As urnas fecharam às 22h, depois de um dia de chuva e de filas. Os britânicos participaram em massa neste referendo que colocava uma questão verdadeiramente fraturante: Quer continuar a fazer parte da Europa ou quer que o Reino Unido saia da UE? Nunca antes se tinha visto um Reino Unido tão dividido. A campanha trouxe ao de cima os ódios intestinos: contra os imigrantes, contra os refugiados, contra os que apoiam a comunhão com o continente. Resultado trágico: uma deputada morta enquanto fazia campanha pelo Bremain, as comunidades imigrantes acossadas, um país dividido quase ao meio. O Brexit ganhou com 17,410,742 de votantes (52%) a escolherem o isolamento, mas 16,141,241 eleitores (48%) preferiam ficar. Regionalmente também foi claro: em Londres ganhou o ficar, assim como na Escócia e na Irlanda do Norte; em Gales e em todo o resto de Inglaterra ganhou o sair. E agora, o que é que acontece?
O referendo é vinculativo?
Sim… e não. Temos o exemplo de países como a Irlanda, em 2008, ou a França e a Holanda, em 2005, que votaram contra o Tratado de Lisboa em referendo e cujos Governos acabaram por ratificar o documento na mesma. Mas este referendo sobre a permanência ou saída do Reino Unido na União Europeia deverá obrigar o governo britânico a levar a decisão até ao fim. Uma notícia do Diário Económico citava esta semana Maria Demertzis, “do grupo de especialistas em assuntos económicos Bruegel” que disse que depois do resultado apurado a decisão de saída ainda tem de ter tomada pelo parlamento britânico, o The Guardian explica hoje que o Parlamento é soberano, mas não é de crer que depois de uma campanha tão renhida e violenta os deputados venham a decidir contra a vontade do povo.
David Cameron vai apresentar a decisão a Bruxelas?
Não. O primeiro-ministro britânico, conservador que fez campanha pela permanência, apesar de muitos lhe atribuírem o início do discurso anti-Europa, disse sempre que respeitaria a decisão do povo. Hoje de manhã, numa declaração ao país, afirmou não poder manter-se no cargo que o levaria a negociar a saída uma vez que não concorda com ela. “A negociação com a União Europeia tem de começar com um novo primeiro-ministro e acho que é o correto que seja este novo primeiro-ministro a acionar o artigo 50″ do Tratado de Lisboa. Cameron deve manter-se no cargo até outubro.
Como assim negociação da saída?
Como todos os países da União Europeia, o Reino Unido deu e recebeu dinheiro europeu, para desenvolvimento de infraestruturas, etc. Esse valores dos projetos não concluídos, assim como de indemnizações por incumprimento dos contratos, deverão transitar entre Londres e Bruxelas de forma a saldar as contas. Antes do resultado ser conhecido o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, já tinha avisado que “fora é fora” significando isto que não havia espaço para meias medidas, nem estatutos especiais uma vez que os britânicos se decidissem pela saída.
Eu moro no Reino Unido. Vou ter de sair?
Sair não, mas não vai ser tão fácil manter-se longe das burocracias. O governo português já tinha aconselhado, no dia 22, os portugueses que vivem no RU a pedirem o visto de residência, uma vez que se acaba a igualdade entre cidadãos da UE e do RU naquele território. Os acordos de livre circulação e residência serão feitos país a país como se fazia antes da abertura das fronteiras.
Eu sou inglês e moro em Portugal. Vou ter de sair?
Provavelmente não. A resposta à pergunta anterior serve para esta também. Portugal há muito (muito antes do Schengen) que oferece condições especiais para os cidadãos britânicos que queiram residir no País e não é de esperar que isso mude tão cedo.
O que é que vai acontecer a seguir?
Os passos para a saída da União Europeia estão descritos no Tratado de Lisboa, artigo 50. O governo inglês deve informar formalmente o Conselho Europeu de que quer sair. Cameron disse que se os britânicos se decidissem pela saída, era natural que o processo começasse imediatamente. Mas como Cameron se demitiu é difícil prever quando começará de facto. Durante o período de negociações e até cessar a sua participação na UE, o RU continua a ter todas as obrigações mas deixa de ter qualquer direito de participar nas decisões. O Parlamento Europeu terá de votar as condições de saída e essas têm de ser aprovadas por maioria. Depois o Conselho da Europa terá também de votar pela saída: 20 dos 27 membros (com o RU excluído da votação) terão de concordar com os termos do Brexit.
Quanto tempo vai demorar?
No máximo dois anos a partir do momento em que o Conselho da Europa for notificado, o que quer dizer quem em 2019 o Reino Unido já não deve fazer parte da UE.
Quais são os riscos para a União Europeia?
O Diário de Notícias mostra hoje como o efeito de contágio vai acontecer, com o artigo ‘Brexit e o efeito dominó: se eles podem nós também podemos‘. Entretanto líderes políticos de vários países, incluindo a Holanda, já disseram que vale a pena ponderar um referendo sobre a saída. Para já a cotação das moedas e das bolsas está em queda como pode ver no jornal Dinheiro Vivo e as agências de rating já começaram a dar sinais de que vão baixar das notas aos países envolvidos no processo. Ninguém escapa ileso.