Positivismo tóxico: quando o ‘está tudo bem’ se torna mau

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Existem especialmente dois tipos de pessoas distintas: as que veem sempre o copo meio cheio e as que veem sempre o copo meio vazio. Ser positiva e confiante pode ser, na maioria das vezes, a chave para a felicidade, mas, atenção, também existe o positivismo tóxico.

É daquelas pessoas que tenta sempre, por tudo, ter pensamentos positivos e agarra-se apenas às emoções boas durante a pandemia provocada pelo Novo Coranavírus, e dar conselhos sempre positivos? Então talvez precise de ler isto.

Se tem alguém perto de si que passou por algum momento mais complicado, como o fim de uma relação ou a perda de trabalho ou rendimentos, a tendência é sempre dizer que vai ficar tudo bem, que há coisas piores na vida ou que a pessoa tem apenas de se encher de pensamentos positivos.

Mas a verdade é que o positivismo excessivo pode-se tornar tóxico e ter, precisamente, o efeito contrário – trazer mais negativismo. E este tipo de comportamento é tão comum que os especialistas já lhe deram mesmo um novo: positivismo tóxico.

“O positivismo tóxico é a ideia de que nos devemos sempre concentrar apenas nas emoções positivas e nos aspetos positivos da vida”, afirmou à revista Huffpost Heather Monroe, assistente social clínica e diretora de desenvolvimento de programas do Newport Institute. “É a nossa convicção de que, se ignorarmos emoções difíceis e as partes de nossa vida que não estão a funcionar tão bem, ficaremos muito mais felizes”, continuou.

Mas, afinal, porque é que isto não resulta? Porque a vida é feita de altos e baixos e é importante superarmos os momentos maus, tendo consciência dos mesmos. Até porque negar os seus problemas não faz com que eles se vão embora. “O problema é que a positividade tóxica simplifica demasiado o cérebro humano e a maneira como processamos as emoções, e isto pode realmente ser prejudicial à nossa saúde mental”, afirma a mesma especialista. É importante sabermos que, de vez em quando, é normal sentirmo-nos tristes.

A positividade tóxica pode também fazer com que a pessoa fique calada e “não queira lutar as suas próprias lutas”, explicou a terapeuta, acrescentando que “sentir-se conectada e ouvida pelos outros é um dos antídotos mais poderosos para a depressão e a ansiedade, enquanto o isolamento alimenta esses problemas emocionais. Muitas vezes, tentar esconder ou negar sentimentos pode levar a mais stress no corpo e a uma maior dificuldade em evitar emoções perturbadoras”, termina por explicar.

Positividade tóxica aumentou com a Covid-19

A verdade é esta: vivemos num drama comum e coletivo, devido à pandemia da Covid-19, onde ninguém sabe muito bem o que esperar daqui para a frente. E, neste contexto, o positivismo tóxico ganha um relevo ainda maior. Para Noel McDermott, psicoterapeuta em Londres e entrevistado para o mesmo meio de comunicação, quase todas as publicações nas redes sociais são de positivismo tóxico.

Incentivar o tirar partido do melhor da pandemia, como passar mais tempo com a família, aprender a cozinhar ou uma nova língua, arranjar um novo passatempo ou escrever finalmente um livro são ideais que desviam a atenção do problema.

“Um dos maiores exemplos de positividade tóxica está na área de negação da natureza traumática da pandemia“, disse o especialista. “Vemos isso quando as pessoas apenas promovem a experiência positiva do confinamento em que estiveram, afirmando estar numa jornada de auto desenvolvimento, aprendendo a viver em paz com o seu mundo interior”, explica o terapeuta, acrescentando que “mesmo em tempos normais, tornar-se mais focado interiormente é sempre um desafio, pois todos temos demónios internos”.

A positividade tóxica, seja ela feita de uma forma mais ou menos subtil, faz com que se desligitimize as preocupações que são legítimas a todos, seja a nível de preocupações de saúde, familiares, conjugais ou outros. O problema não se vai embora por sermos apenas positivistas, deixando de lado o que realmente se passa no mundo: pessoas a morrer, a economia a colapsar e as relações interpessoais a desgastarem-se.

Com a pandemia, o ato de sobrevivência é mentalmente exaustivo, explica desde logo o especialista. E, principalmente para quem foi e é mais afetado pela Covid-19, ou para quem está em situações mais de risco e preocupado com tudo o que se pode passar à sua volta, essas pessoas não vão querer saber novas receitas ou novas formas de fazer tricô.

Não é por estarmos mais tempo em casa que devemos sentir que existe uma obrigação por criar um novo negócio, aprender a melhor receita do mundo ou escrever um livro que tinha estado na estante sem tempo de escritura há anos. E, pelas redes sociais, vários são os posts que incentivam a que as pessoas devam aproveitar este tempo para se auto conhecerem ou para aumentarem a sua sabedoria. Há pessoas que, efetivamente, não precisam de pressão por tirar algo positivo de uma experiência traumática.

O importante é percebermos que não devemos reprimir os sentimentos maus e viver apenas dos bons. É importante que cada um saiba que pode ter sentimentos negativos e que não há nada de mal sobre isso. É fundamental e possível aceitar tanto os sentimentos bons como os maus, não os tentando reprimir. Mas é igualmente importante perceber que os sentimentos negativos não devem ser uma constante sem retorno nas nossas vidas.