetrechada para enfrentar o verão que se aproxima.

José Carlos Quintas é o presidente da direção dos Bombeiros Voluntários de Figueiró dos Vinhos, após ter ganho as eleições realizadas em outubro de 2017, com a participação de duas listas. “Estamos bem organizados para darmos resposta em tempo útil” às populações, apesar de “alguma dificuldade no voluntariado”, já que alguns bombeiros têm de “trabalhar por esse país fora”, afirma à Lusa.

A unidade operacional, comandada por Paulo Renato, dispõe de 85 homens e mulheres no corpo ativo, 10 dos quais iniciaram funções em maio, apoiados por cerca de 25 viaturas. No entanto, “existe a dificuldade em constituir algumas equipas no verão”, admite José Carlos Quintas.

CB com Lusa

Imagem de destaque: Rui Oliveira/ Global Imagens

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