Sónia Braga, um mar de força num aquário cercado de tubarões

Sónia Braga deslumbrou em Cannes
Sónia Braga deslumbrou em Cannes

‘Aquarius’, o filme que marca o aclamado regresso de Sónia Braga ao cinema, chegou esta semana às salas de cinema nacionais.

A produção, dirigida pelo realizador brasileiro, Kléber Mendonça, sublima a mulher como símbolo de resistência; neste caso, contra os interesses especulativos imobiliários brasileiros.

No filme, Sónia Braga, de 66 anos, interpreta Clara, uma mulher que vive no edifício Aquarius, um bloco de apartamentos dos anos 1940, com vista para o mar, na cidade de Recife, cobiçado por uma construtora. É a única moradora que resiste a vender o seu apartamento à empresa que pretende, depois de adquirir a totalidade das casas, demolir o prédio e erguer um condomínio no seu lugar.

Clara é uma crítica musical reformada, viúva, mãe de três filhos e avó, que lutou contra um cancro e sobreviveu, e que, entretanto, se vê obrigada a travar uma nova batalha, desta vez pelo direito a permanecer no lugar onde vive.

O retrato da personagem constrói-se a partir da história de resistência ao assédio e perseguição que lhe são movidos pela construtora. Inspirada, em parte, na mãe do próprio realizador, a protagonista de ‘Aquarius’ é também um símbolo da resistência à luta contra o tempo e o envelhecimento, da aceitação desse processo sem prejuízo da emancipação, feminilidade e identidade. No fundo, ela é o edifício que tentam abater.

aquarius
Imagem de cena do filme

Como refere o jornalista e crítico de cinema Rui Pedro Tendinha, Sónia Braga “surge como um exemplo de uma atenção específica ao pulsar feminino. O cineasta de ‘O Som Ao Redor’ filma um retrato de mulher como é raro o cinema fazer: com crueza, subtileza e sensualidade”.

Mas para a atriz, ela está longe de ser uma mulher fora do comum. “Quando as pessoas dizem que a Clara é forte, eu digo: ‘Não! Ela é um ser humano, ela é amável, instruída, uma académica. Ela viveu com paixão. Mas se, numa altura da sua vida, as pessoas são retiradas de um lugar ou lhes são retirados direitos elas impõem-se”, afirmou em entrevista ao ‘The Guardian’.

Por isso, onde outros veem força, Sónia Braga vê antes “necessidade” e um “peso comum” que muitas mulheres brasileiras carregam. “Elas têm filhos, e os seus maridos ou as deixam ou morrem. É seu dever a partir daí sobreviver, trabalhar, sustentar, fazer tudo. Ninguém quer estar nessa posição. Simplesmente é o que se faz”, acrescenta.

‘Aquarius’ e a personagem Clara são também a metáfora de um país em ebulição política e social. Sónia Braga, que vive há vários anos nos Estados Unidos da América e não fazia um filme em língua portuguesa há cerca de duas décadas, não desmente essa ligação, e, na mesma entrevista, afirma que o guião adivinhou o que lhe ia na alma: “[Como se] soubesse todas as palavras e sentimentos que eu precisava de tirar do meu peito sobre a relação com o meu país”.

Noutras entrevistas a jornais brasileiros, a atriz já tinha confessado a sua desilusão e manifestado contra o processo de destituição de Dilma Rousseff do cargo de presidente do Brasil. No Festival de Cannes de 2016, onde o filme estreou, a expressão desse descontentamento foi pública e envolveu todo o elenco do filme, que levou cartazes para a passadeira vermelha protestando contra o que designaram de “golpe”.

Momento de protesto do elenco de 'Aquarius'
Momento de protesto do elenco de ‘Aquarius’

Quase um ano depois da estreia no festival francês, ‘Aquarius’ chega às salas de cinema portuguesas. Clique aqui para saber onde pode ver o filme.