Violência doméstica: Por que se deve evitar a cozinha numa situação de risco

Cozinhas, casas de banho ou garagens são alguns dos sítios que uma mulher vítima de violência doméstica deve evitar em caso de confronto com o seu agressor, que é frequentemente o companheiro, e se se encontrar numa situação de risco. Pode parecer estranho, se se pensar no instituto de sobrevivência imediato, mas estas são algumas das medidas trabalhadas antecipadamente, pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), quando elabora os planos de segurança para as mulheres e outras vítimas de violência doméstica que procuram a sua ajuda, depois avaliar o grau de risco e circunstâncias em que se encontram.

“Se a vítima ainda vive com o agressor e se apercebe que está prestes a haver uma situação de agressão, por exemplo, deve evitar locais perigosos da casa, como a cozinha, que tem facas, ou para a casa de banho que também é um local potencialmente perigoso, ou uma garagem. Estabelecer um código ou ter uma tecla de marcação rápida no telemóvel, ensinar os filhos a pedir ajuda através do 112 ou a proteger órgãos vitais”, exemplifica ao Delas.pt a psicóloga da APAV, Marlene Fonseca.

A especialista participa esta sexta-feira, 21 de setembro, na conferência “Woman XXI – O Género em Debate”, a decorrer na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto, onde vai falar sobre a importância da “Avaliação do Grau de Risco de Homicídio em Mulheres Vítimas de Violência nas Relações de Intimidade”.

O tema é debatido uma semana depois de terem sido revelados os mais recentes dados do Observatório de Mulheres Assassinadas, da UMAR: 21 mulheres assassinadas em contextos de violência doméstica ou de intimidade, desde o início de 2018, e um aumento da violência e do sofrimento com que são mortas.

Sobre este segundo aspeto, Elisabete Brasil, da UMAR, referiu que 2018 “foi o primeiro ano que em só houve arma de fogo numa situação e as outras são todas por esfaqueamento, asfixia. Pela primeira vez nestes 15 anos, surge o tiro esporádico e as outras formas, que são muito brutais, que agride, espanca, tortura, é de uma agressividade e brutalidade”, disse à Lusa.

A preocupação de Marlene Fonseca, na conferência desta sexta-feira é, precisamente, passar a mensagem da importância da avaliação do grau de risco nos contextos onde existem violência na intimidade, tanto para vítimas como para os profissionais que lidam com estas realidades. Para que serve, como geri-lo, como reconhecer os fatores que aumentam a probabilidade de acontecer um crime grave, como o um homicídio são os eixos de uma intervenção baseada na sua experiência com as pessoas que recorrem à ajuda da APAV.

“Um dos objetivos para a avaliação do grau de risco é alertar e consciencializar a vítima para o risco que corre. Muitas delas frequentemente subestimam o nível de risco em que se encontram e, por isso, não tomam medidas atempadamente e são apanhadas de surpresa. Quando uma vítima chega a um serviço [da APAV] uma das perguntas que nós fazemos é se acredita que ele é capaz de a matar. A maior parte delas acha que não”, sublinha.

Entre os fatores que contribuem para avaliar o risco Marlene Fonseca aponta a separação do casal como “um fator de risco bastante importante e qual se deve prestar bastante atenção”, lembrando os casos de homicídio ocorridos depois de as vítimas já estarem separadas do agressor. A posse de arma, a existência e ameaças a filhos, o controlo das atividades diárias e rotinas da vítima, por parte do agressor, a existência de uma escalada de violência, de agressões sexuais durante a relação, o isolamento da vítima, queixas ou condenações anteriores por violência doméstica ou medidas de coação que não são cumpridas são outros dos fatores que podem ajudar a definir o risco.

Trabalhando com as vítimas, a APAV traça planos de ação focados e personalizados que passam pela adoção de comportamentos concretos, relacionados com o dia a dia da vítima e que podem parecer banais, mas que visam garantir a maior proteção possível, e alguns casos a sobrevivência da vítima, em situação de confronto com o agressor. “É importante definirmos algumas medidas com elas, antes dessas situações ocorrerem, prevenir o momento”.

Combater a impunidade dos agressores

Na polícia criminal, lembra Marlene Fonseca, essa avaliação de risco é obrigatória, mas qualquer força de segurança dispõe de um primeiro mecanismo para fazer essa análise. “Há um instrumento de avaliação de risco que é o RVD [um inquérito], que é passado a todas as vítimas que recorrem seja a um órgão de polícia criminal, seja à GNR ou à PSP. Essa avaliação de risco é feita logo no momento e depois perante o nível de risco identificado há um timing em que o órgão de polícia criminal tem de reavaliar esse nível de risco. O que devia acontecer, e nem sempre acontece, é a partir do momento em que se reavalia o risco, trabalhar um plano de segurança para a vítima”.

Ou seja, definir estratégias de ação e segurança que possam minimizar a possibilidade das situações crescerem em grau de violência e terminarem com o homicídio da vítima, mas focadas na contenção do agressor.

“Tem de haver um agilizar das repostas, no sentido de que as medidas aplicadas sejam cumpridas. Sabemos que os agressores muitas vezes violam as medidas de coação que lhes são aplicadas e se calhar aí o sistema de justiça terá de aplicar uma medida de contenção mais forte, eventualmente a prisão preventiva, que é raro acontecer nestas situações”, conclui a psicóloga.

 

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