Saem Estados Unidos da América, entram Holanda e mais 20 países num fundo internacional para financiar e promover o aborto seguro para as mulheres.
A ministra do Comércio Externo, Desenvolvimento e Cooperação, Lilianne Ploumen, decidiu entrar em guerra aberta com o recém-empossado presidente norte-americano, Donald Trump, depois deste ter restaurado, no dia seguinte à sua tomada de posse, uma política de bloqueio ao financiamento com dinheiro público federal de organizações não-governamentais internacionais que realizavam abortos ou prestavam informações sobre a prática.
As associações envolvidas, recorde-se, têm fornecido apoio e serviços de informação a mulheres em matéria de planeamento familiar e em casos de aborto, mesmo que depois não haja lugar as cirurgias. Agora, com o Mexico City Policy, tudo isso pára.
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Lilianne Ploumen anunciou agora a intenção de criar um fundo internacional para promover a prática segura e contrariar o corte definido pelos EUA. Cerca de 20 países, que não foram revelados, deverão juntar-se à Holanda para, em duas ou três semanas, angariarem uma verba a rondar os 560 milhões de euros, um montante que deverá colmatar o vazio de financiamento criado por uma das primeiras decisões tomadas por Trump e para os próximos anos da sua administração.
“Para lá de estarmos a contactar alguns países europeus com os quais trabalhamos nestas matérias, estamos também em conversas com territórios da América do Sul e África, bem como algumas fundações. É importante termos neste fundo o maior apoio possível”, explicou Ploumen.
Entre os países que já declararam apoio a esta iniciativa estão a Bélgica, que se posicionou no mesmo sentido na quarta-feira, 25.
Esta mudança, afirmou a ministra holandesa, “têm consequências a muito longo prazo”. “Banir o aborto não leva a menos abortos, leva antes a práticas mais irresponsáveis e mais mortes de mães”.
A governante lembrou que as associações não lucrativas como a Marie Stopes Internacional, que recebe fundos por via desta iniciativa, já alegam que até 14 mulheres por dia arriscam a morte devido a este bloqueio.
O grupo internacional estima que, em quatro anos de administração Trump, será possível chegar às 6,5 milhões de gravidezes não desejadas, a 2,2 milhões de abortos e, no fim, 21.700 mortes.
A questão da mortalidade é, aliás, uma das principais reivindicações feitas por grupos de direitos das mulheres e de saúde, que têm contestado a medida de Trump.
“As tentativas para travar o aborto recorrendo a medidas restritivas – bem como vedar o auxílio ao planeamento familiar – nunca funcionarão porque não eliminam as necessidades que as mulheres possam ter a nível da tomada de decisões abortivas”, afirmou Marjorie Newman-Williams à revista Time. A vice-presidente da Marie Stopes e diretora de operações internacionais vincou que “esta política só vem pôr ainda mais em evidência a importância em garantir que as pessoas que vivem em países do mundo em desenvolvimento conseguem ter acesso a métodos contracetivos”.
‘Mexico City Policy’: o que é e como nasceu?
Esta tomada de posição do novo presidente não é nova quando vista à luz do histórico do partido Republicano, e tem sido tradicionalmente reposta sempre que a Casa Branca passa a ser ocupada por governantes oriundos desta família política.
Apresentada em agosto de 1984, na Segunda Conferência Internacional para a População, das Nações Unidas, que decorreu na Cidade do México, o Mexico City Policy foi primeiramente introduzida pelo republicano Ronald Reagan, foi anulada pela administração de Bill Clinton. Uma vez na Casa Branca, George W. Bush voltou a impor o bloqueio, mas o democrata Barack Obama revogou-o.
Esta medida permite aos especialistas de saúde decidir se aceitam ou não prestar serviços de aconselhamento relativos ao aborto ou rejeitá-los, perdendo o financiamento norte-americano. A Agência Internacional norte-americana para a Desenvolvimento (USAID) tem sido o maior doador bilateral de fundos para os serviços de planeamento familiar. Estudos têm apontado que sempre que a medida de bloqueio é implementada o número de clínicas e serviços de planeamento familiar num determinado território diminuem, mas leva a um incremento da taxa de abortos.
A Mexico City Policy é também apelidada de Global Gag Rule. Uma enunciação formulada pelos críticos porque a medida proíbe as organizações não-governamentais de, entre outras atividades, usar fundos para pressionar governos estrangeiros a legalizar aborto ou a promover a prática como método de planeamento familiar.
Imagem de destaque: [Fotografia: Kamil Krzaczynski/Reuters]