“No período de crise aumentaram as desigualdades, a violência, a injustiça, a tensão aumentou na escola, na família”, analisou Marcelo Rebelo de Sousa. O presidente da República esteve à conversa com Catarina Furtado no âmbito da conferência O Poder da Educação na Conquista da Igualdade, promovida pela associação que a apresentadora da RTP preside.
Tendo por base a escola e a formação para a igualdade, o professor falou de bullying, violência no namoro, televisão e publicidade, das dificuldades de se ser professor, da crise e… das ilusões.
E “há duas: uma é achar que se pode voltar ao momento em que começou a crise, isso não existe e muito boa gente achava isso e raciocinou assim. Em segundo lugar, é uma ilusão que os efeitos dessa crise não obrigam a olhar para a situação pós-crise como se não tivesse existido”, referiu, vincando que a saída dos “quatro anos” de “crise muito profunda” – “terrível”, classificou – “não é um processo simétrico, é muito mais lento, é desigual”. Mais: “o que foi vivido no período de crise prolonga-se na vida das pessoas.”
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Na conversa com Catarina Furtado, que teve lugar na segunda-feira, 20 de novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa falava da violência, mas não só. “Foram situações de desemprego, não de um, mas de vários membros da família, foi a violência gerada nessas situações. Depois, chega a projeção [daqueles comportamentos] nos elementos mais frágeis: estamos a falar das crianças, podíamos falar dos mais idosos. E até que ponto não se prolonga nas relações afetivas, amorosas, na violência no namoro, nas dependências e predisposições para fragilidades preexistentes?”, perguntou.
“O bullying começa muito cedo, nas primeiras idades, dizem os especialistas, ainda antes de se colocar o problema da violência no namoro. São discriminações preexistentes e depois transportáveis para a escola. São agravadas em períodos de crise”, afirmou.
“Quem demora muito tempo a perceber, reage sempre tarde”
É tempo, diz o chefe de Estado, de “a sociedade” ter “a coragem de assumir os problemas, e quanto mais transparente for a assumir que os tem de enfrentar, mais rapidamente o faz”. É altura de deixar de ser “assim-assim” ou de “empurrar com a barriga” e de “tomar de consciência nas questões”.
“Quem demora muito tempo a perceber, reage sempre tarde, vai a reboque dos acontecimentos e sempre a reduzir e minimizar perdas. O educador não pode fazer isso, tem de as antecipar e saber que a melhor defesa é o ataque”, afirmou Marcelo, que voltou a lembrar ser “um otimista realista”. E ainda vincou, entre risos: “É uma expressão que uso para diferenciar outras formas de otimismo, que respeito, com as quais me dou muito bem, mas que são, às vezes, um pouco irritantes”.
“Não há direitos políticos iguais, se os direitos económicos, financeiros e sociais não o são”
Marcelo Rebelo de Sousa lembrou a “tese” que considera “arrojada”: “temas como a violência, como a discriminação, como a toxicodependência, e relação com o sexo ganhavam em serem objeto de educação o mais cedo possível. É uma ilusão achar que a criança não contacta com eles quanto mais não seja na internet ou na televisão”, afirmou.
O chefe de Estado considerou que “a escola devia ser fator de correção, mas talvez não seria pior pensar nos outros agentes educativos que devem ter a mesma sensibilidade”, vincando o papel da família neste processo. “A formação dos direitos humanos começa na família, no exemplo que se dá. Discriminações, xenofobia, racismo, discriminação de género, tudo isso começa desde logo muito mais cedo do que se pensa”, referiu, vincando também a intervenção no pré-escolar. “É preciso formação dos professores, dos cidadãos, de todos nós”, declarou. “Não há direitos políticos iguais, se os direitos económicos, financeiros e sociais não o são”, acrescentou Marcelo.
Televisão, realities, publicidade e novos gurus
O presidente considerou que “os meios de comunicação social têm um papel fundamental na prevenção” da discriminação. “Os anúncios podem contribuir para a acentuar ou para a ultrapassar e a esbater, também as reportagens”, refere. Um olhar ao qual os reality shows não escaparam. “Eles acabam por acentuar, em horas de audiência brutal, traços que são o contrário do que tinha acabado de passar nos noticiários. Ali passa a supremacia dos homens sobre as mulheres, a violência, às vezes roça alguma forma de xenofobia e outras formas de discriminação”, analisou.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, os políticos, os escritores e os pensadores de outrora deram lugar a novos gurus. “Hoje são do desporto, do showbizz, do mundo mediático e esses têm uma responsabilidade enorme, porque quem olha para eles não quer só copiar o cabelo, acaba por querer copiar também as posturas assumidas. Têm um peso brutal e chegam a milhões de pessoas instantaneamente”.
E numa cerimónia que tinha também por objetivo premiar os melhores trabalhos jornalísticos e publicitários em matéria de igualdade, Marcelo deixou uma crítica clara aos anúncios: “apresentam sistematicamente a mulher como objeto, a publicidade quer usar o ser perfeito, e a ideia da perfeição é totalmente desrespeitadora da dignidade da pessoa. Somos todos imperfeitos”, considerou.
Imagem de destaque:Maria João Gala/Global Imagens