Alimentação saudável para crianças: que erros andamos a cometer?

A obesidade infantil é já considerada uma epidemia a nível mundial. A OMS considera que o excesso de gordura corporal é o grande responsável por muitos dos problemas de saúde atribuídos normalmente aos adultos e que atualmente já se encontram em crianças, como a diabetes, colesterol elevado, asma, doenças do fígado, apneia do sono, alguns tipos de cancro e hipertensão. A OMS refere que, em Portugal, entre os adolescentes de 13 anos, 31% dos rapazes e 18% das raparigas apresentam excesso de peso, enquanto aos 15 anos os números apontam para 24% e 17% de casos de obesidade, respetivamente.

links_PaulaRelativamente às crianças, os números são ainda mais assustadores. A Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil revela, a partir de um estudo realizado em 2014, que 33,3% das crianças portuguesas entre os 2 e os 12 anos têm excesso de peso, das quais 16,8% são obesas. Os maus hábitos alimentares, nos quais se incluem o consumo excessivo de doces e refrigerantes, bem como da chamada fast food, são os grandes culpados por este flagelo. Em nome da saúde dos mais pequenos, cabe aos pais tomar as rédeas dos hábitos alimentares dos seus filhos, restringindo ao máximo o consumo de açúcar e gordura.

Luísa Fortes da Cunha é Licenciada pela Faculdade de Motricidade Humana, Mestre em Gestão da Formação Desportiva, escritora de literatura juvenil há 15 anos e autora do blogue My Casual Brunch. Raquel Fortes é Licenciada em Marketing pelo Instituto de Artes Visuais, Design e Empresas (IADE) e frequenta o Mestrado de Nutrição Clínica, no Instituto de Ciências da Saúde Egas Moniz. Trabalhou 15 anos na área da comunicação e há cerca de três anos criou o blogue It’s Up to You. Recentemente, ambas uniram esforços e editaram um livro, “Crianças Saudáveis, Famílias Felizes” (Lua de Papel), onde sensibilizam para o tema da obesidade infantil e dão aos pais as ferramentas certas para criarem hábitos alimentares saudáveis para toda a família. Falámos com as autoras para saber mais sobre o que são, afinal, hábitos saudáveis à mesa e de que forma podemos implementá-los, conjugando a azáfama da rotina diária com menus semanais simples de confecionar e – não menos importante! – saborosos.

Férias vs escola
Sabemos que, sobretudo durante as férias escolares, o tempo passado em casa junto dos pais ou outros familiares é muito superior aos restantes nove meses do ano. Esta é, então, uma boa altura para começar a tomar nota dos erros de alimentação mais comuns e a corrigi-los. “Os pequenos-almoços de cereais carregados de açúcar e gordura começam por ser o primeiro erro do dia a dia dos pais, que saem de casa de manhã cheios de pressa para chegar ao trabalho a horas.” Em tempo de férias, a descontração e a ausência do jugo do relógio também podem dar azo a um maior vagar à mesa, fazendo com que o consumo excessivo de alimentos, sobretudo os mais “apetitosos”, aconteça. “Depois, os lanches da manhã e da tarde, na maioria das vezes, são compostos por um refrigerante e um bolo, ou um pacote de bolachas.” Quanto à ementa das escolas, Luísa e Raquel acreditam que há muito a melhorar. “A falta de legumes que é compensada pelo excesso de hidratos de carbono – a batata e as massas são os erros mais comuns nas escolas – assim como a carne processada, i.e., salsichas, e as sobremesas de gelatina com dose excessiva de açúcar. Em vez disso, as escolas deviam preocupar-se em ter uma ementa variada e equilibrada, com o cuidado de metade do prato ser composto por salada ou legumes; ter por exemplo, um dia por semana um prato principal vegetariano, para começar a habituar o palato das crianças para este tipo de alimentos, e apostar em sobremesas à base de fruta.”

ABC da despensa
Que tipo de alimentos devem ser eliminados da nossa lista de compras? Luísa e Raquel acreditam que há muitos “lobos em pele de cordeiro” que passam despercebidos aos pais. “Um dos exemplos de alimentos aparentemente inofensivos são os pacotes/garrafas de leite com chocolate. Muitas vezes os pais fazem esta escolha pensando que estão a dar um bom alimento, mas estes pacotes de leite escondem uma enorme quantidade de açúcar. Outro exemplo muito usado pelos pais por se tornar prático é o «pão de forma» que se vende com e sem côdea, e que está cheio de gordura e açúcar. Além disso, têm conservantes – para o pão durar mais tempo. Também é preciso ter muita atenção às embalagens, que nos dão informação preciosa. Quanto mais elaborada e colorida for, maior atenção devemos dar ao rótulo. Outra dica importante é a quantidade de ingredientes que os produtos têm – se forem muitos, e alguns que nem percebemos bem o que querem dizer, é sinal de que não são saudáveis.”


Na fotogaleria, em cima, veja que alimentos devem prevalecer numa despensa e frigorífico que se querem nutritivos e saudáveis.


 

“Faz o que eu digo…”
O bom exemplo de hábitos alimentares saudáveis começa nos pais. Não adianta querer que o seu filho coma uma salada verde se pedir para si uma piza. “Antes de mais, há uma regra que não pode ser esquecida: não basta promover alimentos saudáveis nas crianças, se nós, enquanto pais, não dermos o exemplo. A reeducação alimentar parte dos pais para os filhos e tem de ser feita em conjunto. Uma criança tem mais facilidade em adaptar-se a uma alimentação saudável se o seu contexto familiar for favorável a esses bons hábitos.” Incentivar os miúdos a comer vegetais não é fácil, e pode ser necessário recorrer a alguns truques, como indicam Luísa e Raquel. “Apresentar os alimentos de forma apetecível é a melhor arma que temos à nossa disposição. Se queremos introduzir alimentos saudáveis, que muitas vezes não são do agrado das crianças, o melhor é apresentá-los de uma forma criativa, deliciosa e agradável. Há muitas maneiras de lhes darmos a volta, basta um pouco de imaginação.
Uma forma das crianças comerem vegetais é começar por escondê-los em sumos e em gratinados, como o que apresentamos no livro. Normalmente as crianças também gostam de tudo que lhes é apresentado em forma de espetada ou em palitos. Assim pode sempre fazer umas espetadas com tomates cherry, pepino, cenoura. Ou, se os brócolos forem árvores, vai ser muito mais divertido. Há também formas à venda que são corações, nuvens, sóis, entre outras. É só fazer as figuras com os legumes pretendidos e enfeitar o prato.”

Hoje é o dia
Se se sentiu inspirada por este artigo e quer começar hoje a mudança de hábitos alimentares na sua casa, saiba que é possível, sem grandes complicações. Como? “Ao pequeno-almoço podemos começar por fazer umas papas de aveia com fruta, em substituição dos cereais cheios de açúcar (receita no livro). Colocar na marmita da escola cenoura cortada em palitos. Ao almoço e jantar o melhor é começar com receitas tradicionais, fazendo a substituição e alguns alimentos, como por exemplo, bacalhau à Brás, trocando as batatas fritas por alho francês, strogonoff de tofu, mantendo todos os outros ingredientes, ou lasanha de carne colocando curgete em vez de massa, passar a utilizar o arroz integral (basmati, porque fica mais solto), em vez do arroz branco, caril de frango ou camarão. A sopa deve ser uma peça fundamental em todas as refeições e deve ser com legumes variados, para não fartar”, explicam Luísa e Raquel. Substituir alimentos menos saudáveis por outros não tem de ser um quebra-cabeças – e sem reclamações dos “clientes” mais pequenos. “Podemos substituir alguns ingredientes e, desde que o tempero se mantenha, a mudança é bem aceite. A base de piza com farinhas sem glúten, o açúcar natural (tâmaras, ou açúcar de coco) em vez do açúcar amarelo refinado – a banana é um ótimo adoçante também. Podemos também substituir o pão refinado ao pequeno-almoço por umas boas panquecas doces de aveia, ou fazer umas panquecas salgadas para o almoço.

A nossa receita de nutella (no livro) é um bom exemplo de como podemos usar uma opção mais saudável com cacau do que as versões dos supermercados.”
As autoras referem também alternativas saudáveis – e baratas! – aos refrigerantes: “As águas aromatizadas com fruta, deixadas em infusão da noite para o dia (pode também juntar à água puré de fruta natural). Ou então chá gelado de limão, açúcar de coco e canela.”

Para os lanches da escola, nada mais fácil do que uns muffins de mirtilo, bolachinhas crocantes de cacau e aveia, um overnight com fruta, ou espetadas de fruta. E quando a festa de aniversário do seu filho chegar, não ceda à tentação dos pacotinhos de gomas carregadas de açúcar como lembrança para os convidados. Há opções mais indicadas, afirmam Luísa e Raquel. “Já existem algumas lojas a granel e biológicas onde podem encontrar gomas saudáveis. Mas se a ideia é fazer os saquinhos em casa, que é sempre mais personalizado, pode oferecer um saquinho com bolachinhas crocantes com formas adequadas – flores e corações no caso de rapariga, ou carros e estrelas no caso dos rapazes. Outra boa ideia são as trufas/almôndegas de maçã.”

Imagens: Shutterstock