Diz-me como falas dir-te-ei que idade tens

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Podemos estar em forma e aparentar ter 25 anos, mas o modo como nos exprimimos denuncia a nossa idade. E não tente o calão dos 20 aos 60 – é ridículo e não apaga rugas. Quem o diz é Delfín Carbonell, filólogo e lexicógrafo espanhol, autor de mais de 35 obras sobre cultura e linguagem.

Ao contrário do que se possa pensar, as pessoas mais velhas detêm maior e melhor domínio da linguagem e são mais precisas na utilização do vocabulário. Os mais novos, pelo contrário, tendem a ser mais desleixados e a “maltratar” a sua própria língua. Esta é a opinião de Carbonell, confirmada tanto por Sara Afonso, professora de português há duas décadas, como pelo médico cardiologista e geriatra, Manuel Carrageta.

“O léxico dos adolescentes é visivelmente limitado e cabe-nos a nós, professores, despertar-lhes a curiosidade para uma melhor utilização da linguagem”, diz a professora. Se por vezes tem que baixar a complexidade do próprio discurso? “Sem dúvida, mas é a favor da comunicação. Se eles não compreenderem a mensagem, não adianta tentar passá-la”.

Quanto a Manuel Carrageta não vê por que motivo as pessoas de idade avançada não detenham um discurso elaborado, preciso e profundo adquirido ao longo de décadas, ao qual se junta uma cultura geral superior. “Aliás”, explica, “se este se tornar arrastado ou desconexo é que não é normal. Pode ser sintoma de doenças como demência ou o anúncio de um AVC, entre outras”. E mesmo assim nem tudo está perdido: parece que Iris Murdoch e Agatha Christie, que sofreram de Alzheimer, escreveram algumas das suas melhores obras durante a doença.


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Segundo Delfín Carbonell, o nosso vocabulário resulta de uma aprendizagem contínua: na infância só possuímos 5% de tudo aquilo que aprenderemos ao longo da vida. E é essa mesma aprendizagem que denuncia a nossa idade. Quem diria “googlar” ou “teclar” há 50 anos?

“A evolução é inevitável”, afirma Sara Afonso, “cada vez mais existem palavras que são criadas fruto do contacto com as novas tecnologias, por exemplo”. Carbonell concorda: “É preciso ver que as novas gerações estão constantemente a renovar a linguagem- embora nem sempre da forma mais inteligente”.

A professora defende que não podemos perder as suas traves mestras. “O segredo consiste em manter as crianças e os adolescentes em contacto com a boa literatura e não apenas com o que se lê na Internet”. Porque, afirma: “Não é que hoje se leia menos, lê-se é menos em papel.”

Ser cota não é top

Será que o vocabulário, dada a sua constante evolução, denuncia a nossa idade? O lexicógrafo espanhol afirma: “Sem dúvida que sim. Como estudante da linguagem há muitos anos acredito que podemos precisar a idade de alguém consoante as palavras que usa, a sintaxe e até os idiomas que domina”.

Na sua opinião, o que aprendemos enquanto crianças com os nossos pais, familiares e professores acaba por perdurar e sobrepor-se às palavras da moda que vão e vêm ao sabor das gerações. “Lindo” passou a “baril” que se tornou “fixe” e agora é “top”. O que era “estilo” ou “pinta” neste momento é “sweg”. O que vem a seguir? Ainda não sabemos.

Devem os mais velhos fazer um constante facelift do seu discurso para parecerem mais novos e atuais? Não, segundo o filólogo. Apenas o essencial para manter uma comunicação fluente e saudável não só com os mais novos, mas também com as pessoas da mesma faixa etária, sobretudo no que toca às novas tecnologias e ciência. “Só nos faria parecer tontos adotar a linguagem dos adolescentes. A forma como nos expressamos é uma parte de nós mesmos e não a devemos falsificar”.

Que os nossos pais continuem cavalheiros e as nossas mães moças bonitas, então. No entanto, “às vezes é difícil recuperar um discurso adulto e em conexão com a nossa idade” admite Sara Afonso, “após passar semanas a fio em contacto com o léxico dos alunos do secundário”.

Tal como refere o especialista espanhol, Sara por vezes teme perder parte da sua identidade se se render às capacidades limitadas de comunicação de parte dos alunos. Compreende que não é o que a fará parecer mais nova. Só menos sofisticada. Há calão que só fica bem a maiores de trinta se forem rappers.