Marisa Jara: “Vemos um desfile das gordas e depois… o das mulheres”

Começou a sua carreira de manequim aos 15 anos, quando acompanhava a irmã para uma sessão fotográfica numa agência. Não precisou muito para que Marisa Jara desse nas vistas. No entanto, rapidamente o conto de fadas se tornou uma tormenta para esta sevilhana, para quem as medições e as balanças passaram a ser donas e senhoras do seu dia-a-dia.

Hoje, com 37 anos, esta manequim “curvy” – que namorou com o bailarino Joaquín Cortés – é o novo rosto da C&A para o movimento inclusivo das mulheres de todos os tamanhos: o Feel Good Fashion. Ao Delas.pt, por ocasião e à margem do lançamento da nova coleção ibérica (apresentada na semana passada, em Madrid), Marisa conta que “a pressão e a exigência” da indústria a levaram a um distúrbio alimentar: o da bulimia nervosa. Jara refere ainda que se a moda a “empurrou” para a doença, foi também a mesma mão que a resgatou para voltar às passerelles e para as sessões fotográficas, aceitando-a como modelo “curvy”.

Sem baixar a voz e os braços, a manequim considera que esta solução não é a melhor. “Há os desfiles das gordas e depois há os das mulheres”, analisa. Esta etiquetagem tem de acabar e a indústria tem de juntar todas num mesmo desfile. Um caminho que, analisa Jara, ainda vai ser longo, mas que a sevilhana espera ver chegar dentro de “cinco a seis anos”.

Leia a entrevista completa abaixo

É o rosto desta nova campanha de C&A, o que crê que as consumidoras vão ver em si?

O mais importante nesta vida é sentirmo-nos bem e sermos felizes connosco mesmas, seja qual for o tamanho que usamos, a altura, a idade e a identidade. Então, é muito importante que possamos entrar numa loja e possamos experimentar qualquer roupa, e que essa nos faça sentir bem. Sinto-me muito identificada com a C&A porque eles apostam na diversidade da mulher. Sinceramente, quando me ofereceram o projeto, em nenhum momento duvidei dele. Sempre fui uma modelo que, ao longo de anos de trabalho, lutei pela multiplicidade de números e tamanhos de roupa, pela diversidade.

A moda está mesmo apostada na diversidade ou é apenas temporário? O que lhe parece?

Cada vez mais os criadores e as marcas se vão comprometendo entre si, vão aceitando que tudo está a mudar e que o mundo todo não pode usar o mesmo tamanho 36.

E os números acima mantêm-se iguais ou estão a ficar mais pequenos?

E que nem o 38 pode ficar mais pequeno! Isso está a custar muito trabalho. A pouco a pouco, criou-se e vê-se um movimento, uma mudança que vem sobretudo dos Estados Unidos da América. Ashley Graham, Candice Huffine, estas modelos estão a fazer muito por esse movimento. Aqui em Espanha, ele também está a chegar com força, e há cada vez mais marcas e mais criadores que estão a mudar. Está-lhes a custar.

Em quê?

Porque, todavia, por exemplo há marcas que anunciam que vão ter XL. Porém, não é um XL real, é pequeno. As marcas estão a abrir-se um pouco à indústria curvy, mas o XL está a custar-lhes. Ainda não é totalmente honesto. Vemos um desfile das gordas e depois… o das mulheres. Quando vamos ver um desfile curvy não é uma passerelle normal. Então, estamos a falar verdadeiramente do quê? É que ainda pomos essa etiqueta. Em Espanha, está assim.

O que deveria mudar?

Devia haver desfiles com modelos de todos os tamanhos, com todas as mulheres incluídas. Antes, nem sequer existiam os desfiles curvy. Deu-se um passo adiante. Mas queria ver desfiles com todas as mulheres. Porque não?

“As marcas estão a abrir-se um pouco à indústria ‘curvy’, mas o XL está a custar-lhes. Ainda não é totalmente honesto”

Quanto tempo será necessário para que isso aconteça?

Gostava muito que isso chegasse aqui. Acredito que em cinco a seis anos chegará cá. Penso que iremos conseguir, mas ainda falta.

Porque é a América parece não estar a resistir tanto a esta mentalidade?

A América tem uma mentalidade totalmente diferente da europeia. Pensam mais no negócio, estão com o tema, estão muito a par e muito mais à frente. Aqui, ainda falta muitíssimo. Em França, em Inglaterra…

E a si o que lhe custou esta transformação. Afinal, a sua história pessoal – bulimia nervosa – vem revelar o que pode acontecer quando se tenta responder a um modelo pré-estabelecido. É preciso falar dos casos de vida para conseguir que a indústria mude?

Tentei fazer o máximo barulho possível para poder tentar, dentro do possível, fazer uma mudança. Escrevi inclusivamente um livro [La talla o la vida, O Tamanho ou a Vida em tradução literal] , tentei chegar ao público e penso que se andou bastante. As pessoas reagiram muito bem.

“Esta discriminação [das gordas] existe. Creio que é um problema social grave”

Crê que acelerou a indústria da moda para esta tomada de consciência?

Sim. Se todas levantarmos a voz e se toda a gente, a pouco e pouco, tentar, acredito que se pode chegar ao que se pretende. É mau que todo o mundo se cale e faça com que tudo fique na mesma, se cale perante esta discriminação que existe. Creio que é um problema social grave. É muito cruel com as modelos, é muito cruel para com as mulheres comuns. Com todas! Porque se já é duro para uma gordinha que procure trabalho, que vá a uma entrevista de emprego e não lho dão por ser gorda, imagine o cruel que é para uma rapariga que é modelo, que passa o dia a ouvir “nãos” só porque tem três quilos a mais. É torturador.

Foi a moda que a empurrou para a bulimia nervosa?

No princípio, estava muito magra, não tive problemas. Com tanta exigência e pressão, comecei a tê-los. Então, parte da culpa da bulimia, sim, foi da moda. Mas quando me retirei, também foi a moda que me resgatou através dos modelos grandes.

“Parte da culpa da bulimia, sim, foi da moda”

Quase como um pedido de desculpa?

Sim.

Quanto a esta coleção da C&A, qual foi o nível de participação?

Gosto muito desta coleção, é uma roupa com tendência, muito atual, e o mesmo look pode ser usado por mulheres de tamanhos 36 a 48. É maravilhosa. É democrática. Agora, gostaria de colaborar e introduzir-me um pouco mais na marca. Fazer, quem sabe, uma coleção cápsula para eles.

[Fotografia: Divulgação]

Há essa possibilidade?

Pode ser. De momento, não sei. Mas gostaria muito.

Imagem de destaque: Divulgação